Hakuna mkate kwa freaks.
segunda-feira, fevereiro 27, 2006
O Poder da Arte (1)
Esta cabine telefónica é uma peça de José de Guimarães. A mensagem está nas calças penduradas no interior, ou melhor, está representada nas letras pintadas nas calças. Alô? Alô?... ninguém responde...
Sarajevo, 1994 - cemitérios
A cidade foi transformada num gigantesco cemitério. Havia campas por todo o lado. Em todos os jardins, grandes ou pequenos, havia corpos enterrados. Os campos de futebol foram transformados em cemitérios. O complexo olímpico também… Olhar para aquele mar de campas dava a ideia de que já todos teriam morrido…
Podia-se contar a história daquela guerra através das lápides mortuárias. Nomes e datas. Datas de nascimento e de morte. Morreram quase todos demasiado cedo. Tantas crianças. Tantas Majas e Suadas…
Os snipers vigiavam atentamente todos os locais de provável concentração popular. Os cemitérios eram um desses locais. Havia sempre grupos, mais ou menos numerosos, nos funerais. Disparar contra cortejos fúnebres eram comum… muitos morreram nessas circunstâncias. Era bizarro ver os serviços fúnebres serem feitos tendo em conta o provável ângulo de visão dos snipers escondidos nos telhados de alguns edifícios…
Uma manhã, no exterior do Estádio Olímpico, estávamos a filmar aquele mar de campas quando sentimos três balas “assobiar”… não se ouviram os disparos, provavelmente abafados pela distância. Não sei se o sniper falhou por inépcia se apenas nos quis assustar. Mas assustou bastante. Eu e o Vítor Caldas ficámos sentados, protegidos pelas lápides das campas, durante bastante tempo, até termos nervo para voltarmos a caminhar em campo aberto. Mais tarde, na montagem, o “assobio” das balas era bem audível…
sábado, fevereiro 25, 2006
Mauritânia, 1985 - para além da reportagem (4)
De modo que, um dia, pedimos ao Dimas que nos emprestasse o carro. Julgo que ele adivinhou o que íamos fazer, mas nem perguntou. Só nos pediu que não fizéssemos nada que piorasse a situação… Com o carro, fomos até às imediações da zona portuária. Não havia quase ninguém por ali. Quando um soldado passou, pedimos-lhe para nos ajudar. Ele entrou logo para o carro. Explicámos que estávamos com um “problema” com umas caixas que nos pertenciam e que estavam na alfândega. O homem olhou para nós… percorreu com os olhos o interior do carro, as nossas caras, abriu o guarda-luvas… e depois disse que precisava de três coisas. Duas estavam ali, à vista: uma garrafa de água mineral de litro e meio e um pacote de litro de leite. A terceira necessidade era uma nota de mil óuguiyas (a moeda local), na época o equivalente a 10 euros… Satisfeitas essas necessidades, pusemos o carro em marcha. Chegámos à cancela da alfândega e ele, que ia no lugar do pendura, à frente, disse qualquer coisa a um outro tipo. A cancela subiu. Entrámos no barracão onde estava o nosso equipamento. Pusemos tudo na mala do carro e no tejadilho, amarrado com cordas. A mala nem fechava e as molas traseiras do velho Renault 18 mal aguentavam com o peso… Voltámos à cancela que, de novo, subiu e saímos dali. Assim que virámos a esquina, o tipo disse “au revoir”. Nós fomos guardar as coisas em casa do Dimas. O soldadinho, pela certa, foi fazer uma farra…
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
Os hábitos dos monges
A culpa é desta menina…
Cinco rotinas diárias:
1- Às 7 e meia da manhã, dar banho aos meus filhos.
2- Ver na net a previsão meteorológica, para decidir se vou de carro ou de mota.
3- Tomar um café, assim que chego ao local de trabalho.
4- Ler todos os jornais, todos os dias. Enfim… quase todos.
5- Nunca ver a SIC.
Banalidades… sem interesse nenhum. Agora, mantendo a tradição... desafio os seguintes cinco:
1- Frederico
2- Pwo
3- O homem do planalto
4- Sónia
5- Brasuca
É a vida.
