Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











sábado, dezembro 31, 2005

Kawangware

Em 1992… Kawangware era, ainda hoje é, um dos maiores bairros da lata de Nairobi. Além de ser um lamaçal de pobreza, Kawangware era, ainda hoje é, porto de abrigo para milhares de refugiados moçambicanos.
O êxodo do povo moçambicano começou na década de 60. Começaram por fugir do jugo colonial, das perseguições políticas, das matanças. Fugiram pelo Norte, pela fronteira com a Tanzânia. Atravessaram esse país e acabaram nos arredores da capital queniana.
A segunda vaga de refugiados aconteceu durante a longa guerra civil que se seguiu à independência. Seguiram o rasto dos primeiros refugiados e, todos juntos, constituíam uma enorme comunidade de estrangeiros ilegalizados e sem direitos de cidadania. Viviam com o medo diário da prepotência da polícia e dos patrões que os exploravam. A maioria desses moçambicanos trabalhava a troco de um prato de arroz no final do dia. Eram escravos, de facto. Não tinham documentação, nem autorização de residência, nem direito a um contrato de trabalho. Moravam em barracas de lata e cartão.
Ninguém os ajudava, à excepção de dois missionário combonianos, portugueses. A tarefa de Gentil e Lino era a de ajudar a realizar projectos de implantação de pequenas empresas artesanais, negócios familiares, qualquer coisa que ajudasse mais alguém a ter um modo de vida digno.

Lembro-me de ter estado na carpintaria de Tobias Kubarria, no atelier onde Agapito Simba esculpia estatuetas, lembro-me de ouvir a história de Carlos Cassambo… 20 anos a pedir esmola nas ruas de Nairobi, lembro-me de ter visto a habilidade de Albertina Cicanda na arte de trançar os cabelos das clientes do seu cabeleireiro. Aquela era uma grande obra: ajudar a erguer sonhos do lamaçal de Kawangware.

2 comentários:

Isabela Figueiredo disse...

Nasci em Moçambique e fui retornada. Vim para Portugal com 12 anos, portanto, as minhas recordações estão demasiado filtradas pela juventude.
O meu pai foi patrão de negros, e eu sei o que foi o jugo colonialista, porque o testemunhei. Tinha a ideia, transmitida pela comunidade colonial que me rodeava, que os negros iam trabalhar para as minas da África do Sul para ganhar muito dinheiro. Que os negros saíam para trabalhar. Alguns dos "negros do meu pai" desapareciam; ele descobria, tempos depois, que tinham ido para as minas de ouro. Quem ia trabalhar para as minas de ouro tornava-se rico, por estranha osmose. Desconhecia, até agora, que existissem, nos anos 60, refugiados na Tanzânia. Refere-se à população indígena em geral, ou aos membros da FRELIMO? Gostava de saber mais sobre isto.

CN disse...

o 1ºfluxo de refugiados foi durante a guerra colonial. eram, maioritariamente, populações adeptas da Frelimo. A Tanzania sempre foi santuário protector para a Frelimo. Mas estes, de que falo, continuaram para além da Tanzânia e só pararam nos arredores de Nairobi, no Quénia. Começaram por se refugiar da guerra e acabaram por ir à procura de melhor vida. começaram por ser refugiados políticos, terminaram como emigrantes económicos. A cena repetiu-se, depois, durante a guerra civil.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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