Outro bilhetinho amarrotado encontrado no mesmo saco de plástico.
São papelitos tipo post it, daqueles que se colam na porta do frigorífico.
Diz a anotação que em 13 de Fevereiro de 99, o número de refugiados da guerra era de 45877 pessoas, em Safim (que fica relativamente perto de Bissau). E que cada uma dessas pessoas recebeu 3 kg de arroz, 1 litro de óleo, 1 kg de ervilhas, 1 kg de farinha de trigo e que cada agregado familiar recebeu 5 barras de sabão amarelo, até 11 de Fevereiro. Nova distribuição foi realizada dia 12, mas apenas de meio litro de óleo e 2 kg de farinha de trigo por pessoa.
Nada de carne, nada de peixe, nem uma gota de leite. Não sei quem me deu estas folhas de papel, não me lembro, mas pela caligrafia deve ter sido uma mulher. Lembro-me da fila de centenas de outras mulheres e de crianças em frente à capela de Nhacra, em horas de espera ao sol e dos atropelos quando a distribuição começava. Era a ânsia, o medo de que a ração acabasse antes de terem recebido o quinhão prometido. Porque havia sempre alguém que ficava de mãos vazias.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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domingo, maio 14, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
6 comentários:
Sabes, isto para mim é apaixonante. Para começar sou licenciada em História, por paixão. Continuo a estudar o que posso, para me manter actualizada.
Por outro lado, e acho piada aos teus "papelinhos", já trabalhei na recuperação de arquivos históricos. É por isso que cada um destes "bilhetes" que aqui mostras tem para mim um interesse muito especial. Cada um é um pedaço de história, de alguém, de uma situação, de um determinado momento!
Por isto tudo é que leio sempre o que escreves com o maior dos interesses.
Tens a sorte imensa de ter vivido em tantos lugares e tantas coisas que só lemos nos jornais e de estares do lado de cá dos bilhetinhos.
Também sou de História... Arquivos como o que tens são fantásticos diários. Neste caso, dolorosamente actuais. Tenho muita admiração pelo teu trabalho. E agora, também, por este espaço que criaste.
Essas histórias contadas como estórias, assumem um ar tão mais humano, tão mais verdadeiro.
Carlos!!
Tenho um grande prazer em te conheçer e de ter partilhado expriencias profissionais e pessoais inesqueciveis.A viagem ao Congo foi uma delas....Eu que neste momento me encontro longe mas ao mesmo tempo estou proximo porque frequentemente passo por aqui para me deliciar com as tuas historias...Tens mesmo de passar estes momentos para papel...E quando lançares o livro envias-me um exemplar para Moscovo!!! Um grande abraço do teu amigo
Joao Duarte
BBC Moscovo
Cameraman/editor
As letras excessivamente desenhadas do início parecem-me enganadoras e não de mulher. Confio mais nas últimas, mais cursivas, menos esforçadas. E parecem de um homem. Não que seja o mais importante. Também gosto desta história que se pode fazer com dilhetinhos: documentos.
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