O Reptilário (2)
“A estação pública voltou a ascender ao segundo lugar e, mais grave, leva já cinco décimas de avanço sobre a rival de Carnaxide. Ou seja, com mais meia dúzia de dias pela frente, é difícil adivinhar como a SIC pode impedir nova vitória da RTP, a segunda na era Penim” e, ao ler isto, vem-me à memória uma reunião da estrutura da SIC, antes do Rangel ser despedido, em que o Dr.Balsemão nos anunciou que a SIC iria deixar de competir pelo prime-time e adaptar-se a ser a segunda estação nacional. Hoje sabemos o que ele quis dizer… a adaptação foi feita à custa de centenas de despedimentos e de “lançar às urtigas” boa parte da memória da redacção, prescindindo de profissionais qualificados e sempre empenhados no sucesso do canal.
Ao ler a crónica de hoje, do DN, temo que a SIC necessite de voltar a adaptar-se…
Congo, 2001 - A Expedição, os cientistas
George Schaller, biólogo norte-americano, já foi estrela de televisão em documentários do National Geografic. Ele foi um dos primeiros biólogos a estudar a vida dos gorilas e a escrever livros sobre o tema. Ronda os 70 anos e, hoje, é uma das pessoas que decidem onde o Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF) gasta, anualmente, os milhões de dólares que destina para a protecção e conservação da vida selvagem.
George Schaller
Tom Butinski, biólogo norte-americano, investigador patrocinado pelo Jardim Zoológico de Nova Iorque. É considerado um dos grandes peritos mundiais em primatas e pássaros.Tom Butinski
Esteban Sarmiento nasceu na Argentina mas tem a nacionalidade norte-americana. Trabalha no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Vive rodeado de peles, caveiras e ossos de animais selvagens. Consegue reconhecer qualquer animal a partir do osso mais insignificante ou de um mero tufo de pêlos. Boa parte do sucesso da expedição poderia passar por ele, se os vestígios encontrados fossem suficientes para definir o animal que os deixou.
Esteban Sarmiento
Jonas Eriksson era ainda um jovem estudante de mestrado no famoso Instituto Max Planck, em Leipzig, na Alemanha. Passará por ele o futuro das investigações que a expedição estava, então, apenas a iniciar. Jonas é sueco, mas cresceu no Congo e fala lingala, um dos idiomas nacionais deste país, pelo que consegue comunicar e interagir com grande facilidade com a população local.
Jonas Eriksson
Christophe Boesch é suíço e um dos principais investigadores do maior instituto de investigação científica da Alemanha, o Instituto Max Planck, onde se estuda a evolução animal. Christophe Boesch
Richard Wrangham é um biólogo inglês, especialista em comportamento de primatas, professor na célebre Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Richard Wrangham
Estes cientistas caminharam muitas centenas de quilómetros, ao longo de mês e meio. Penetraram fundo na floresta tropical do Makulungo, tal como a baptizaram os Azande. Seguiram trilhos de animais selvagens, estudaram os vestígios que deixavam: pegadas, restos de comida, fezes, locais de pernoita. Vasculharam nas lixeiras das aldeias, para verem do que se alimentavam as populações humanas. Se o gorila existisse, algum sinal haveria de deixar.quinta-feira, fevereiro 23, 2006
Nada presta...
A escola em questão é o elo comum aos doze... e se as famílias de uns e as instituições em que outros estão depositados também têm, com toda a certeza, graves responsabilidades na má formação destes jovens, essa escola também não presta!
