Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quinta-feira, novembro 30, 2006

Tá difícil vender papel

O homem voltou a ser notícia, ontem, na Focus e no Público… mas não havia necessidade.


Conheci o José Esteves em 1994, quando iniciei o Casos de Polícia e, durante uns tempos, ele tentou explorar essa oportunidade para chamar as atenções sobre si. É um tipo que sempre viveu de esquemas estranhos. Sempre teve uma conduta bizarra, muitas vezes sem necessidade. Uma vez, lembro-me de o ter entrevistado sob intimidação de uma arma que ele deixava vislumbrar, abrindo discretamente o casaco, num coldre colocado por baixo do sovaco. Noutra ocasião, apareceu sem aviso para me emprestar um rádio com as frequências da polícia, “que me iria ser muito útil” segundo garantiu, embora de facto eu não precisasse daquilo para nada. Devolvi-o uma semana depois. Uma outra vez abriu, em cima da mesa, um pequeno saco com diamantes angolanos. Era useiro e vezeiro neste tipo de actuações, para espantar o interlocutor. Outras vezes, reivindicava contactos pessoais ao mais alto nível da política (sempre da direita) para encenar poder. Mas, realmente, é um pobre diabo. Era difícil acreditar numa palavra daquele homem. Tanto dizia sim como não, dependendo das circunstâncias do momento. Sempre tive a impressão de que tinha comportamentos psicopatas. Não percebo porque continuam a entrevistá-lo. Um tipo assim, não merece crédito. Mesmo quando fala verdade, mente.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Habemus Barradas

Ontem, cheguei a casa ainda a tempo de o ver na pantalha a falar sobre o grande show do momento: a visita papal à Turquia. O Barradas ressuscitou. Milagre!, dirão os mais crédulos. Mas não foi. O Barradas terá de agradecer a outros, que não Deus ou o Papa.


A RTP demorou quatro anos a perceber que lhe faltava um comentador de política internacional de grande craveira, um poço de cultura, poliglota, de raciocínio felino. Mas ainda foi a tempo. É uma ironia, mas foi uma óptima maneira de assinalar os quatro anos de semi-desemprego do João Carlos Barradas, desde que foi despedido pela SIC. Foi precisamente em Novembro de 2002 que ele e o Waldemar Abreu receberam a famigerada cartinha registada com o aviso de despedimento… foram os primeiros, mas outras cartinhas seguiriam nas semanas e meses seguintes.
No reptilário, os “cabeças de vaca” (como o Barradas lhes chamava) devem ter caído de cú.

terça-feira, novembro 28, 2006

United Colours

O Observatório Europeu do Racismo e Xenofobia, no seu relatório anual, diz que em Portugal há poucos registos de actos racistas ou discriminatórios por motivos étnicos.
Ora, todos sabemos que, se é assim, é porque as pessoas não vão para a esquadra participar de quem os ofende. Não estão para perder tempo, arranjar ainda mais problemas, essencialmente porque têm a percepção que seria inútil. Pois, eu penso que deveriam fazê-lo, mesmo sendo inútil… quanto mais não fosse para não permitirem a existência de uma estatística cor-de-rosa, para não permitirem a manutenção de uma mentira.
De resto, acho que esse índice deveria contar com mais factores, para além da participação policial, tais como, por exemplo, a dificuldade de uma pessoa não caucasiana em arranjar emprego que não seja nas obras, nas caixas dos supermercados ou nas boutiques dos centros comerciais…Conheço vários casos em que pessoas negras foram rejeitadas para determinadas funções porque “seria mau para o negócio”. Ora, se isto não é racismo, não sei o que será. Revela o preconceito do empregador, provavelmente consequência do preconceito generalizado na população.
Além disto, acho que o racismo tem sido pouco e mal estudado. É que, convém não esquecer, o racismo não tem um só sentido. É uma acção que provoca reacção. Às vezes, mais do que isso. Provoca mesmo explosão.

domingo, novembro 26, 2006

Notícias da crise

No Público da passada 6ªfeira, uma notícia dava conta de uma reunião mundial de responsáveis editoriais da imprensa escrita realizada em Madrid.
Li que esses senhores terão chegado à conclusão que os jornais continuam de boa saúde e a vender bem. Só se for lá nos países deles, digo eu. Hoje, segundo as estatísticas, os jornais portugueses estão a vender cada vez menos, perdem leitores todos os dias.
A notícia do Público limitava-se a dar eco das opiniões de alguns dos participantes dessa reunião. E acrescentava uma história confusa sobre um jornal polaco que conseguiu inventar um modo de interagir com a população da sua cidade e, agora, parece que o povo escreve notícias e publica fotos (a partir dos telemóveis) dos acontecimentos locais… (um pouco à semelhança do que se passa com os blogs… também eu, por exemplo, publico fotos aqui a partir do telemóvel, como as fotos de hoje, por exemplo).


Bom, há dias contei 11 leitores de jornais na carruagem do metropolitano onde ia. Eram onze. Todos a ler jornais gratuitos… nenhum com o Público, nenhum com o Diário de Notícias, o Correio da Manhã, o Avante, nem sequer nenhum com a Bola ou o Record, nem o Washington Post, o Pravda, o Corriere della Sera, a Folha de São Paulo ou o El País ou qualquer outro que custasse dinheiro. Estavam todos com o Destak e o Metro.


