Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Sarajevo, 1994 - sniper Avenue

Mikki tinha sido director de programas infantis da televisão da Bósnia, mas ganhava a vida como condutor de carros alugados a jornalistas estrangeiros. Já há muito que a sua televisão deixara de ter programas infantis… ou de qualquer outro tipo. O serviço resumia-se a um bloco informativo e pouco mais. Não sei se Mikki foi um bom director, mas era um excelente condutor. O carro era um Lada, velho e esburacado. Mas andava bem. Mikki estimava aquele carro, não só porque era o seu ganha-pão mas, porque, do bom funcionamento do carro podia depender a sua sobrevivência física… e a dos que o acompanhavam. Havia um percurso particularmente perigoso. E era inevitável. Refiro-me à grande avenida marginal ao rio Miljacka, mais conhecida por Sniper Avenue. E não era à toa que assim lhe chamavam. Morreram ali centenas, talvez até milhares de pessoas. O asfalto esburacado pelo impacto dos obuses, todos os edifícios tinham marcas de balas, todos os vidros de todas as janelas estavam partidos. Imensos blocos de cimento atrapalhavam a marcha, de modo que era preciso conduzir serpenteando por entre os obstáculos. Só que era preciso fazê-lo a mais de 100 à hora. Se possível, sempre mais rápido que o voo das balas. Uma vez sentimos um impacto no carro, mas não percebemos onde tinham acertado. Só quando parámos em local seguro pudemos inspeccionar o carro. A bala tinha entrado pela bagageira, furado o banco traseiro e tinha-se alojado nas costas do banco do condutor. Estava lá… parou a milímetros das costas de Mikki. Passou a milímetros ao lado do Vítor Caldas, que estava sentado atrás. Nós éramos dos poucos que usávamos um “soft car”. Todas as televisões com algum dinheiro para investir naquela aventura e algum respeito pelo bem estar dos seus funcionários, alugavam na Alemanha, em Itália ou mesmo na Croácia, carros blindados. Já então a SIC revelava uma ignorância perigosa sobre os locais para onde enviava jornalistas e sobre as condições de trabalho que lhes devia proporcionar. Muitos de nós tivemos sorte. Só a Maria João Ruela não teve. Como se sabe, bastaram-lhe 10 minutos de Iraque para ser baleada e ficar a sofrer para sempre de uma deficiência física.

6 comentários:

Isabela Figueiredo disse...

Ao longo destas aventuras que contas, lembro-me sempre do caso dela.

Anónimo disse...

O CN tem uma vida que ófaxavor! Muito bom sinal continuar por cá para contar...
Boa noite.

Avó do Miau disse...

Descobri hoje o seu blog e por admimar bastante o seu trabalho, sentir-me-ia muito honrada se visitasse os nossos blogues e nos deixasse a sua opnião e críticas.
Felicidades!
Voltarei mais vezes.

Manel do Montado disse...

Carlos...ai andou a "assapar" pela Obala Kulina Bana? Acho que é assim que se chama a avenida...tiveram mesmo sorte porque o "sniper era nabo, isto é, não deu elevação suficiente à arma, uma vez que um alvo em afastamento obriga a levantar a mira e se se para a arma no momento da “gatilhada”, como o carro continua a marcha o tiro sai “baixo”.
Um sniper experiente tê-la-ia metido pelo vidro traseiro ou pelo tejadilho…ainda bem que este não era atirador ou estava cansado…
Recordar é viver…ás vezes mal…
Um abraço e uma rakia.

jose ramos disse...

Em que altura do ano de 1994 esteve em Sarajevo?
Talvez nos tenhamos encontrado...!?
Só me lembro de dois jornalistas (penso que do jornal Independente) que recebemos e connosco estiveram numa ceia (surrealista!!!)na noite de Natal e que fizeram uma "crónica" que considero pobre e miseràvel:

CN disse...

José Ramos... já não me lembro bem, teria de ir à procura do passaporte dessa época, mas creio que era Setembro, Outubro.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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