Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











segunda-feira, fevereiro 27, 2006

O Poder da Arte (1)

Nunca fui a Serralves, confesso. Talvez para me redimir desse pecado, já vi várias vezes a exposição que a Fundação montou na Assembleia da República. Para quem também nunca foi a Serralves, nem pensa vir a ter pachorra para ir ao antigo Convento dos Frades Hospitalários de São Bento, vou passar aqui a exposição, em pequenas doses periódicas, com os comentários que achar convenientes. Os meus, e os vossos comments…
Esta cabine telefónica é uma peça de José de Guimarães. A mensagem está nas calças penduradas no interior, ou melhor, está representada nas letras pintadas nas calças. Alô? Alô?... ninguém responde...

Sarajevo, 1994 - cemitérios

A primeira vítima oficial do cerco de Sarajevo foi Suada Dilberovic, uma estudante de medicina, abatida por um sniper em 5 de Abril de 1992. A última vítima foi Maja Dovik, morta nos primeiros dias de Outubro de 1995… as duas eram mulheres e civis, factos que estão para além da mera coincidência.. é que foram civis os principais alvos do cerco à cidade.
A cidade foi transformada num gigantesco cemitério. Havia campas por todo o lado. Em todos os jardins, grandes ou pequenos, havia corpos enterrados. Os campos de futebol foram transformados em cemitérios. O complexo olímpico também… Olhar para aquele mar de campas dava a ideia de que já todos teriam morrido…
Podia-se contar a história daquela guerra através das lápides mortuárias. Nomes e datas. Datas de nascimento e de morte. Morreram quase todos demasiado cedo. Tantas crianças. Tantas Majas e Suadas…
Os snipers vigiavam atentamente todos os locais de provável concentração popular. Os cemitérios eram um desses locais. Havia sempre grupos, mais ou menos numerosos, nos funerais. Disparar contra cortejos fúnebres eram comum… muitos morreram nessas circunstâncias. Era bizarro ver os serviços fúnebres serem feitos tendo em conta o provável ângulo de visão dos snipers escondidos nos telhados de alguns edifícios…
Uma manhã, no exterior do Estádio Olímpico, estávamos a filmar aquele mar de campas quando sentimos três balas “assobiar”… não se ouviram os disparos, provavelmente abafados pela distância. Não sei se o sniper falhou por inépcia se apenas nos quis assustar. Mas assustou bastante. Eu e o Vítor Caldas ficámos sentados, protegidos pelas lápides das campas, durante bastante tempo, até termos nervo para voltarmos a caminhar em campo aberto. Mais tarde, na montagem, o “assobio” das balas era bem audível…

sábado, fevereiro 25, 2006

Mauritânia, 1985 - para além da reportagem (4)

Os dias iam passando e começamos a suspeitar que havia a possibilidade de nunca mais vermos o equipamento que estava retido na alfândega do porto de Nouadhibou. E isso não poderia acontecer… não havia modo de justificar a perda desse equipamento, porque pura e simplesmente não era suposto estarmos ali. Deveríamos ter permanecido a bordo, por mais chato que isso fosse… portanto, era bom ter a certeza que, quando o barco nos viesse buscar, embarcaríamos com o equipamento que tínhamos trazido. E não era pouco: duas cameras de filmar Ècclair, uma Nagra de som, um kit de iluminação, vários microfones, tripé, dezenas de latas de película 35 m/m virgem, não sei quantos quilómetros de fita de arrasto… enfim, o “entulho” do costume, na época em que as reportagens se faziam em filme. Eram aproximadamente mil quilos de carga. Uma pilha de caixas e caixotes metálicos.
De modo que, um dia, pedimos ao Dimas que nos emprestasse o carro. Julgo que ele adivinhou o que íamos fazer, mas nem perguntou. Só nos pediu que não fizéssemos nada que piorasse a situação… Com o carro, fomos até às imediações da zona portuária. Não havia quase ninguém por ali. Quando um soldado passou, pedimos-lhe para nos ajudar. Ele entrou logo para o carro. Explicámos que estávamos com um “problema” com umas caixas que nos pertenciam e que estavam na alfândega. O homem olhou para nós… percorreu com os olhos o interior do carro, as nossas caras, abriu o guarda-luvas… e depois disse que precisava de três coisas. Duas estavam ali, à vista: uma garrafa de água mineral de litro e meio e um pacote de litro de leite. A terceira necessidade era uma nota de mil óuguiyas (a moeda local), na época o equivalente a 10 euros… Satisfeitas essas necessidades, pusemos o carro em marcha. Chegámos à cancela da alfândega e ele, que ia no lugar do pendura, à frente, disse qualquer coisa a um outro tipo. A cancela subiu. Entrámos no barracão onde estava o nosso equipamento. Pusemos tudo na mala do carro e no tejadilho, amarrado com cordas. A mala nem fechava e as molas traseiras do velho Renault 18 mal aguentavam com o peso… Voltámos à cancela que, de novo, subiu e saímos dali. Assim que virámos a esquina, o tipo disse “au revoir”. Nós fomos guardar as coisas em casa do Dimas. O soldadinho, pela certa, foi fazer uma farra…

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Os hábitos dos monges

Nunca entrei nesta coisa das correntes, mas alguma vez havia de ser a primeira…
A culpa é desta menina
Cinco rotinas diárias:
1- Às 7 e meia da manhã, dar banho aos meus filhos.
2- Ver na net a previsão meteorológica, para decidir se vou de carro ou de mota.
3- Tomar um café, assim que chego ao local de trabalho.
4- Ler todos os jornais, todos os dias. Enfim… quase todos.
5- Nunca ver a SIC.
Banalidades… sem interesse nenhum. Agora, mantendo a tradição... desafio os seguintes cinco:
1- Frederico
2- Pwo
3- O homem do planalto
4- Sónia
5- Brasuca
É a vida.

