Hakuna mkate kwa freaks.
quarta-feira, maio 31, 2006
A organização do Estado
Tenho de voltar ao dentista, por causa da especificação-escrita-e-certificada-sem-qualquer-margem-para-dúvidas-do-dente-tratado e, depois, regressar uma vez mais ao guichet estatal onde, finalmente, me aceitarão o papel e o respectivo pedido de reembolso.
Percebo que o Estado tente evitar as burlas, mas assim.... Até porque, enquanto ando para trás e para a frente, não trabalho. E depois vão-me chamar absentista.
terça-feira, maio 30, 2006
Despedimento com justa causa
Sou testemunha das tremendas dificuldades existentes e do fantástico trabalho dos médicos.
Por isso, foi com horror que soube que, há dias, o director do Hospital Central da Beira tinha despedido cinco médicos, cooperantes chineses e indianos. O horror tem que ver com as razões do despedimento… esses médicos foram acusados de tratamento arrogante com os doentes, motivo que levou ao afastamento de muitos utentes.
O problema é bem mais grave do que possam pensar. É que já é difícil que as pessoas queiram ir ao hospital de livre vontade. Os costumes tradicionais continuam a ditar lei e, primeiro, as pessoas vão ao feiticeiro. Depois, vão ao feiticeiro. Se não ficarem melhor, ainda voltam ao feiticeiro. Só em último caso vão ao hospital. Se não são bem recebidos, nunca mais lá voltam.
Por isso, tratar com arrogância um doente em Moçambique pode ser o mesmo que o condenar à morte. E isso é indesculpável.
segunda-feira, maio 29, 2006
Angola, 1999. Lágrimas de crocodilo
Essa sequência fechou a reportagem. Era um soco no estômago e a resposta a uma pergunta que já tinha feito inúmeras vezes e a que nunca me tinham respondido. Era por “aquilo” que não havia campos de prisioneiros de guerra… os únicos prisioneiros poupados eram os oficiais superiores, os que poderiam ter informações úteis quanto às tácticas do inimigo e saber dos pensamentos íntimos dos chefes. É verdade que nem todos os soldados rasos eram mortos. Alguns safavam-se, por algum prurido do inimigo, desde que passassem a combater contra o outro lado. Os angolanos sofreram coisas indizíveis, nessa guerra longa…
Enfim, tudo isto para vos dizer que soube, no dia seguinte à exibição da reportagem, que o Presidente da República tinha ficado muito incomodado com “aquilo” (eventualmente, verteu alguma lágrima) e que iria promover uma discussão pública para denunciar aqueles horrores. A informação tinha chegado por um dos assessores presidenciais que antes tinha trabalhado na SIC. Imagino que Sampaio tenha sido melhor aconselhado, mais tarde, porque nunca mais ouvi falar no assunto.
sábado, maio 27, 2006
Um pormenor da vida, no Iraque
Enfim, nunca lá fui mas, claro, tenho acompanhado com interesse a evolução dos acontecimentos. O Iraque sempre tem sido notícia. Mas há coisas que, por mais jornais que se leiam ou mais televisão que se veja, há coisas que não nos apercebemos facilmente.
Como isto, por exemplo...
O primeiro conjunto de fotos diz respeito às actividades estudantis femininas, no campo desportivo, e data de 1963-1964... a outra foto diz também respeito a actividades estudantis femininas neste ano lectivo de 2006... As fotos são uma espécie de antes-e-depois da "libertação" propiciada pelos EUA. Não digo, com isto, que tudo estava bem no tempo de Saddam e que tudo vai mal, hoje. Acho que havia muita coisa mal, nos anos 60, 70, 80, 90, acho que o regime de Saddam foi um regime indecente sob muitos aspectos. Mas, realmente, acho que hoje tudo está bem pior, para a maioria dos iraquianos. E o pormenor revelado pela foto, é apenas isso mesmo... um pormenor.
Farmácias, só mais uma achega...
Gostei!
sexta-feira, maio 26, 2006
Farmácias
Um a um, os privilégios corporativos salazaristas estão a chegar ao fim. Os argumentos de Sócrates não podiam ser mais consensuais. Por que diabo haviam os farmacêuticos de ter a exclusividade da propriedade das farmácias? Por acaso, as escolas têm de ser propriedade de professores? As clínicas têm de ser propriedade de médicos? Os jornais são dos jornalistas? A TAP é dos pilotos?
