Aquela era a primeira visita de Jean Pierre Bemba à região. O Chefe nunca lá tinha ido. Foi, por isso, uma visita preparada até à exaustão. Vieram todos os chefes tribais, vieram os curandeiros e os comerciantes mais ricos. Vieram os traficantes e os cabos de guerra. Durante horas, Bemba recebeu-os, um por um. A uns deu ordens, com outros fez negócios. Só não falou com os padres brancos, vá-se lá saber porquê. Os militares juntaram o povo num descampado onde tinham construído um django para que o Chefe pudesse beneficiar de sombra e de cadeirões confortáveis. Foi dali que Bemba falou ao “seu” povo que, obedientemente, esperou horas a fio, debaixo de sol, pelas palavras do Chefe.
Bemba fez um discurso politicamente correcto. Prometeu paz, justiça e progresso. O padre Neres nunca duvidou de que era um discurso mentiroso e disse-o, logo no dia seguinte, na missa que deu em Nzebilo, uma aldeia a cerca de duas horas de bicicleta. Naquele sermão, Neres lembrou a dureza de vida imposta por aqueles chefes, lembrou que para eles o povo pouco mais era que carne para canhão, lembrou as crianças raptadas e ensinadas a matar, as mulheres que os soldados violavam, a comida que lhes roubavam, lembrou os fuzilamentos sumários, lembrou o direito à indignação…
Pareceu-me um acto heróico.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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sábado, fevereiro 04, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
4 comentários:
A narrativa de estórias destas representa um acto de pedagogia indispensável. Os europeus que nunca andaram pela "verdadeira" África, desconhecem completamente os dois lados dessa verdade: a dos tiranos e a dos verdadeiros heróis.
Oxalá não desistas. Um abraço.
Alfredo Neres é de Viseu, portanto não muito longe da fronteira. É provável que descenda de algum espanhol, não sei.
Leston, obrigado pelo incentivo.
Estes homens e mulheres estão espalhados por toda a África. A igreja católica tem desempenhado um papel útil, em África, a meu ver, em tempos ferozes. E talvez a religião pudesse dar uma ajuda naquilo que escrevia ali em cima, no outro post. Quero lá saber se vêem na Senhora de Fátima uma entidade animista, o que era bom é que ela servisse para de alguma forma unir povos. Tens tido imenso contacto com estes missionários, por todo o lado, já percebi. Gostava de saber a tua opinião sobre isto; sobre o papel que poderiam desempenhar numa espécie de pedagogia da união, se é que isso faz algum sentido.
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