O Reptilário (2)

No DN de hoje, a crónica intitulada “Cinco Meses Depois” soa-me a requiem pela SIC…
“A estação pública voltou a ascender ao segundo lugar e, mais grave, leva já cinco décimas de avanço sobre a rival de Carnaxide. Ou seja, com mais meia dúzia de dias pela frente, é difícil adivinhar como a SIC pode impedir nova vitória da RTP, a segunda na era Penim” e, ao ler isto, vem-me à memória uma reunião da estrutura da SIC, antes do Rangel ser despedido, em que o Dr.Balsemão nos anunciou que a SIC iria deixar de competir pelo prime-time e adaptar-se a ser a segunda estação nacional. Hoje sabemos o que ele quis dizer… a adaptação foi feita à custa de centenas de despedimentos e de “lançar às urtigas” boa parte da memória da redacção, prescindindo de profissionais qualificados e sempre empenhados no sucesso do canal.
Ao ler a crónica de hoje, do DN, temo que a SIC necessite de voltar a adaptar-se

Congo, 2001 - A Expedição, os cientistas

Encontrar uma população de gorilas isolada há milénios seria como observar o passado longínquo do planeta e dos seus habitantes. Gorilas, chimpanzés, orangotangos e humanos têm, algures, um antepassado comum que ninguém sabe bem como era. Esta hipotética população de gorilas poderia ser esse antepassado comum, ao vivo e a cores. Qualquer coisa tão tentadora que conseguiu trazer um importante grupo científico, jamais reunido numa única expedição, num território em guerra civil e sem qualquer hipótese de fuga em caso de emergência…
Aqui estão os seis cientistas, um por um…
George Schaller, biólogo norte-americano, já foi estrela de televisão em documentários do National Geografic. Ele foi um dos primeiros biólogos a estudar a vida dos gorilas e a escrever livros sobre o tema. Ronda os 70 anos e, hoje, é uma das pessoas que decidem onde o Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF) gasta, anualmente, os milhões de dólares que destina para a protecção e conservação da vida selvagem.

George Schaller

Tom Butinski, biólogo norte-americano, investigador patrocinado pelo Jardim Zoológico de Nova Iorque. É considerado um dos grandes peritos mundiais em primatas e pássaros.

Tom Butinski

Esteban Sarmiento nasceu na Argentina mas tem a nacionalidade norte-americana. Trabalha no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Vive rodeado de peles, caveiras e ossos de animais selvagens. Consegue reconhecer qualquer animal a partir do osso mais insignificante ou de um mero tufo de pêlos. Boa parte do sucesso da expedição poderia passar por ele, se os vestígios encontrados fossem suficientes para definir o animal que os deixou.

Esteban Sarmiento

Jonas Eriksson era ainda um jovem estudante de mestrado no famoso Instituto Max Planck, em Leipzig, na Alemanha. Passará por ele o futuro das investigações que a expedição estava, então, apenas a iniciar. Jonas é sueco, mas cresceu no Congo e fala lingala, um dos idiomas nacionais deste país, pelo que consegue comunicar e interagir com grande facilidade com a população local.

Jonas Eriksson

Christophe Boesch é suíço e um dos principais investigadores do maior instituto de investigação científica da Alemanha, o Instituto Max Planck, onde se estuda a evolução animal. Christophe Boesch

Richard Wrangham é um biólogo inglês, especialista em comportamento de primatas, professor na célebre Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Richard Wrangham

Estes cientistas caminharam muitas centenas de quilómetros, ao longo de mês e meio. Penetraram fundo na floresta tropical do Makulungo, tal como a baptizaram os Azande. Seguiram trilhos de animais selvagens, estudaram os vestígios que deixavam: pegadas, restos de comida, fezes, locais de pernoita. Vasculharam nas lixeiras das aldeias, para verem do que se alimentavam as populações humanas. Se o gorila existisse, algum sinal haveria de deixar.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Nada presta...

Juro que não ando à procura de um bode espiatório… mas os responsáveis pela Escola EB 2/3 Ramalho Ortigão, do Porto, precisam de rever urgentemente os métodos pedagógicos e o acompanhamento que a escola presta aos alunos que a frequentam… alguma coisa de muito errado deverá existir numa escola frequentada por 12 rapazes que mataram à pancada um sem-abrigo…
A escola em questão é o elo comum aos doze... e se as famílias de uns e as instituições em que outros estão depositados também têm, com toda a certeza, graves responsabilidades na má formação destes jovens, essa escola também não presta!