Costaleras do Amor (4)
O capataz dá três pancadas fortes no alto da estrutura. A pausa durou poucos minutos. À pressa, as costaleras dão as últimas baforadas nos cigarros antes de se colocarem debaixo da parihuela. “Vamos calar a boquinha aí debaixo. Vamos escutar e calar!”, ordena o 2º capataz. Olhando para dentro pergunta: “A traseira está?”. A resposta vem do fundo, “a traseira está.” Nova pancada antes de a estrutura se erguer num salto. “Todas por igual. Ao céu”. O rádio leitor de CDs começa a tocar o andamento da banda que acompanhará a Virgem da Encarnação. Seguindo o andar arrastado das mulheres, Rafael Martin, de 44 anos, desempregado, segura o rádio como se levasse a música ao colo. A t-shirt branca com o rosto da imagem impressa molda-lhe a barriga. Não falta a um ensaio. “À parte destas [coisinhas], venho pela minha Encarnação”, acrescenta. Cumprimenta toda a gente em tom de festa, e não consegue conter as lágrimas de mãos coladas ao rosto quando contempla a imagem da Virgem. A estrutura avança até deparar com mais um carro estacionado. “Parem aí!”, à ordem do capataz mudam de direcção num ângulo de 90 graus. “Pouco a pouco a esquerda à frente, pouco a pouco a direita atrás!”. Ensaiam durante várias horas pelas ruas do bairro. Às vezes começam a meio da tarde, outras à noite com uma luz giratória de sinalização de cargas pesadas em cima do passo. Por tradição, promessa, ou apenas por curiosidade estas mulheres decidiram entrar na confraria do Amor por 12 euros/ano. Trazem os filhos aos ensaios, passam-nos debaixo do manto da imagem e põem-lhes o costal. Por vezes desentendem-se. “Todas por igual, valentes!”, diz o capataz. Há até quem veja a Igreja com maus olhos. “Isso está tudo podre. Há interesses económicos, políticos, e mais...”, desabafa Verónica Relaño, de 23 anos. Na t-shirt negra tem escrito Full Contact , e nas calças justas Kiss Me. “Rezo todas as noites mas não tenho porque confessar-me a um padre. Dá-me vergonha”.
Os candeeiros de rua acendem-se com o cair da noite. Passaram mais de três horas de cigarros fumados à pressa pelas descidas à parihuela, de garrafas de água esvaziadas, de piadas. Mas a garagem ainda está longe. “À saída qualquer uma é costalera!”, diz um ajudante do capataz. “Isso não pesa nada. Isso é uma brincadeira”, anima em seguida. “Já está aí o Domingo de Ramos. Já falta pouco para levarem a Mãe”.
quinta-feira, maio 25, 2006
Costaleras do Amor (3)
Posta a parihuela na rua, as mulheres trazem do fundo da garagem vários tijolos de betão que vão dispondo no cimo da estrutura. Têm que levantar cerca de uma tonelada, o peso que terá o passo em procissão. Cada uma carrega mais de 30 quilos.
Avançam sob as ordens de um capataz, por chicotas, trajectos que raramente ultrapassam os 200 metros. O trabalho é árduo. Meia hora depois da saída o cansaço transparece no rosto das costaleras, as garrafas de água começam a passar de mão em mão. Talvez por isso a formação deste grupo de mulheres tivesse sido tão mal recebida pelas irmandades. “O mundo confrade é muito machista”, afirma o segundo capataz, José Delgado de 33 anos, técnico de ar condicionado. “Mas elas souberam criar um estilo único e conseguiram ser respeitadas”.A fundadora recorda o quanto foram aplaudidas na praça das Tendillas, a Passagem Oficial da Semana Santa em Córdova. “Fomos primeira página do El País e abertura do telejornal”, acrescenta com emoção. Suportou durante 13 anos o peso do passo da Virgem da Encarnação, graças ao pai que se comprometeu a pagar qualquer eventual estrago.
