Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











segunda-feira, janeiro 16, 2006

Congo, 2000 - os trabalhos de Alfredo Neres (1)

Para os Combonianos que tenho conhecido, o direito à indignação parece ser uma espécie de “11º mandamento”. Alfredo Neres, português de Viseu, missionário no Alto Zaire, não se cansava de pregar esse ensinamento. E nas condições em que o fazia, significava correr risco de vida diariamente. O padre Neres vivia em Bondo, cidade importante porque fica no coração de uma das mais ricas regiões do actual Congo Democrático. Região rica em ouro, diamantes, coltam e kalasnhikovs… Cheguei a Bondo a bordo de um pequeno Antonov tripulado por pilotos russos ao serviço de Jean Pierre Bemba, o presidente do Movimento de Libertação do Congo, um dos principais grupos rebeldes que lutavam contra o regime de Joseph Kabila.
Bemba e o MLC, ainda hoje, controlam quase todo o Norte do Congo. Controlam a vida de perto de 8 milhões de seres humanos. É um regime bruto, de olhos postos na extracção das riquezas, pouco preocupado em minorar as dificuldades da população. Entre Bondo e Gbadolite, a capital da zona Leste do país e a cidade onde vive Bemba, os hospitais não têm medicamentos, as escolas não têm cadernos, os agricultores não têm sementes nem gado. É um país delapidado.
A paz, assinada recentemente, não alterou nada na vida das populações, embora a guerra esteja numa pausa. O tratado de paz foi, essencialmente, um acordo de divisão das riquezas do país.

Quando o avião de Bemba aterrou, terminou o suplício do padre Neres e das crianças da escola dos missionários de Bondo. É que foram eles os “escolhidos” para construir a pista, para que o Chefe Bemba pudesse aterrar ali com o seu avião. Durante semanas, a escola fechou. Oito horas por dia, os miúdos e Neres capinaram uma recta de mil e tal metros de comprimento por 30 de largura. Depois do mato derrubado e retirado, foi preciso alisar a terra, retirar pedras e raízes. Não podia acontecer nenhum acidente na aterragem daquele avião. Neres e as crianças respondiam com a própria vida por qualquer coisa que pudesse suceder a Bemba.

2 comentários:

Anónimo disse...

Curioso...
Conheci o Padre Alfredo há mais de 20 anos, no Seminário em Santarém. Esperto e vivo como poucos. Deu-me uma catrefada de revistas «Audácia», publicação dos combonianos.
O tempo passa, bolas...

CN disse...

O tempo passa, o Mundo encolhe e a blogosfera aumenta. Acabamos todos por nos cruzar uns com os outros.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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