O bairro era um antro de pobreza e miséria humana. Bandidos pobres e putas pobres viviam, paredes meias, com gente honesta e trabalhadora. Havia um tom comum a todos eles: o tom da pele. Eram negros, mulatos, gente de pele escura, quase todos oriundos ou descendentes de cabo-verdianos.
foto de Mário Martins
A polícia tinha medo de lá entrar. Nunca um carro patrulha se aventurou pela Pedreira dos Húngaros adentro. Só lá entravam em expedições punitivas, em grande número e armados de G-3. Pareciam cenas de guerra, as actuações policiais na Pedreira…
Por entre o emaranhado de barracas havia passagens secretas e dissimuladas. Túneis de fuga, caminhos labirínticos, paredes falsas, caves escondidas. Não era fácil apanhá-los. Também por isso, aquele rede foi lá posta, cercando o bairro e cortando os caminhos de fuga aos cercos policiais.
Na Pedreira dos Húngaros só moravam dois brancos. Dois padres holandeses que, um dia, na década de 60, tinham passado por Lisboa a caminho de uma das colónias portuguesas em África, onde pretendiam missionar. Salazar cortou-lhes o caminho, foram proibidos de embarcar. Acabaram por encontrar África aqui mesmo, entre Algés e Carnaxide. Um deles chamava-se Scheepens, do nome do outro já não me recordo…
foto de Frederico Colarejo
Foi neste cenário que fiz uma das mais entusiasmantes reportagens da minha carreira.Foi um trabalho feito a quatro mãos, juntamente com o genial Mário Lindolfo.
Estávamos em 1984…
7 comentários:
Que bonito artigo. Que bom que se veja e se fale destes bairros, sem o comum sensacionalismo e sem fotos degradantes.
Trabalhei há já alguns anos com familias e crianças residentes neste e noutros bairros semelhantes.
Lembro-me de me sentir angustiada por compreender que a miséria está aqui bem perto e que todos procuramos ignora-la. Hoje, longe destes locais procuro recordar as histórias de sucesso, os sorrisos e os momentos de festa que por ali vivi.
Este artigo só me ajudou a recordar as coisas boas.
Lembro-me bem desse bairro, de má fama.
De lá, saíam muitas mulheres-a-dias, para os prédios ricos, paredes meias com o bairro. Muitos dos jovens de cor que andaram na escola secundária, também ao lado do bairro, seguiram os seus estudos e tornaram-se homenzinhos.
Também se contava que, em dia de chegada de droga ao bairro, estoiravam foguetes a avisar os consumidores.
Havia gente boa.
A tal reportagem... muito bem, fico à espra da continuação do folhetim...
Karla, não era só na Pedreira dos Húngaros que se lançavam foguetes quando chegava droga ao bairro. Essa é uma "tradição" que acontece um pouco por todo o país. Normalmente, só são lançados um ou dois foguetes, para não despertar demasiadas atenções.
Engraçado...
Lendo aqui todas essas postagens, acabei nessa e sinto-me em terras brasileiras...
Tudo é muito semelhante...
Beijinhos
ò,ó
Eu vivi nesse Bairro muitos anos da minha vida. Posso dizer que havia coisas mas como a droga mas tambem recordo de muitas coisas boas como o espirito de comuninade que existiu. Em relacao aos foguetes nao era para avisar sobre a droga mas sim um aspecto cultural como casamentos e celebracao de santos como Santiago padroeiro da Ilha de Santiago.
Na Pedreira alem dos dois padres holandeses existiam mais brancos
Ao ler este artigo senti-me bastante triste porque ainda hoje Pedreira dos Hungaros continua a ser mal interpretada.
Eu sempre vivi ao lado da Pedreira dos Húngaros. E, como muitas pessoas julgam, eu tambem julgava e o que eu via era o que eu pensava que lá existia: miséria, violência, más condições de vida, droga, prostituição, etc. Mas ao ler vários comentários neste blog e no documento "Despedida da Pedreira dos Húngaros": (http://galerias.escritacomluz.com/frederic/reportagem), "cresci". Percebi, que não era só isso que lá se passava e que não eram so esses atributos que caracterizavam a Pedreira dos Húngaros. Existia animação, alegria, união e muitos bons momentos que todos ainda hoje se lembram.
Estou a trabalhar num projecto sobre o que foi a Pedreira dos Húngaros e gostava de angariar mais experiências de vida das pessoas que lá viveram. Adultos, crianças, idosos, as dificuldades, as alegrias ... tudo o qe puderem contar. Gostava que se sentissem à vontade para me contarem essas histórias para puder mostrar às outras pessoas que a Pedreira dos Húngaros era um "spot" de convívio e de muita alegria, independentemente das dificuldades passadas.
Obrigada pela Atenção,
Ana Rocha
mail: ana08rocha@gmail.com
Enviar um comentário