Vários confrades abandonaram a irmandade, e ouviam-se críticas das mulheres à porta de casa: “Vai mas é para casa esfregar os pratos”. Eram as que mais doíam porque o sentimento machista é por vezes responsabilidade do sexo feminino. “Afinal cada homem é educado por uma mulher!”, exclama Rafaela.
quarta-feira, maio 24, 2006
Congo, ano 2000. Gbadolite, casa chinesa
O custo destes caprichos é difícil de adivinhar. Para erguer o Palácio Gbadolite foram operários portugueses, para a casa de campo foram operários italianos, para esta cidadela chinesa os escolhidos foram... artífices chineses. Mobutu não poupava.
terça-feira, maio 23, 2006
Costaleras do Amor (2)
Os ensaios para a Semana Santa começaram a seguir ao dia de Reis. “Mas foi pouco”, lamenta uma habitante do bairro, enquanto espera que as costaleras saiam da confraria para mais um ensaio. “Apanharam muitos dias de chuva”, esclarece. As mulheres começaram a chegar perto da hora marcada, às 21h de sexta-feira. Há quem esteja desde a fundação e quem se estreie este ano. A maioria tem mais de três anos debaixo da parihuela. Chegam a pé, sozinhas ou em pequenos grupos, subindo a praça do Cristo do Amor, iluminada pelos candeeiros de rua. “A minha filha chegou agora de Badajoz, neste carro que aqui estava”, diz uma senhora que passeia o seu cãozinho branco. “Trabalha lá num hospital, e veio para o ensaio. Tem 21 anos”. Perto das 22 horas chega numa scooter amarela outra das confrades. Um blusão preto protege-a da brisa da noite. Entra pela porta da confraria, com um ar apressado, até à sala onde se reúnem as mulheres antes dos ensaios. O ambiente é de boa disposição. No meio da névoa dos muitos cigarros que se fumam na sala, contam-se piadas, enrola-se o costal no chão, comentam-se pormenores sobre a saída de 9 de Abril, Domingo de Ramos. Num canto duas costaleras puxam uma faixa, enquanto outra a vai enrolando à volta da zona lombar, de forma a que fique muito justa. No total são 64, mas é raro que compareçam todas em tempo de ensaios. A maioria anda na casa dos 20 anos. Umas mais fortes outras aparentemente frágeis. Vestem roupa desportiva, camisolas do Barcelona ou de outros clubes, mas também jeans e camisolas largas. Algumas têm piercings, no lábio ou no nariz. Uma mistura heterogénea de mulheres, que por tradição, curiosidade, promessa, devoção, se encontram debaixo de uma trave que lhes assenta no pescoço durante muitas horas por ano.Aida Herdia, de 20 anos, começou a carregar passos aos 15, em equipas mistas, na Ciudad Real onde nasceu. Queria experimentar, “saber o que se sentia em penitência debaixo de uma imagem”. Está no exército desde Outubro de 2005, e foi recentemente transferida para Córdova. “Queria mudar de ares”, e estar mais perto da irmandade. Pertencer a confrarias significa, para ela, uma maneira de expressar a devoção e penitência a Deus, no quotidiano. “É a forma de levar a minha cruz”. Confessa que a música que mais mexe com ela é a das bandas da Semana Santa. Sempre marcada pelo ritmo dos tambores e pela melodia das cornetas, num andamento de inspiração militar.
(continua)
segunda-feira, maio 22, 2006
Congo, ano 2000. Gbadolite, La Chapelle
domingo, maio 21, 2006
Os neo-cons de Dom Sebastião
"Modern history is full of governments rushing into disastrous wars. However we have to go back to Portugal's 1578 invasion of Morocco for the closest analog to Bush invading Iraq. King Sebastian was three when he came to the throne. Educated by fanatic Jesuits, he grew up with a passion for a crusade against Morocco. Advisors inherited from his father opposed him. Portugal had a lot on its hands in Brazil and the East Indies. But the more they argued against it, the more he surrounded himself with mad monks who thought a crusade was a terrific idea.