Intifada, 1989

A palavra árabe intifada significa “levantamento”. Foi esse o nome escolhido pelos líderes palestinianos para a revolta popular contra a opressão israelita. Já houve duas intifadas. A primeira teve início em Dezembro de 1997, depois de um cidadão israelita ter atropelado e morto 4 palestinianos, em Gaza. Esse acidente rodoviário foi a faísca para a primeira intifada, que se caracterizou por confrontos diários, durante anos, entre jovens palestinianos e soldados israelitas. Os miúdos atiravam pedras e os soldados disparavam balas, às vezes de borracha, mas muitas vezes balas reais. Morreu muita gente, quase só palestinianos…

foto de Rogério Ferrari

Dois anos depois, a RTP enviou-me para Israel para fazer um documentário a propósito do 2ºaniversário da Intifada. Fui com o Carlos Aranha. Chegámos no início de Novembro. Nos primeiros dois dias não fizemos nada, isto é, tivemos que nos credenciar junto do Ministério da Informação, em Jerusalém. Tivemos de reunir com um tipo da Segurança do Estado, que tentou perceber se éramos simpatizantes da sua causa se da causa do inimigo e fomos obrigados a assinar um documento em que nos comprometíamos a deixar visionar todas as gravações efectuadas e em que tomávamos conhecimento da possibilidade das autoridades militares censurarem imagens e entrevistas que tivéssemos feito. Dissemos que sim a tudo, para evitar problemas antes do trabalho começar. Mas se a reportagem corresse como previsto, então… iria ser necessário esconder muita coisa…

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Sarajevo, 1994 - água gaseificada

O Hollyday Inn de Sarajevo, naquelas anos de brasa, era o melhor hotel do Mundo. Quanto mais não fosse, porque não havia outro…
Por mais avisados que estivéssemos, o que fomos encontrar não podia deixar de nos surpreender… Eu e o Vítor Caldas ocupamos o último quarto vago, como já contei num texto anterior. Era no 12ºandar, tínhamos uma vista panorâmica da cidade… pena que o plástico que estava a substituir o vidro da janela fosse um pouco opaco. A janela do nosso quarto tinha sido “alargada” pela entrada de um obus, de modo que os serviços de manutenção do hotel tinham reconstruído a parede, com tijolo e cimento, e tinham feito um caixilho de madeira para a janela onde pregaram um enorme plástico grosso. Ao menos, o vento não entrava. Ficámos ali até meados de Setembro, a temperatura do ar foi sempre amena.
O drama de estarmos no 12ºandar eram os esquecimentos. Saíamos de manhã para trabalhar, descíamos aquela escadaria toda e, tantas vezes!, chegados lá abaixo lembrávamo-nos de uma bateria ou do maço de tabaco, ou do microfone… devo dizer-vos que foi um excelente exercício, deu para perder uns bons quilos e fortalecer as pernas. Saí de Sarajevo em forma!
A falta de água era outro problema… as torneiras da casa-de-banho do quarto nem pingavam… não havia modo de tomarmos banho. Combinei com o Vítor Caldas que nenhum de nós cagava na casa-de-banho. E assim foi… quando a necessidade apertava, descíamos doze andares para irmos à casa-de-banho do hall… que tinha merda até ao tecto! Era horrível… Tomávamos banho de copo ou o chamado “banho checo”, no bidé… mas, quando em Itália fui às compras e comprei água mineral, inadvertidamente só comprei água gaseificada. Ah!, aquela sensação de lavar o rabo com água gaseificada…

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Mauritânia, 1985 - o senhor Dimas

As voltas da vida, os divórcios, as mudanças de casa, o vento que entra pelas janelas… tudo contribui para irmos perdendo objectos, anotações, fotografias, os ícones da memória. As minhas fotos da Mauritânia ficaram por aí. Essas e muitas outras. Para encontrar uma foto do Dimas, tive de rastrear o homem, chatear a família dele… é que o tipo continua a viver em Nouadhibou. As fotos que consegui não são famosas, mas o que me interessa aqui é prestar-lhe uma homenagem pela coragem e desapego que evidenciou quando nos ajudou, naqueles dias.
Dimas dos Santos não foi só o salvador que nos tirou da cadeia. Foi, também, um amigo. Aos fins-de-semana lá íamos de passeio… ver as maravilhas locais.
O mercado de peixe, as praias, o comboio que vinha das minas de minério do deserto e que era, ainda é, o maior comboio do Mundo, com milhares de vagões puxados por centenas de locomotivas. Diziam os mauritanos que o comboio demorava dois dias a passar… Mas o que mais me impressionou na Mauritânia foi a percepção do relacionamento social entre as diferentes classes e categorias de pessoas.
Os árabes, surpreendentemente brancos e, alguns, até de olhos claros, eram os donos da terra e das pessoas. Donos, no sentido largo da palavra. Vi, diversas vezes, soldados ou polícias negros ajoelharem-se, em plena via pública, e beijarem a ponta das vestes de um árabe. Achei aquilo um hábito estranho, mas depois explicaram-me que a escravatura tinha sido abolida, oficialmente, em 1980… apenas 5 anos antes(!). O que significava que, na prática, tudo continuava na mesma. Mesmo percebida a questão, nunca deixei de me interrogar porque motivo um tipo armado aceitaria ter de beijar a fralda de um outro gajo e submeter-se à sua vontade de modo indiscriminado.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Kosovo