Intifada, 1989
foto de Rogério Ferrari
Dois anos depois, a RTP enviou-me para Israel para fazer um documentário a propósito do 2ºaniversário da Intifada. Fui com o Carlos Aranha. Chegámos no início de Novembro. Nos primeiros dois dias não fizemos nada, isto é, tivemos que nos credenciar junto do Ministério da Informação, em Jerusalém. Tivemos de reunir com um tipo da Segurança do Estado, que tentou perceber se éramos simpatizantes da sua causa se da causa do inimigo e fomos obrigados a assinar um documento em que nos comprometíamos a deixar visionar todas as gravações efectuadas e em que tomávamos conhecimento da possibilidade das autoridades militares censurarem imagens e entrevistas que tivéssemos feito. Dissemos que sim a tudo, para evitar problemas antes do trabalho começar. Mas se a reportagem corresse como previsto, então… iria ser necessário esconder muita coisa…
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
Sarajevo, 1994 - água gaseificada
Por mais avisados que estivéssemos, o que fomos encontrar não podia deixar de nos surpreender… Eu e o Vítor Caldas ocupamos o último quarto vago, como já contei num texto anterior. Era no 12ºandar, tínhamos uma vista panorâmica da cidade… pena que o plástico que estava a substituir o vidro da janela fosse um pouco opaco. A janela do nosso quarto tinha sido “alargada” pela entrada de um obus, de modo que os serviços de manutenção do hotel tinham reconstruído a parede, com tijolo e cimento, e tinham feito um caixilho de madeira para a janela onde pregaram um enorme plástico grosso. Ao menos, o vento não entrava. Ficámos ali até meados de Setembro, a temperatura do ar foi sempre amena.
O drama de estarmos no 12ºandar eram os esquecimentos. Saíamos de manhã para trabalhar, descíamos aquela escadaria toda e, tantas vezes!, chegados lá abaixo lembrávamo-nos de uma bateria ou do maço de tabaco, ou do microfone… devo dizer-vos que foi um excelente exercício, deu para perder uns bons quilos e fortalecer as pernas. Saí de Sarajevo em forma!
A falta de água era outro problema… as torneiras da casa-de-banho do quarto nem pingavam… não havia modo de tomarmos banho. Combinei com o Vítor Caldas que nenhum de nós cagava na casa-de-banho. E assim foi… quando a necessidade apertava, descíamos doze andares para irmos à casa-de-banho do hall… que tinha merda até ao tecto! Era horrível… Tomávamos banho de copo ou o chamado “banho checo”, no bidé… mas, quando em Itália fui às compras e comprei água mineral, inadvertidamente só comprei água gaseificada. Ah!, aquela sensação de lavar o rabo com água gaseificada…
terça-feira, fevereiro 21, 2006
Mauritânia, 1985 - o senhor Dimas
Dimas dos Santos não foi só o salvador que nos tirou da cadeia. Foi, também, um amigo. Aos fins-de-semana lá íamos de passeio… ver as maravilhas locais.
O mercado de peixe, as praias, o comboio que vinha das minas de minério do deserto e que era, ainda é, o maior comboio do Mundo, com milhares de vagões puxados por centenas de locomotivas. Diziam os mauritanos que o comboio demorava dois dias a passar… Mas o que mais me impressionou na Mauritânia foi a percepção do relacionamento social entre as diferentes classes e categorias de pessoas.
Os árabes, surpreendentemente brancos e, alguns, até de olhos claros, eram os donos da terra e das pessoas. Donos, no sentido largo da palavra. Vi, diversas vezes, soldados ou polícias negros ajoelharem-se, em plena via pública, e beijarem a ponta das vestes de um árabe. Achei aquilo um hábito estranho, mas depois explicaram-me que a escravatura tinha sido abolida, oficialmente, em 1980… apenas 5 anos antes(!). O que significava que, na prática, tudo continuava na mesma. Mesmo percebida a questão, nunca deixei de me interrogar porque motivo um tipo armado aceitaria ter de beijar a fralda de um outro gajo e submeter-se à sua vontade de modo indiscriminado.
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
Kosovo
Neste momento, o estatuto do Kosovo é de protectorado internacional. Isto desde que a NATO invadiu o território para, alegadamente, evitar o genocídio perpetrado pelo exército da Sérvia. É assim, desde Junho de 1999.
Na Sérvia há dirigentes políticos convencidos a abdicar do território, a troco de muito dinheiro para apoiar o desenvolvimento da Sérvia. Mas outros recusam-no liminarmente. A verdade é que os kosovars já destruíram quase todos os símbolos da antiga soberania sérvia. As igrejas ortodoxas foram derrubadas a dinamite, as aldeias sérvias foram queimadas, muitos habitantes sérvios foram assassinados. Os que teimaram em lá ficar vivem em enclaves, em ghettos, guardados à vista pela tropa da NATO. Em certa medida, a limpeza etnica foi feita, mas foram os muçulmanos quem a fizeram...
foto de Carlos Narciso
Historicamente, o Kosovo é o berço da nacionalidade sérvia… ao longo dos séculos, muitos sérvios, milhões deles, deram a vida por essa causa. Os Balcãs sempre foram campo de batalha… aquilo é uma espécie de fronteira entre o Oriente e o Ocidente. Entre o islamismo e o cristianismo.