Sebastian and 40,000 troops sailed away. Six, not 6,000, came back, none named Sebastian. The kingdom collapsed. In 1580 Spain marched in. Portugal literally disappeared from the map until 1640 when a nobles' revolt regained independence. The Jesuits and monks were Sebastian's neo-cons. Without them, no crusade. But he was king. He went to war, not them. If he wasn't crazy, he would have listened to dad's staff.
"Over-determined" is the historians' term for such phenomena. The neo-cons are Bush's monks. But he was President. If he wasn't as demented as Sebastian he wouldn't have listen to them."
Para quem não sabe inglês, a tradução:
A História Moderna está cheia de exemplos de governos que se metem em guerras desastrosas.Contudo, temos de regressar à invasão portuguesa de Marrocos em 1578 para encontrarmos uma analogia perfeita com a invasão americana do Iraque. O rei Sebastião tinha três anos quando subiu ao trono. Educado por Jesuítas fanáticos, cresceu com a ideia de combater numa cruzada contra Marrocos. Os conselheiros herdados do tempo do pai não concordavam com isso. Portugal já tinha muito com que se preocupar no Brazil e nas Índias Orientais. Mas quanto mais o assunto era discutido, mais o rei se rodeava de monges adeptos das cruzadas pela fé.
Sebastião partiu com 40 mil soldados. Apenas seis regressaram. Nenhum se chamava Sebastião. O reino colapsou. Em 1580 a Espanha anexou-o. Portugal desapareceu do mapa até 1640 quando a independência foi reconquistada numa revolta da nobreza. Os jesuítas e os monges eram os neo-cons de Sebastião. Se não fossem eles, não teria havido cruzada. Mas ele era o rei, a responsabilidade da guerra foi dele, não dos conselheiros. Se não fosse a sua loucura, teria dado ouvido aos conselheiros do pai. "Demasiado comprometido" é o termo que os historiadores utilizam para classificar este tipo de atitude. Os neo-cons são os monges de Bush. Mas ele é o presidente. Se Bush não fosse tão louco quanto Sebastião, não lhes teria dado ouvidos.
Costaleras do Amor (1)
O Bruno é um excelente repórter fotográfico, mas nem por isso conseguiu trabalhar em Portugal. Ou temos muitos repórteres excelentes ou a excelência não é factor decisivo no recrutamento de jornalistas em Portugal.
É assim que o Bruno está a viver em Espanha. E foi de lá que me enviou um email com um texto sobre uma das suas últimas reportagens, no caso sobre uma estranha tradição religiosa de Córdoba, em Espanha. As fotografias desse trabalho estão neste site (procurem em All Stories, Las Costaleras). O texto, com a devida vénia ao Bruno Rascão, vou passá-lo aqui. Fatiado, para evitar o cansaço de uma leitura mais longa que a aconselhada para um blog.
Aqui têm a primeira fatia...
Nas traseiras da igreja o capataz abre uma pequena garagem. Um buraco grande e sem luz. Javier Perez faz girar uma porta basculante. Lá dentro, está uma estrutura em ferro, de tom avermelhado, da qual saem quatro pés. Cá fora, mais de 40 mulheres, de diversas idades, aproximam-se com o costal na cabeça, tecido grosso dobrado em forma de saco. “Vamos a isto”, diz o capataz às costaleras: “Lá para dentro, e a rezar”.
Aquela estrutura, em forma de mesa, ocupa por inteiro a garagem. Chama-se mesa ou parihuela, objecto que o capataz há-de conduzir ao longo do bairro do Cerro, em Córdova; e as mulheres suster durante o ensaio de quase quatro horas numa tarde quente de Março. Dez metros quadrados que servirão de palco à Virgem da Encarnação no Domingo de Ramos. De modo informal a pequena multidão começa a murmurar as orações. Debaixo distribuem-se 30 mulheres, em grupos de cinco, ao longo de seis traves. Estão prontas a erguer a parihuela, que no dia de penitência, com a imagem em cima, se chama passo. Os primeiros costaleros eram profissionais, homens de faina que carregavam os produtos nos mercados grossistas. Utilizavam o costal, na época um saco de serapilheira posto na cabeça para amortecer o peso que carregavam às costas. A troco de um soldo saíam às ruas nas exuberantes procissões da Semana Santa andaluza, debaixo dos passos com imagens das paróquias. A Virgem da Encarnação não escapava à regra. Chegou ao Cerro em 1981, um bairro de operários de classe baixa, e passou a acompanhar o Cristo do Amor, que dá nome à irmandade. De perto seguiam-na, entre os nazarenos (penitentes com um capuz em cone a cobrir o rosto), um grupo de mulheres. Rafaela Vasquez, 47 anos, ex-empresária, era uma delas e o pai Hermano Maior, ou director da confraria. Por vontade da filha, deixou que formasse um grupo de costaleras, pioneiro em Espanha. O objectivo era substituir os profissionais. Em 1986, depois de três anos de ensaios e um troço do percurso no Domingo de Ramos de 1985, passaram a ser as portadoras do passo da Encarnação.