A independência do Kosovo começa hoje a ser discutida, em Viena de Áustria. Não encolham os ombros… a Europa já teve duas guerras por causa da partilha dos Balcãs e pode muito bem ter outra.
Neste momento, o estatuto do Kosovo é de protectorado internacional. Isto desde que a NATO invadiu o território para, alegadamente, evitar o genocídio perpetrado pelo exército da Sérvia. É assim, desde Junho de 1999.
Na Sérvia há dirigentes políticos convencidos a abdicar do território, a troco de muito dinheiro para apoiar o desenvolvimento da Sérvia. Mas outros recusam-no liminarmente. A verdade é que os kosovars já destruíram quase todos os símbolos da antiga soberania sérvia. As igrejas ortodoxas foram derrubadas a dinamite, as aldeias sérvias foram queimadas, muitos habitantes sérvios foram assassinados. Os que teimaram em lá ficar vivem em enclaves, em ghettos, guardados à vista pela tropa da NATO. Em certa medida, a limpeza etnica foi feita, mas foram os muçulmanos quem a fizeram...

foto de Carlos Narciso

Historicamente, o Kosovo é o berço da nacionalidade sérvia… ao longo dos séculos, muitos sérvios, milhões deles, deram a vida por essa causa. Os Balcãs sempre foram campo de batalha… aquilo é uma espécie de fronteira entre o Oriente e o Ocidente. Entre o islamismo e o cristianismo.
Parece-me que boa parte da comunidade internacional está disposta a deixar o Kosovo ser livre. Será mais um estado islâmico dentro da Europa. Os americanos já lá têm a base de Camp Bondsteel… onde, segundo consta, funcionará uma das prisões secretas que servem a estratégia dos EUA no combate ao terrorismo.
Seja como for, o Kosovo pode ser uma porta para o Ocidente influenciar a outra parte do Mundo. Mas, por onde se sai, também se entra…

Pedreira dos Húngaros (1)

A Pedreira dos Húngaros era o maior bairro da lata de Lisboa. Chegou a ter 30 mil barracas. Ficava situado onde hoje é Miraflores. Quando a urbanização nasceu, a Pedreira dos Húngaros foi cercada por uma rede, de modo a conter eventuais ímpetos expansionistas dos habitantes do aglomerado de barracas.
O bairro era um antro de pobreza e miséria humana. Bandidos pobres e putas pobres viviam, paredes meias, com gente honesta e trabalhadora. Havia um tom comum a todos eles: o tom da pele. Eram negros, mulatos, gente de pele escura, quase todos oriundos ou descendentes de cabo-verdianos.

foto de Mário Martins

A polícia tinha medo de lá entrar. Nunca um carro patrulha se aventurou pela Pedreira dos Húngaros adentro. Só lá entravam em expedições punitivas, em grande número e armados de G-3. Pareciam cenas de guerra, as actuações policiais na Pedreira…
Por entre o emaranhado de barracas havia passagens secretas e dissimuladas. Túneis de fuga, caminhos labirínticos, paredes falsas, caves escondidas. Não era fácil apanhá-los. Também por isso, aquele rede foi lá posta, cercando o bairro e cortando os caminhos de fuga aos cercos policiais.
Na Pedreira dos Húngaros só moravam dois brancos. Dois padres holandeses que, um dia, na década de 60, tinham passado por Lisboa a caminho de uma das colónias portuguesas em África, onde pretendiam missionar. Salazar cortou-lhes o caminho, foram proibidos de embarcar. Acabaram por encontrar África aqui mesmo, entre Algés e Carnaxide. Um deles chamava-se Scheepens, do nome do outro já não me recordo…

foto de Frederico Colarejo

Foi neste cenário que fiz uma das mais entusiasmantes reportagens da minha carreira.
Foi um trabalho feito a quatro mãos, juntamente com o genial Mário Lindolfo.
Estávamos em 1984…