Parece-me que boa parte da comunidade internacional está disposta a deixar o Kosovo ser livre. Será mais um estado islâmico dentro da Europa. Os americanos já lá têm a base de Camp Bondsteel… onde, segundo consta, funcionará uma das prisões secretas que servem a estratégia dos EUA no combate ao terrorismo.
Seja como for, o Kosovo pode ser uma porta para o Ocidente influenciar a outra parte do Mundo. Mas, por onde se sai, também se entra…
Pedreira dos Húngaros (1)
O bairro era um antro de pobreza e miséria humana. Bandidos pobres e putas pobres viviam, paredes meias, com gente honesta e trabalhadora. Havia um tom comum a todos eles: o tom da pele. Eram negros, mulatos, gente de pele escura, quase todos oriundos ou descendentes de cabo-verdianos.
foto de Mário Martins
A polícia tinha medo de lá entrar. Nunca um carro patrulha se aventurou pela Pedreira dos Húngaros adentro. Só lá entravam em expedições punitivas, em grande número e armados de G-3. Pareciam cenas de guerra, as actuações policiais na Pedreira…
Por entre o emaranhado de barracas havia passagens secretas e dissimuladas. Túneis de fuga, caminhos labirínticos, paredes falsas, caves escondidas. Não era fácil apanhá-los. Também por isso, aquele rede foi lá posta, cercando o bairro e cortando os caminhos de fuga aos cercos policiais.
Na Pedreira dos Húngaros só moravam dois brancos. Dois padres holandeses que, um dia, na década de 60, tinham passado por Lisboa a caminho de uma das colónias portuguesas em África, onde pretendiam missionar. Salazar cortou-lhes o caminho, foram proibidos de embarcar. Acabaram por encontrar África aqui mesmo, entre Algés e Carnaxide. Um deles chamava-se Scheepens, do nome do outro já não me recordo…
foto de Frederico Colarejo
Foi neste cenário que fiz uma das mais entusiasmantes reportagens da minha carreira.Foi um trabalho feito a quatro mãos, juntamente com o genial Mário Lindolfo.
Estávamos em 1984…
domingo, fevereiro 19, 2006
Congo, 2001 - A Expedição, descobrir o passado
Mal comparada, a expedição científica que tenho estado a relatar, tinha alguns paralelismos com a epopeia dos “lançados”… também aqueles cientistas iam observar pela primeira vez, na história da ciência moderna, um determinado território.
Como já referi antes, a primeira vez que se falou da existência de gorilas, nesta parte central de África, foi em 1898, quando uma expedição colonial, chefiada pelo oficial da coroa belga Le Marinel, trouxe três crânios de gorilas recolhidos algures perto de Bili. Dois desses crânios pertenciam a animais que tinham sido caçados e cozinhados por indígenas, o terceiro foi encontrado vivo e morto a tiro por um dos soldados da expedição. Os crânios foram recolhidos no Museu da África Central em Tervuren, perto de Bruxelas, onde ainda estão. Foram classificados como uma nova subespécie de gorilas: o Gorila Uelensis, por referência ao Rio Uéle que passa perto de Bili. Mas nunca se investigou a existência destes animais, malgrado alguns relatos mais ou menos credíveis, tanto de europeus como de habitantes locais, sobre a existência de grandes macacos a viver naquelas florestas. Grandes macacos a quem os nativos chamam “babi”, para os diferenciar dos chimpanzés normais a quem eles chamam “mokumbusso”.
O Museu da África Central é um legado do Rei Leopoldo II da Bélgica.
É um museu com um vasto espólio científico e é aí que reside a sua importância. O Rei Leopoldo deve ter fundado esta instituição para expiar parte dos crimes que cometeu na implementação da sua política colonial. A repressão belga no Congo foi terrível, embora isso seja um facto que os belgas tentam esquecer… eles que foram para civilizar os nativos, acabaram por introduzir o trabalho escravo em massa e uma tristemente famosa punição para os que se revoltavam: a mutilação de mãos e pés. Este castigo desumano foi aplicado a milhares de negros escravizados, segundo relatos independentes da época. Outro costume dos brancos era, quando subiam os rios, ao passar por aldeias divertiam-se a fazer tiro ao alvo nos habitantes que estavam nas margens.