(continua)
sábado, maio 20, 2006
Congo, ano 2000. A palhota
Quem pilhou, não deixou ficar nada. Mas ainda dá para ver o requinte das instalações.
Recordo que fiquei fascinado com uma das casas-de-banho.Sempre gostei delas grandes… e uma das casas de banho tinha mais de 250 metros quadrados, uma imensa frente envidraçada para a piscina. Mobutu podia estar no jacuzzi e apreciar as suas convidadas estiraçadas na borda da piscina ou nadando. Ou vice-versa. Ou na banheira com hidromassagem… A piscina, profunda, em forma de gota.A casa, hoje, está ocupada por militares e respectivas famílias. Não foi possível meter o nariz em todas as divisões. As paredes exteriores da casa estão pintadas com frescos enormes, com figuras africanas que não sei identificar.Mas pareceram-me representações da vida familiar de gente comum. O que não deixa de ser estranho, para um ditador tão megalómano.
sexta-feira, maio 19, 2006
A alegria do povo não é o ópio de toda a gente
Carlos,
As minhas férias deste ano têm início na próxima sexta-feira e serão passadas bem longe de Portugal, por razões ponderosas (esta não é uma forma bonançosa de sugerir que as passarei no rancho da família Cartwright).
Na realidade, estou em fuga. E aproveito para comunicar esse facto a todas as autoridades interessadas. Podem facilmente interceptar esta comunicação. Estou em fuga ao grande massacre. Não aguento mais "informação" sobre o mundial de futebol. Estou a ficar maluco com os fãs, as opiniões dos fãs, os bitaites dos comentadores, dos treinadores, dos ex-jogadores, estou deseperado com o país de professores marcelos que de repente começou a atacar. Mais as "reportagens" sobre os casais do futebol e do showbizz, as mulheres e namoradas dos craques, as ex-mulheres e as promitentes namoradas dos craques, as ex-mulheres e as ex-namoradas dos presidentes ou as ex-mulheres e ex-namoradas dos ex-presidentes. E os anúncios da selecção, que já nos vende gás natural, gasolina e gasóleo, tudo de primeira, cervejas, iogurtes, contas bancárias e seguros, tudo do mais saudável que há, cadeias de supermercados e a Casa do Gil, tudo do melhor, como o "kunami" do Gato Fedorento, e até, o eterno copyright da camisola do Eusébio-66, na versão "tenho-uma-lágrima-no-canto-do-olho". Mas muito mais há ainda para vender, incluindo a alma ao diabo. Até nos convencerem de vez, e sem margem para contraditório, que os portugas do país Scolari, de bandeirinha à janela, somos definitivamente os maiores. Uma das sopinhas de letras "simple minded" das musiquetas nacionalistas que já se ouvem por todo o lado, garante mesmo que "nós unidos, jamais seremos vencidos".
Ora aí está um pensamento original e com bastas provas dadas. Capaz de legitimar a ideia de que "quer se possa ou se não possa, a vitória será nossa" ( tal como reza o hino do Sporting, o meu clube) .
A meu ver, este mundial é de todo desnecessário. Já ganhámos, já somos os gloriosos e imbatíveis campeões mundiais da futebolite parola. Por isso, não estarei cá para apoiar a enorme causa. Temos voluntários de sobra para gramarem o grande massacre.
Um abraço ! Até ao meu regresso !