domingo, fevereiro 19, 2006

Congo, 2001 - A Expedição, descobrir o passado

O primeiro homem branco a ver um gorila foi o português Eduardo Lopes que, em 1590, explorou o interior do Congo. Eduardo Lopes foi um “lançado”, assim se chamavam os aventureiros que, ao serviço do rei de Portugal, se embrenhavam por África adentro. Eram missões arriscadíssimas, como se pode imaginar, e que duravam anos. Muitos nunca regressaram. Mas os que conseguiram voltar, trouxeram histórias fantásticas sobre esse novo continente que os homens brancos estavam então a descobrir. O relato de Eduardo Lopes sobre os gorilas que ele viu, é apenas um exemplo desses relatórios fabulosos. Pena que pouco se saiba sobre esses pioneiros… Imagino eu que os gorilas que Eduardo Lopes viu eram os gorilas da região do Maiombe, a floresta tropical de Cabinda. Ainda hoje existe por ali uma população de gorilas extremamente ameaçada pela caça dos humanos. Por causa da guerra em Cabinda, há muitas dezenas de anos que não se faz qualquer observação sobre o estado desses gorilas. A última vez que ouvi falar sobre eles foi em 2002, quando alguém levou de Cabinda para Luanda um gorila bebé, cuja mãe tinha sido morta por um caçador. Esse bebé acabou por morrer, também, ao fim de umas semanas, numa jaula no Clube Hípico, um restaurante de Benfica, nos arredores de Luanda…
Mal comparada, a expedição científica que tenho estado a relatar, tinha alguns paralelismos com a epopeia dos “lançados”… também aqueles cientistas iam observar pela primeira vez, na história da ciência moderna, um determinado território.
Como já referi antes, a primeira vez que se falou da existência de gorilas, nesta parte central de África, foi em 1898, quando uma expedição colonial, chefiada pelo oficial da coroa belga Le Marinel, trouxe três crânios de gorilas recolhidos algures perto de Bili. Dois desses crânios pertenciam a animais que tinham sido caçados e cozinhados por indígenas, o terceiro foi encontrado vivo e morto a tiro por um dos soldados da expedição. Os crânios foram recolhidos no Museu da África Central em Tervuren, perto de Bruxelas, onde ainda estão. Foram classificados como uma nova subespécie de gorilas: o Gorila Uelensis, por referência ao Rio Uéle que passa perto de Bili. Mas nunca se investigou a existência destes animais, malgrado alguns relatos mais ou menos credíveis, tanto de europeus como de habitantes locais, sobre a existência de grandes macacos a viver naquelas florestas. Grandes macacos a quem os nativos chamam “babi”, para os diferenciar dos chimpanzés normais a quem eles chamam “mokumbusso”.
O Museu da África Central é um legado do Rei Leopoldo II da Bélgica.
É um museu com um vasto espólio científico e é aí que reside a sua importância. O Rei Leopoldo deve ter fundado esta instituição para expiar parte dos crimes que cometeu na implementação da sua política colonial. A repressão belga no Congo foi terrível, embora isso seja um facto que os belgas tentam esquecer… eles que foram para civilizar os nativos, acabaram por introduzir o trabalho escravo em massa e uma tristemente famosa punição para os que se revoltavam: a mutilação de mãos e pés. Este castigo desumano foi aplicado a milhares de negros escravizados, segundo relatos independentes da época. Outro costume dos brancos era, quando subiam os rios, ao passar por aldeias divertiam-se a fazer tiro ao alvo nos habitantes que estavam nas margens.
Estes costumes bárbaros dos belgas inspiraram, de resto, o escritor Joseph Conrad que denunciou estes actos no livro “O Coração das Trevas”, editado em 1899.
O Rei Leopoldo II foi, assim, um dos primeiros chefes europeus a fazer parte do rol dos genocidas modernos. Foi sob o seu reinado que os civilizadores homens brancos se revelaram notoriamente selvagens.

sábado, fevereiro 18, 2006

Notícias Lusófonas

Dei uma entrevista ao Notícias Lusófonas. Quem tiver curiosidade...

está aqui: http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=13296&catogory=Manchete

Congo, 2000 - a obra de Deus

O telégrafo foi estreado oficialmente em 24 de Maio de 1844, nos Estados Unidos. O primeiro telegrama foi enviado, nesse dia, de Baltimore para Washington. A mensagem tinha um título: What Hath God Wrought… expressão que talvez possa ser traduzida por “o que deus fez”. A invenção de Samuel Morse e Alfred Veil parecia mesmo, naquela época, ser obra divina. Hoje, há muito que caiu em desuso. Já não há, em lado algum do Mundo, estação de correio que ainda tenha serviço de telegramas. Toda esta conversa, porque me lembrei de uma noite, em Bondo, na missão dos Combonianos
Naquela semana decorria uma reunião de gente ligada ao trabalho missionário na Província Equatoriale, no norte do Congo. Os Combonianos reuniram em Bondo, mais de 30 pessoas. Muitos levaram uma semana a pé para estarem ali.
Comíamos todos juntos, as três refeições do dia. O jantar era cedo, porque era necessário poupar o gasóleo do gerador. É que a estação de serviço mais próxima ficava a 750 quilómetros de distância… mas, de vez em quando, lá se ligava o gerador. Nessas ocasiões o Odacir Júnior (o camera-man que trabalhava comigo nessa viagem) aproveitava para carregar as baterias da Betacam e eu aproveitava para ligar o telefone satélite. Foi o que aconteceu nessa noite… depois de ter falado para casa, em Lisboa, um dos acólitos dos Combonianos que tinha estado a observar-me perguntou o que era “aquilo”. Respondi-lhe que era um telefone e expliquei-lhe como funcionava. Ele perguntou-me com quem tinha estado a falar. Respondi-lhe que com a minha mulher, em Lisboa. Ficou a olhar… e depois de uma curta meditação disse uma coisa extraordinária: “vocês, brancos, estão perto da divindade”.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Sarajevo, 1994 - o colete

Chama-se Bascarsija e é o Bairro Alto de Sarajevo. Ruas estreitas, casas muito antigas, bares, restaurantes, tipicismo. Mesmo durante a guerra, Bascarsija mantinha alguma animação. Os bares permaneciam abertos, mesmo se já não tinham nada para vender, excepto café turco e rakia, a aguardente local. Mas, essencialmente, havia música e havia gente. Os habitantes de Sarajevo continuavam a ir ali, quanto mais não fosse para verificar quem continuava vivo. Claro que fomos lá diversas vezes, enquanto permanecemos na cidade. Era bom olhar para as miúdas. Mas era bom, também, caminhar por aquelas ruas cheias de história. Não era difícil abstrairmo-nos da guerra e sentir a alma daquele local especial.
No bairro existem várias mesquitas, mas também igrejas católicas e sinagogas. Há mesmo ruas onde os diferentes locais de culto são vizinhos próximos. A maior mesquita chama-se Gazi Hucerb Begs. Era um edifício imponente, bastante marcado pela guerra. No interior, a sala de orações estava escorada com andaimes de ferro, para evitar que a cúpula desabasse.
Os sérvios bombardeavam o bairro frequentemente e um dos alvos preferenciais era aquela mesquita, claro. Quando fomos para Sarajevo, levamos coletes à prova de bala da GNR. Eram umas “armaduras medievais”, pesadíssimas, que não davam jeito nenhum. Nem para trabalhar, nem para os copos… nunca os vestimos, embora andassem sempre no carro. Uma noite, um jornalista espanhol, vizinho de quarto no Hollyday Inn, pediu-me o colete emprestado. Estava com um mau pressentimento… emprestei. Nunca mais o vi. O tipo foi assaltado numa ruela de Bascarsija. O assaltante queria, precisamente, o colete e só o colete. O espanhol ainda tentou oferecer-lhe dinheiro em troca, mas o outro disse-lhe que precisava mais do colete que de dinheiro. Realmente…