Estes costumes bárbaros dos belgas inspiraram, de resto, o escritor Joseph Conrad que denunciou estes actos no livro “O Coração das Trevas”, editado em 1899.
O Rei Leopoldo II foi, assim, um dos primeiros chefes europeus a fazer parte do rol dos genocidas modernos. Foi sob o seu reinado que os civilizadores homens brancos se revelaram notoriamente selvagens.
sábado, fevereiro 18, 2006
Notícias Lusófonas
está aqui: http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=13296&catogory=Manchete
Congo, 2000 - a obra de Deus
Naquela semana decorria uma reunião de gente ligada ao trabalho missionário na Província Equatoriale, no norte do Congo. Os Combonianos reuniram em Bondo, mais de 30 pessoas. Muitos levaram uma semana a pé para estarem ali.
Comíamos todos juntos, as três refeições do dia. O jantar era cedo, porque era necessário poupar o gasóleo do gerador. É que a estação de serviço mais próxima ficava a 750 quilómetros de distância… mas, de vez em quando, lá se ligava o gerador. Nessas ocasiões o Odacir Júnior (o camera-man que trabalhava comigo nessa viagem) aproveitava para carregar as baterias da Betacam e eu aproveitava para ligar o telefone satélite. Foi o que aconteceu nessa noite… depois de ter falado para casa, em Lisboa, um dos acólitos dos Combonianos que tinha estado a observar-me perguntou o que era “aquilo”. Respondi-lhe que era um telefone e expliquei-lhe como funcionava. Ele perguntou-me com quem tinha estado a falar. Respondi-lhe que com a minha mulher, em Lisboa. Ficou a olhar… e depois de uma curta meditação disse uma coisa extraordinária: “vocês, brancos, estão perto da divindade”.
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Sarajevo, 1994 - o colete
No bairro existem várias mesquitas, mas também igrejas católicas e sinagogas. Há mesmo ruas onde os diferentes locais de culto são vizinhos próximos. A maior mesquita chama-se Gazi Hucerb Begs. Era um edifício imponente, bastante marcado pela guerra. No interior, a sala de orações estava escorada com andaimes de ferro, para evitar que a cúpula desabasse.
Os sérvios bombardeavam o bairro frequentemente e um dos alvos preferenciais era aquela mesquita, claro. Quando fomos para Sarajevo, levamos coletes à prova de bala da GNR. Eram umas “armaduras medievais”, pesadíssimas, que não davam jeito nenhum. Nem para trabalhar, nem para os copos… nunca os vestimos, embora andassem sempre no carro. Uma noite, um jornalista espanhol, vizinho de quarto no Hollyday Inn, pediu-me o colete emprestado. Estava com um mau pressentimento… emprestei. Nunca mais o vi. O tipo foi assaltado numa ruela de Bascarsija. O assaltante queria, precisamente, o colete e só o colete. O espanhol ainda tentou oferecer-lhe dinheiro em troca, mas o outro disse-lhe que precisava mais do colete que de dinheiro. Realmente…
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
Congo, 2001 - A Expedição, o ritual
Depois do ritual, fomos convidados para assistir e participar na festa que ia acontecer na aldeia, em nossa honra. Como não se consegue dizer não a um convite destes, lá fomos no domingo assistir às danças tradicionais, aos batuques, às exibições dos adivinhos e a uma missa mais cantada do que rezada, como manda o rito zairense da igreja católica-apostólica-romana. A festa decorreu em Badai, uma aldeia que não vem no mapa. Está situada na antiga estrada colonial belga que ligava Kisangani, no leste do Congo, à cidade de Zémio, na República Centro Africana. A estrada já quase não existe e as condições de vida da população regrediram tanto que devem ser, hoje, comparáveis às condições de vida de há 100 anos. Lembro-me de ter imaginado o que pensaria hoje o explorador belga Le Marinel, que em 1890 andou por aquelas paragens e cuja expedição recolheu os primeiros crânios de um gorila que, hoje, não se encaixa em nenhuma classificação científica. O tal gorila, cuja existência estávamos nós a tentar comprovar…
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
Rusga na redacção
Portanto, a notícia do 24 Horas era verdadeira.