Carlos
quinta-feira, maio 18, 2006
Congo, ano 2000. Le Palais Gbadolite
Mobutu esteve aqui, pela última vez, em 16 de Maio de 1997, na véspera da entrada de Kabila em Kinshasa.Deve ter andado por estes salões, talvez tenha celebrado a sua última ceia com os fiéis numa daquelas mesas de pedra alentejana. Daqui seguiu para o aeroporto, onde nunca nenhum Concorde aterrou, a caminho do exílio no Togo e, mais tarde, em Marrocos. Uma memória que vai desaparecendo. O tempo deitará abaixo o símbolo de tanta vaidade.
quarta-feira, maio 17, 2006
O Brasil em guerra
manchete do Diário de Notícias, ontem
Mas o que mais assusta, penso eu, é o desafio das organizações criminosas que não hesitam em iniciar uma guerra contra o estado. O que também assusta muito é a percepção de que há franjas da sociedade que estão dispostas a tudo, como se nada tivessem a perder. Atacam, só pensam em matar, dedicam-se à vingança, como se também quisessem morrer vendendo caro a sua morte. É uma espécie de suicídio, a não ser que os tipos que se meteram nisto pensem que têm alguma hipótese de derrotarem o Estado. Mas, depois disto, ninguém espere que a polícia brasileira tenha respeito pelos direitos dos que lhes caírem nas mãos.
favela Rosinha, Rio de Janeiro
O crime no Brasil há muito que é um fenómeno bastante visível. Nos anos 80, na minha primeira viagem ao Rio de Janeiro, lembro-me de ter lido nos jornais cariocas que, só no Rio, a média diária de vítimas mortais do crime era superior à média de mortes da guerra do Vietname. E, algumas noites, da janela do quarto do hotel em Copacabana, que em vez de dar para o mar dava para uns morros, lembro-me de ver o risco característico das balas tracejantes, em batalhas de um morro contra outro pelo controlo das bocas de fumo e de zonas de prostituição.
terça-feira, maio 16, 2006
Carimbo = Poder
Uma espécie de recuerdo que eles impunham a todos que chegavam a Sarajevo a bordo dos aviões militares. Na primeira vez que entrei no Sudão, tive de pedir um passepartout ao SPLA, Exército de Libertação dos Povos do Sudão. A “embaixada” funcionava em Nairobi, no Quénia, na sede de uma ONG que alegadamente tratava de ajuda humanitária nas zonas controladas pelos rebeldes sudaneses. Duas fotografias e um impresso em duplicado, tal qual nas representações oficiais dos Estados. O documento que vos mostro autorizava-me a viajar nas Montanhas Nuba, no Kordofan sul, por um período de três semanas a partir de 19 de Março de 99. Um carimbo azul e outro vermelho certificam o documento e oficializam a autorização. Estes rituais têm dois propósitos: arrecadar receitas e, principalmente, exercitar poder. Depois de emitidos, normalmente nunca nos pedem para exibir tais documentos. Talvez porque sem eles não poderíamos estar ali e porque a maioria das pessoas que nos poderiam pedir para ver a autorização não sabe ler.
segunda-feira, maio 15, 2006
Congo, ano 2000. A travessia
domingo, maio 14, 2006
Guiné Bissau, guerra civil. O bilhetinho
São papelitos tipo post it, daqueles que se colam na porta do frigorífico.
Diz a anotação que em 13 de Fevereiro de 99, o número de refugiados da guerra era de 45877 pessoas, em Safim (que fica relativamente perto de Bissau). E que cada uma dessas pessoas recebeu 3 kg de arroz, 1 litro de óleo, 1 kg de ervilhas, 1 kg de farinha de trigo e que cada agregado familiar recebeu 5 barras de sabão amarelo, até 11 de Fevereiro. Nova distribuição foi realizada dia 12, mas apenas de meio litro de óleo e 2 kg de farinha de trigo por pessoa.
