Daquela vez, alugámos uma casa no Bairro Azul. A casa estava vazia e quem tomava conta dela era o senhor Baganha, um tuga já velhote mas cheio de energia e de expediente. O senhor Baganha ganhava a vida com um camião. Ia e vinha, de Luanda até Viana, transportava gente e tudo o mais que houvesse. Fazia o percurso várias vezes ao dia e, à noite, gastava duas horas a contar as notas. Parecia muito, mas não era. O dinheiro não valia nada. Para comprar uma cerveja, tínhamos de levar um carrinho de mão cheio de notas. Era uma vida arriscada, não só porque ele era branco e, por isso, dava nas vistas, mas porque Viana era fronteira com o território dominado pela UNITA. Estar em Luanda, naqueles tempos, era como estar numa ilha. Só se saía dali voando.Um dia uma vizinha adoeceu gravemente e precisava de ser evacuada para Lisboa. Só aguentaria a viagem se levasse uma transfusão de sangue imediatamente antes de embarcar. O Hospital Maria Pia não tinha sangue. Os vizinhos mobilizaram-se e fomos dar sangue à senhora. Fui com muito medo. Não de dar sangue, mas da agulha com que me iam espetar… seria descartável? Na dúvida, levei uma que tinha na maleta dos primeiros socorros. No final, era demasiado grossa e não teria servido. Mas, a agulha do hospital era descartável. A médica era cubana e tratou-me bem. No final, até me ofereceram pão com manteiga e um copo de leite, que não aceitei. Só queria sair dali. Não aguentava mais com o cheiro. Era um cheiro penetrante, gorduroso, que vinha dos canos e das paredes castanhas e amareladas de sujidade. Havia 10 anos que ninguém lavava aquelas paredes.

2 comentários:
Quando acabo de ler as tuas reportagens/experiências, apetece-me dizer-te: Conta mais...
Eu morei na rua d.Francisco António Pinto, 60, no Bairro Alvalade. O meu único irmão nasceu lá, 40 dias antes do 25 de Abril.
Não havia médicas cubanas simpáticas, mas as paredes do hospital estavam limpas.
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