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Congo, 2001 - A Expedição, o ritual

Da aldeia de Bili até ao acampamento, eram uns longos 50 quilómetros. Mais de 4 horas aos saltos em cima do velho Land-Rover, isto se tudo corresse bem, o que nem sempre era o caso. Houve um dia que se partiu o semi-eixo da carripana. Estávamos a meio caminho, entre a aldeia e o acampamento. Foi preciso alguém voltar a Bili, a casa de Niko, o grego, onde havia um outro semi-eixo utilizável. Dessa vez, os 50 quilómetros levaram um dia inteiro a percorrer. Quando nos instalámos no acampamento, recebemos a visita do chefe tribal e do curandeiro. Os dois andaram mais de 20 quilómetros para nos cumprimentar. Mas, também, para benzer o terreno, afastar os maus espíritos e lançar o “wene ngua”, a boa magia, para que os esforços dos homens brancos fossem bem sucedidos. Um ritual que seguimos com todo o respeito, até porque mesmo não acreditando, nunca se sabe… O chefe, Selassié, deu início à cerimónia, utilizou um ramo de uma determinada árvore, um balde com água e uma oração. Aspergiu o chão do acampamento, as tendas, as nossas coisas, com aquela água. Depois, foi o curandeiro, Boro Ngua, que utilizou uma vela e umas rezas. Bateu palmas e assobiou. Foi um ritual curioso… enfim, quanto mais não fosse porque foi estranho ver cientistas meio encabulados, alguns até impressionados, com aquele ritual espírita. Paradoxal. Embora tivesse decorrido no sítio certo. Nós é que éramos corpos estranhos.
Depois do ritual, fomos convidados para assistir e participar na festa que ia acontecer na aldeia, em nossa honra. Como não se consegue dizer não a um convite destes, lá fomos no domingo assistir às danças tradicionais, aos batuques, às exibições dos adivinhos e a uma missa mais cantada do que rezada, como manda o rito zairense da igreja católica-apostólica-romana. A festa decorreu em Badai, uma aldeia que não vem no mapa. Está situada na antiga estrada colonial belga que ligava Kisangani, no leste do Congo, à cidade de Zémio, na República Centro Africana. A estrada já quase não existe e as condições de vida da população regrediram tanto que devem ser, hoje, comparáveis às condições de vida de há 100 anos. Lembro-me de ter imaginado o que pensaria hoje o explorador belga Le Marinel, que em 1890 andou por aquelas paragens e cuja expedição recolheu os primeiros crânios de um gorila que, hoje, não se encaixa em nenhuma classificação científica. O tal gorila, cuja existência estávamos nós a tentar comprovar…

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Rusga na redacção

Há cerca de um mês, o jornal 24 Horas publicou a notícia, genericamente conhecida por “envelope 9”, em que se denunciava o facto dos investigadores judiciais terem recolhido registos de chamadas telefónicas de várias figuras do Estado, e de outros cidadãos, a pretexto de estarem a investigar os contactos do ex-deputado Paulo Pedroso, na altura suspeito de envolvimento no caso de pedofilia da Casa Pia. Quando a notícia saiu, o Procurador Geral da república afirmou, primeiro, que a notícia era falsa. Depois, disse que era incorrecta, que apenas teria sido recolhida informação detalhada relativa aos telefonemas de Paulo Pedroso e de mais ninguém. Mais tarde, o Procurador Geral da República reconheceu estar enganado e que, realmente, havia informações detalhadas dos telefonemas de muitas outras pessoas…
Portanto, a notícia do 24 Horas era verdadeira.
Quando a bronca rebentou, o Procurador Geral da República prometeu um inquérito com carácter de urgência para apurar como tinham ido parar ao processo os registos telefónicos de pessoas completamente desligadas do caso policial alvo das investigações, mas até agora…
Parece, agora, que os investigadores judiciais escolheram o caminho mais fácil: vasculhar nos papéis dos jornalistas, a ver se encontram o link que lhes falta. É um estranho modo de investigar. E é um precedente perigoso. O caderno de notas de um jornalista é como o diário de um confessor. Não devia ser violado, por questões desta natureza. A polícia que aprenda a fazer o seu trabalho.

Cartoons

Dei com este sítio, onde se publicita um concurso de cartoons políticos sob o lema "Palestinians are homeless". O concurso decorreu no Irão, em 2004. Não interessa quem venceu, os desenhos são, realmente, todos bons. Interessa a mensagem e o significado político que têm. Vejam alguns dos "bonecos"...
O desenho do soldado israelita que, com o seu brinquedo, destrói as casinhas da menina palestiniana é do cubano Enrique Lacoste Prince.


A intifada com peluches... de Cristobal Reinoso, da Argentina.