Nada de carne, nada de peixe, nem uma gota de leite. Não sei quem me deu estas folhas de papel, não me lembro, mas pela caligrafia deve ter sido uma mulher. Lembro-me da fila de centenas de outras mulheres e de crianças em frente à capela de Nhacra, em horas de espera ao sol e dos atropelos quando a distribuição começava. Era a ânsia, o medo de que a ração acabasse antes de terem recebido o quinhão prometido. Porque havia sempre alguém que ficava de mãos vazias.
sábado, maio 13, 2006
Congo, ano 2000. mister John
As negociações que levaram ao fim da guerra e à formação de um governo de transicção, colocaram Bemba na vice-presidência do Congo e, agora, na luta pela presidência.
Se lerem os textos antigos que já publiquei aqui, poderão ficar a conhecer um pouco este personagem.
Mas, a partir de hoje, retomo o tema “Congo e Bemba”. Há muito para contar, ainda.
Começo por relatar como cheguei até Bemba. O que eu queria, mesmo, era entrar no Congo e chegar a Bondo, na província Equatorial, no norte do país. A minha tarefa era fazer um documentário sobre a vida dos “missionário da linha da frente” do cristianismo, aqueles homens e mulheres que a Igreja Católica envia para as zonas mais inóspitas do planeta, com a missão de evangelizar os povos.
Primeiro, tentei um percurso a partir do Quénia, indo até ao Uganda ou ao Rwanda e usar uma dessas fronteiras. Mas a guerra não deixou. Os combates no leste do Congo impediam-me de tentar sequer a travessia por aí. De modo que fui de Nairobi para Bangui, na República Centro Africana e aí tentei atravessar a fronteira. Mas, para isso, precisava de ter autorização dos rebeldes, do outro lado do Rio Congo.
O Cônsul português em Bangui, um senhor que dirige um supermercado, aconselhou-me a ir até à embaixada dos EUA e pedir para “falar com Mr.John”. Deu-me um número de telefone, para onde liguei. Atendeu-me o tal senhor John. Combinámos um encontro, em plena via pública, para dali a uma hora. Conversámos sobre o que queria eu fazer no Congo… ele ouviu e depois disse para voltar a telefonar-lhe no dia seguinte. Foi então que me deu as seguintes instruções. Teria de alugar um avião e ir até Mobaye. Aí estaria um carro à minha espera que me levaria até ao rio, onde estaria uma canoa para me levar até ao outro lado, onde estaria alguém à minha espera e então seria levado até Gbadolite onde iria ter oportunidade de falar com Bemba e pedir-lhe o que quisesse. E não é que correu tudo conforme mister John disse?
sexta-feira, maio 12, 2006
Hanan, mais uma vez
Hanan Ashrawi tinha um discurso muito humano, democrático, inatacável. Falava em direitos humanos e políticos para todos os povos do Médio Oriente e rejeitava, absolutamente, o poder da força que sustentava a repressão israelita. Era até um discurso algo deslocado da praxis da OLP. Por alguma razão, Hanan Ashrawi acabou por ser afastada dos cargos que desempenhava (em 91, ela era porta-voz da delegação da OLP nas negociações de paz). Tal como a convidou, Arafat também a despediu…
Guardei dela a consciência de estar perante uma mulher muito corajosa, que arriscava muito naquele jogo de homens armados.
quinta-feira, maio 11, 2006
Santo Nyerere
na foto, Julius Nyerere com Gabriel Garcia Marquez
Confesso ignorância total e completa sobre os requisitos para se ser considerado santo pela Igreja Católica mas, julgo, será necessário ter feito algum milagre. E, sendo assim, ainda mais me intriga que Julius Nyerere venha a ser canonizado. É que nunca ouvi falar de nenhum presidente africano… milagreiro. A não ser que se considere que não ter ficado agarrado ao poder, ter abdicado de livre vontade, ter tentado promover uma política de desenvolvimento sustentável, seja milagre. Se for isso, acho que há mais um na calha… quase pelas mesmas razões, Nelson Mandela. Mas não sei se Mandela é religioso…
Julius Nyerere morreu em 1999, com leucemia. O povo da Tanzânia chamava-lhe Mwalimu.
Irónico é que, se Nyerere chegar a Santo da Igreja Católica, deve ser o primeiro santo a que muitos chamaram de comunista, tal como consta na Marxists Internet Archive Photo Gallery.
Guiné Bissau, guerra civil. O sobrevivente
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média