Quando a bronca rebentou, o Procurador Geral da República prometeu um inquérito com carácter de urgência para apurar como tinham ido parar ao processo os registos telefónicos de pessoas completamente desligadas do caso policial alvo das investigações, mas até agora…
Parece, agora, que os investigadores judiciais escolheram o caminho mais fácil: vasculhar nos papéis dos jornalistas, a ver se encontram o link que lhes falta. É um estranho modo de investigar. E é um precedente perigoso. O caderno de notas de um jornalista é como o diário de um confessor. Não devia ser violado, por questões desta natureza. A polícia que aprenda a fazer o seu trabalho.
Cartoons
O desenho do soldado israelita que, com o seu brinquedo, destrói as casinhas da menina palestiniana é do cubano Enrique Lacoste Prince.
A intifada com peluches... de Cristobal Reinoso, da Argentina.
Ariel Sharon prepara-se para comer a pomba da paz... de Wu Jian Jun, da China.
Há mais uns quantos, mas quem quiser poderá visitar o site do festival. O que interessa falar é da extraordinária eficácia do cartoon político, mordaz e satírico. Um cartoon bem esgalhado, vale mais que mil discursos.
Como é o caso desta "Estátua da Liberdade", desenhada por Ares, de Cuba. Uma verdadeira sinfonia de protesto.
Congo, 2001 - A Expedição, o chimpanzé
Mas a maioria das crias morre cedo. Em Bili, na casa do comandante militar local do MLC, encontrámos dois bebés chimpanzé órfãos de caça. As duas crias estavam em muito mau estado de saúde. Morreriam rapidamente se não fossem socorridas. Decidimos tentar salvar a mais debilitada, uma pequena fêmea, na esperança de que o outro bebé tivesse forças para recuperar a saúde. O pequeno chimpanzé foi resgatado e ficou connosco durante todo o tempo que permanecemos na região. Alguém a baptizou Georgina… e assim ficou. Quando abandonámos Bili e fomos para o acampamento na floresta, Georgina foi connosco. Nunca a prendemos e nunca fugiu. Passava o dia a subir e a descer árvores, comia frutos silvestres e dormia como um bebé. Via-se que confiava em nós, que sabia que não lhe iríamos fazer mal. Por imitação, ganhou hábitos humanos. Ao entardecer, pegava na sua manta que estava sempre pendurada numa corda e encaminhava-se para a tenda de Karl Ammann, onde se habituou a dormir. Foi assim, durante aquele mês e meio em que estivemos no mato. Depois, havia que decidir o que fazer com ela. Devolvê-la ao antigo dono, nem pensar. Agora que estava gordinha, daria um churrasco soberbo… deixá-la em liberdade era o mesmo que matá-la logo ali. Além de ser ainda um bebé, não sabia nada dos perigos da floresta. Na primeira noite seria comida por algum leopardo, leão ou hiena, predadores comuns e que constantemente rondavam o acampamento durante a noite. Ninguém a queria como animal de estimação… A solução foi dada por Karl Ammann que, através do telefone-satélite, entrou em contacto com organizações de protecção da vida animal e conseguiu um lugar para a Georgina num santuário dedicado aos grandes símios, numa ilha do Lago Vitória, no Uganda. Ali ela ficaria em liberdade e protegida de predadores, humanos inclusive. É lá onde vive, hoje, numa ilha chamada Ngamba.
terça-feira, fevereiro 14, 2006
Congo, 2001 - A Expedição, o grego
Nikolaos Fotopoulos chegou ao Congo em 1971, tinha então apenas 26 anos. Adaptou-se tão bem que nunca chegou sequer a aprender francês, a língua colonial. Nikolaos fala o dialecto kizande, a língua do povo da terra. Da Grécia mata saudades através da telefonia, gosta de música pimba que lhe chega na onda-curta mas, apesar da nostalgia, não quer regressar. É a vergonha de ser pobre, de não ter sequer dinheiro para tentar a viagem. O grego Nikolaos vive numa casa que foi do português Figueiredo. Quando o português resolveu partir, cansado da independência, Nikolaos pediu ao governo que lhe concedesse a casa abandonada. E foi assim que ficou com uma oficina de reparação automóvel e com maquinaria para torrar café e descascar arroz. Mas nada funciona. A oficina não trabalha porque a guerra matou todos os automóveis. Em toda a região, quase tão grande como Portugal, existem apenas dez ou doze carros que ainda funcionam. Nikolaos tem um desses veículos, um camião, que já serviu para carregar café até Isiro ou Kisangani, cidades a mil quilómetros de distância.