Ariel Sharon prepara-se para comer a pomba da paz... de Wu Jian Jun, da China.

Há mais uns quantos, mas quem quiser poderá visitar o site do festival. O que interessa falar é da extraordinária eficácia do cartoon político, mordaz e satírico. Um cartoon bem esgalhado, vale mais que mil discursos.


Como é o caso desta "Estátua da Liberdade", desenhada por Ares, de Cuba. Uma verdadeira sinfonia de protesto.

Congo, 2001 - A Expedição, o chimpanzé

O povo Azande sempre comeu macacos. Um hábito que, dizem alguns cientistas, pode até ter estado na origem do processo de passagem do vírus HIV dos símios para os humanos. Os símios têm o vírus mas convivem com ele. O HIV não os mata. Mas pode ter acontecido que por contacto com o sangue de algum animal caçado, ou pela ingestão da carne, o HIV dos símios tenha encontrado maneira de viver no organismo humano. De algum modo o vírus passou dos macacos para o homem. Nestas regiões subdesenvolvidas, é muito próxima a convivência entre os humanos e esses animais. Os macacos adultos são comidos, as crias servem de brinquedo para as crianças até irem, também, parar à panela.
Mas a maioria das crias morre cedo. Em Bili, na casa do comandante militar local do MLC, encontrámos dois bebés chimpanzé órfãos de caça. As duas crias estavam em muito mau estado de saúde. Morreriam rapidamente se não fossem socorridas. Decidimos tentar salvar a mais debilitada, uma pequena fêmea, na esperança de que o outro bebé tivesse forças para recuperar a saúde. O pequeno chimpanzé foi resgatado e ficou connosco durante todo o tempo que permanecemos na região. Alguém a baptizou Georgina… e assim ficou. Quando abandonámos Bili e fomos para o acampamento na floresta, Georgina foi connosco. Nunca a prendemos e nunca fugiu. Passava o dia a subir e a descer árvores, comia frutos silvestres e dormia como um bebé. Via-se que confiava em nós, que sabia que não lhe iríamos fazer mal. Por imitação, ganhou hábitos humanos. Ao entardecer, pegava na sua manta que estava sempre pendurada numa corda e encaminhava-se para a tenda de Karl Ammann, onde se habituou a dormir. Foi assim, durante aquele mês e meio em que estivemos no mato. Depois, havia que decidir o que fazer com ela. Devolvê-la ao antigo dono, nem pensar. Agora que estava gordinha, daria um churrasco soberbo… deixá-la em liberdade era o mesmo que matá-la logo ali. Além de ser ainda um bebé, não sabia nada dos perigos da floresta. Na primeira noite seria comida por algum leopardo, leão ou hiena, predadores comuns e que constantemente rondavam o acampamento durante a noite. Ninguém a queria como animal de estimaçãoA solução foi dada por Karl Ammann que, através do telefone-satélite, entrou em contacto com organizações de protecção da vida animal e conseguiu um lugar para a Georgina num santuário dedicado aos grandes símios, numa ilha do Lago Vitória, no Uganda. Ali ela ficaria em liberdade e protegida de predadores, humanos inclusive. É lá onde vive, hoje, numa ilha chamada Ngamba.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Congo, 2001 - A Expedição, o grego

Toda a região norte da República Democrática do Congo está isolada do resto do Mundo, há já muito tempo. Nos últimos 10 anos, as sucessivas guerras civis cavaram ainda mais esse isolamento. Estrangeiros, por aqui, só mesmo os missionários ou aqueles que se esqueceram de partir, como é o caso do cidadão grego Nikolaos Fotopoulos, que vive agarrado a memórias de outros tempos…
Nikolaos Fotopoulos chegou ao Congo em 1971, tinha então apenas 26 anos. Adaptou-se tão bem que nunca chegou sequer a aprender francês, a língua colonial. Nikolaos fala o dialecto kizande, a língua do povo da terra. Da Grécia mata saudades através da telefonia, gosta de música pimba que lhe chega na onda-curta mas, apesar da nostalgia, não quer regressar. É a vergonha de ser pobre, de não ter sequer dinheiro para tentar a viagem. O grego Nikolaos vive numa casa que foi do português Figueiredo. Quando o português resolveu partir, cansado da independência, Nikolaos pediu ao governo que lhe concedesse a casa abandonada. E foi assim que ficou com uma oficina de reparação automóvel e com maquinaria para torrar café e descascar arroz. Mas nada funciona. A oficina não trabalha porque a guerra matou todos os automóveis. Em toda a região, quase tão grande como Portugal, existem apenas dez ou doze carros que ainda funcionam. Nikolaos tem um desses veículos, um camião, que já serviu para carregar café até Isiro ou Kisangani, cidades a mil quilómetros de distância.

