Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, junho 21, 2006

Congo, ano 2000. Bondo

Ao final da tarde, Bemba voltou para o seu avião e levantou voo de regresso a Gbadolite. Só então, Neres e os miúdos da escola puderam respirar de alívio. Fiquei ali, com o Odacir Júnior. Bondo é uma pequena cidade no norte do Congo, na Província Equatorial. A localidade teve o seu auge nos anos 50, quando foi um dos principais entrepostos comerciais da região. Foi ali que se estabeleceram três principais comunidades. Os belgas eram os donos da terra, exploraram grandes fazendas de café. Os gregos e os portugueses dedicavam-se ao comércio. Os locais trabalhavam para os brancos… claro. Julgo que Bondo chegou a ter largas centenas de brancos residentes. Também foi ali que a Igreja Católica estabeleceu um grande centro missionário. Pela dimensão das instalações e pelo número de celas (quartos), acredito que Bondo deve ter tido dezenas de missionários que, a partir dali, pregavam a fé pelas aldeias vizinhas. Cinquenta anos depois, Bondo ainda revela esses sinais da antiga importância social e administrativa. Ao longo das duas ruas principais, as antigas lojas de gregos e portugueses ainda lá estão, embora já sem gregos nem portugueses e, também, sem nada que se possa comprar ou vender, excepto numa onde se compra ouro e diamantes. É, de resto, a única loja que permanece aberta, no largo do mercado. De todas as antigas lojas de portugueses, há uma que ainda exibe um velho letreiro publicitário metálico, pintado com as letras “Casa Nogueira”. A ferrugem vai acabar por dissolvê-lo, mas no ano 2000 ainda lá estava. Em frente ao mercado, a catedral. Construída nesses anos 50, feita de tijolo cozido ao sol, é uma construção imensa para os padrões locais. Quando lá estive, não tinha telhado. Mas sei que já o reconstruíram, entretanto. Preferia ter encontrado um hospital em condições, confesso. O hospital de Bondo, que também é gerido pelos missionários, estava limpo. Limpo de pó e limpo de equipamentos, de pessoal médico, de medicamentos. Apenas as paredes tinham resistido às consecutivas pilhagens proporcionadas pelos avanços e recuos dos exércitos em conflito na guerra civil. Ainda assim, era ali que havia algum apoio para a população, nomeadamente para parturientes e doentes com malária. Mete raiva pensar que as sociedades desenvolvidas desperdiçam tanto e que, ali, em locais como aquele, a única coisa que se desperdiça é boa vontade e sorrisos.

3 comentários:

Pitucha disse...

Só para dizer que venho aqui com regularidade e que acho este blogue excelente.
Parabéns.

Barão da Tróia II disse...

Desperdiçamos sobretudo, bom senso, solidariedade e oportunidade. Bom senso porque não o temos, para ajudar quem, precisa, solidariedade porque não raras a svezes ela não existe e oportunidade, porque nunca estamos onde é preciso, estando em demasia onde não fazemos falta.

Anónimo disse...

A carola não para
As noites são longas e enfumaçadas Entre arvores, hospitais de terra e junco, gemidos e risos
Os dias com muitas novidades, bicicletas, caminhos com e sem pontes
Mais fumaça, muito mais risos, milhares de lembranças
Nunca deixei ou deixarei a meio
Nunca deixaria desprotegido um camarada
O meu cantil é teu
Os ecorpiões são nossos
Tua barba ficou lá
Tambem a fumaça careta

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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