Cão come baleia
Para quem não seja japonês, não deve ser difícil de concordar que é chocante, matar um animal tão extraordinário como a baleia para fabricar comida para cão.
A carne de baleia é prato tradicional da culinária japonesa. É um produto muito apreciado e procurado nos mercados. Essa é a verdadeira razão do Japão continuar a caçar o maior mamífero existente à face da Terra. Só que a matança tem sido tanta que o consumo humano já não esgota os stocks… Esta prática predadora dos japoneses vem de longe. Quando andei pela Mauritânia, lembro-me de ter visto no banco de Arguin, um dos maiores pesqueiros mauritanos, dezenas de navios-fábrica japoneses (e alguns soviéticos, também) que devastavam os fundos do mar, sem qualquer tipo de controlo das autoridades nacionais.
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
Congo, a paz
Tanto dinheiro para tentar evitar que 1.200 pessoas continuem a morrer, diariamente, por falta de comida ou assistência médica, consequência de uma guerra que devastou o país entre 1997 e 2003. O maior problema vai ser juntar o dinheiro. É que o diagnóstico foi feito e a prescrição foi passada, mas faltam dadores. E este tem sido, sistematicamente, o circulo vicioso da ajuda humanitária em África. De boas intenções estão os cemitérios africanos cheios. Quando não falham os projectos humanitários, são os dirigentes africanos corruptos a desviarem o auxílio que devia chegar ao povo. Enfim, alguns têm enriquecido à conta da miséria de muitos.
Até agora, tem sido notório que a vida de um africano vale bastante menos que a vida de um cidadão bósnio ou de um habitante de Aceh, por exemplo. Se não acreditam, digo-vos que, em 2005, a situação vivida na República Democrática do Congo teve direito a escassos minutos de tempo de antena em qualquer televisão de qualquer país ocidental. Quanto ao tsunami, todos sabemos a atenção que mereceu o acontecimento.
A guerra congolesa matou 4 milhões de pessoas, destruiu a rede hospitalar, destruiu a rede escolar, destruiu as vias de comunicação do país. A guerra, criou hábitos endémicos de violência, numa sociedade que aprendeu que só o forte sobrevive. Tantos problemas, num país do tamanho da Europa Ocidental. E não se pense que não tivemos responsabilidade nessa guerra, porque tivemos. Algumas das motivações dos beligerantes estão relacionadas com a extracção e comercialização de matérias que o Ocidente consome: diamantes, ouro, cobalto, urânio, madeiras exóticas…
Somália, acordo de paz
Segundo as agências noticiosas, os três principais líderes da Somália afirmaram hoje que chegaram a vários acordos para fazer regressar a vida institucional ao país e prometeram acabar com as disputas internas. Abdulahi Yusuf Ahmed (nomeado Presidente da República da Somália, em 2004) mais o seu aliado Ali Mohamed Ghedi (com as funções de Primeiro-Ministro) e o principal adversário de ambos Sharif Hassa, terão assinado um acordo de modo a implementar a normalidade institucional na Somália. Desde 1991 que não há governo no país. Após a queda de Mohamed Siad Barre, os vários clãs dedicaram-se a uma guerra fratricida que já destruiu tudo. Nem mesmo uma intervenção militar mandatada pelas Nações Unidas conseguiu apaziguar o país. Os americanos e outros países aliados acabaram por retirar da Somália, deixando toda a população à mercê dos sanguinários senhores da guerra e dos seus exércitos particulares.
Congo, 2001 - A Expedição, em Bili
E pensar que é precisamente no Norte do Congo, que o chão é mais rico em diamantes e a floresta mais rica em madeiras preciosas.
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média