Cão come baleia

Apesar da proibição internacional, o Japão continua a caçar baleias, sob o pretexto da “investigação científica”. A verdade é que matam tantas baleias que, soube-se agora, há fábricas de ração para cão que estão a utilizar a carne dessas baleias… A acusação foi feita pela Whale and Dolphin Conservation Society que, num relatório, informa que o Japão duplicou as capturas de baleias nos últimos anos.
Para quem não seja japonês, não deve ser difícil de concordar que é chocante, matar um animal tão extraordinário como a baleia para fabricar comida para cão.
A carne de baleia é prato tradicional da culinária japonesa. É um produto muito apreciado e procurado nos mercados. Essa é a verdadeira razão do Japão continuar a caçar o maior mamífero existente à face da Terra. Só que a matança tem sido tanta que o consumo humano já não esgota os stocks… Esta prática predadora dos japoneses vem de longe. Quando andei pela Mauritânia, lembro-me de ter visto no banco de Arguin, um dos maiores pesqueiros mauritanos, dezenas de navios-fábrica japoneses (e alguns soviéticos, também) que devastavam os fundos do mar, sem qualquer tipo de controlo das autoridades nacionais.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Congo, a paz

No Congo, a população luta pela sobrevivência, na maior crise humanitária desde a II Guerra Mundial. Isto mesmo vem escrito num relatório das Nações Unidas, citado pela Reuters, onde se anuncia um programa de auxílio, apoiado pela União Europeia, de cerca de 700.000.000 €… por extenso: setecentos milhões de euros.
Tanto dinheiro para tentar evitar que 1.200 pessoas continuem a morrer, diariamente, por falta de comida ou assistência médica, consequência de uma guerra que devastou o país entre 1997 e 2003. O maior problema vai ser juntar o dinheiro. É que o diagnóstico foi feito e a prescrição foi passada, mas faltam dadores. E este tem sido, sistematicamente, o circulo vicioso da ajuda humanitária em África. De boas intenções estão os cemitérios africanos cheios. Quando não falham os projectos humanitários, são os dirigentes africanos corruptos a desviarem o auxílio que devia chegar ao povo. Enfim, alguns têm enriquecido à conta da miséria de muitos.
Até agora, tem sido notório que a vida de um africano vale bastante menos que a vida de um cidadão bósnio ou de um habitante de Aceh, por exemplo. Se não acreditam, digo-vos que, em 2005, a situação vivida na República Democrática do Congo teve direito a escassos minutos de tempo de antena em qualquer televisão de qualquer país ocidental. Quanto ao tsunami, todos sabemos a atenção que mereceu o acontecimento.
A guerra congolesa matou 4 milhões de pessoas, destruiu a rede hospitalar, destruiu a rede escolar, destruiu as vias de comunicação do país. A guerra, criou hábitos endémicos de violência, numa sociedade que aprendeu que só o forte sobrevive. Tantos problemas, num país do tamanho da Europa Ocidental. E não se pense que não tivemos responsabilidade nessa guerra, porque tivemos. Algumas das motivações dos beligerantes estão relacionadas com a extracção e comercialização de matérias que o Ocidente consome: diamantes, ouro, cobalto, urânio, madeiras exóticas…

Somália, acordo de paz

Os canais noticiosos trazem a boa nova de um acordo de paz assinado entre senhores da guerra somalis. A ser verdade… será o céu, para aquele povo desgraçado.
Segundo as agências noticiosas, os três principais líderes da Somália afirmaram hoje que chegaram a vários acordos para fazer regressar a vida institucional ao país e prometeram acabar com as disputas internas. Abdulahi Yusuf Ahmed (nomeado Presidente da República da Somália, em 2004) mais o seu aliado Ali Mohamed Ghedi (com as funções de Primeiro-Ministro) e o principal adversário de ambos Sharif Hassa, terão assinado um acordo de modo a implementar a normalidade institucional na Somália. Desde 1991 que não há governo no país. Após a queda de Mohamed Siad Barre, os vários clãs dedicaram-se a uma guerra fratricida que já destruiu tudo. Nem mesmo uma intervenção militar mandatada pelas Nações Unidas conseguiu apaziguar o país. Os americanos e outros países aliados acabaram por retirar da Somália, deixando toda a população à mercê dos sanguinários senhores da guerra e dos seus exércitos particulares.

Congo, 2001 - A Expedição, em Bili

A chegada do avião é um acontecimento muito raro, pelo que merece toda a atenção dos habitantes. Só assim se compreende que a população deixe a sombra das palhotas para se expor ao calor implacável. Noutros tempos, Bili foi um dos entrepostos comerciais do Alto Zaire. Toda esta região foi bastante povoada por europeus, principalmente portugueses, belgas e gregos que formavam uma comunidade de comerciantes que por ali permaneceu até à independência do Zaire, em 1960. Mas, depois, as condições de vida dos brancos só pioraram, até que foram quase todos embora… Não é fácil chegar a esta aldeia, no extremo Norte do Congo. As ligações por terra são tão difíceis que a verdade é que não existem. As estradas, todas de terra batida, nunca mais tiveram manutenção desde que a Bélgica deu a independência ao Zaire. Quase 50 anos depois, a floresta tomou conta do corredor por onde os carros passavam. Restam caminhos pedonais ou, quanto muito, para quem se desloque de bicicleta. E é preciso que não chova, porque na época das chuvas tudo se confunde com rios e ribeiros. No tempo em que os brancos lá viviam, no mercado de Bili vendia-se café às toneladas e compravam-se bois vivos. Hoje, depois de anos e anos de guerra civil e depressão económica, as trocas comerciais resumem-se a uns grãos de feijão ou milho e a moeda mais corrente é o sal. O mercado mais importante da região só funciona ao domingo. Sem estradas, há cada vez menos pessoas a deslocarem-se ao mercado, até porque há cada vez menos coisas para comprar.
E pensar que é precisamente no Norte do Congo, que o chão é mais rico em diamantes e a floresta mais rica em madeiras preciosas.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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