Bom, sempre iam a ler qualquer coisa, mas se isto não é crise da imprensa escrita convencional, então não sei o que significa crise.

sábado, novembro 25, 2006

Casos de polícia (da série Reptilário)

O julgamento do processo Casa Pia vai na 251ª sessão e, hoje mesmo, completa dois anos de duração, com mais de 211 pessoas ouvidas em audiência, até agora.
Sendo certo que o processo tem dimensões pouco habituais, também é certo que todas as partes envolvidas têm sido exímias no exercício de estratagemas para baralhar, confundir e dificultar o desenrolar do julgamento e a apreciação do júri.
Dir-me-ão que esses estratagemas são expedientes legais e, portanto, de uso legitimo. Pois são. Mas a verdade é que por este andar jamais se fará justiça, seja ela qual for. Um julgamento não pode durar dois anos. E, este, talvez nem em três se consiga cumprir.
Enfim, são as teias da lei que propiciam este tipo de expedientes. Por exemplo, ando há mais de um ano a caminhar para o Tribunal de Oeiras para depor como testemunha num processo que o jornalista Jorge Schnitzer moveu contra a SIC. O processo trata de uma questão de direitos de autor. Schnitzer foi o autor de um programa que esteve no ar mais de 10 anos e a SIC nunca lhe pagou as autorias. Em vez disso, despediu-o. Agora, Schnitzer tenta receber aquilo com que se compram melões e que Balsemão se recusa a pagar.

Jorge Schnitzer no Tribunal de Oeiras, esta semana (foto tirada com o meu telemóvel)

Ora, porque diabo o processo não avança? Por que razões andam as testemunhas para trás e para a frente, a perder tempo e a gastar dinheiro em excursões à porta do tribunal? Porque o dono da SIC falta sistematicamente às sessões. Farto desta brincadeira, Schnitzer dizia, na passada 3ªfeira, que ia solicitar ao juiz que, para a próxima vez, mandasse a GNR à Quinta da Marinha para escoltar o réu até ao tribunal e, assim, o julgamento possa ter início. Adorava ver… mas acho que este juiz não se chama Baltazar Garzon.

o juíz Baltazar Garzon(foto da Wikipedia)

O julgamento foi adiado para Abril de 2007.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Nas melhores livrarias do país

A Partilha do Indivisível está à venda a partir de hoje. É um livro de fotografias de dois repórteres, um moçambicano e outro cabo-verdeano. Tem oito textos, também. O sexto, sobre a pandemia da Sida, foi escrito por mim.


O livro dá uma excelente prenda de natal. É um bocado como comprar aqueles cartões da UNICEF. Só que aqui ajudamos a ACEP - Associação para a Cooperação Entre os Povos, uma ONG portuguesa dedicada à educação para o desenvolvimento.
Para mim, é o primeiro sucedâneo deste blog... parte do texto foi aqui escrito primeiro.

quarta-feira, novembro 22, 2006

5ª dimensão

Aqui há dias ouvi alguém recordar o tempo em que ia com a família ver televisão ao café. Quem falava é um cinquentão (mais velho que eu) e invocava memórias da meninice. Os pais bebiam galão e as crianças sumos. E viam televisão sentados, se chegassem cedo. Em pé, se chegassem tarde. Era o tempo em que o visionamento da televisão era um hábito comunitário, partilhado e, provavelmente, discutido. Depois, a televisão começou a isolar as pessoas. A banalização do aparelho, em simultâneo com outros electrodomésticos, tirou a televisão das áreas públicas para dentro de casa. Hoje, dizia-se em fecho desta conversa que vos relato aqui, há um televisor em cada quarto e mais outro na cozinha. Ver televisão é, agora, um acto solitário e, por vezes, até pode ser alienante. Penso que a televisão perdeu sabedoria.

Não me lembro de ter vivido esse fenómeno da televisão comunitária. Lembro-me que o primeiro aparelho chegou a minha casa uma semana antes do homem ter chegado à Lua, em 1969. Lembro-me de ver (a preto e branco) o astronauta Armstrong aos saltinhos na superfície lunar. Devo ter ficado fascinado.
Mas, em 2000, observei esse fenómeno que leva uma comunidade em peso olhar para uma janela de luz e som. Foi em Bili, no norte do Congo. Um dia, uma senhora pediu-nos o pequeno gerador portátil emprestado e convidou-nos para ir a casa dela, nessa noite, ver filmes. Televisor e leitor de cassetes ela tinha, mas faltava-lhe energia para os por em funcionamento. Lá fomos, mais por cortesia que por vontade de ver televisão. Estava lá toda a gente. E a senhora cobrava bilhetes pela entrada. Cada pessoa, além de pagar o direito de acesso, carregava a sua própria cadeira.

Estavam mais de 70 pessoas a ver televisão, esbugalhados, a olhar para um velho documentário da BBC. Às vezes riam-se muito, outras vezes comentavam entre si o sucedido na pantalha. Era uma experiência partilhada com muito entusiasmo, curiosidade, atenção e alegria. Sei que, hoje, desde que haja energia, as sessões de televisão repetem-se em Bili, no norte do Congo. Em Santo Tirso é que já não (excepto quando joga o fêquêpê).

terça-feira, novembro 21, 2006

O botão essencial

Tenho um amigo que costumava dizer que quando queria ver televisão tinha de ser ele a fazê-la. Brincava, exercitando um humor muito peculiar que sempre o caracterizou. Mas, realmente, agora que ele já não faz mais televisão, reparo que, de facto, o Mário tinha razão… a televisão está uma trampa. Quanto mais concorrência, menos diferença encontro entre os vários canais. Tendem todos para o mesmo: concursos e telenovelas. Quem vê um, vê todos, principalmente se falamos dos canais privados, os tais que vieram para libertar a televisão do jugo estatal. No princípio, enfim… lançaram algumas pedradas ao charco, sem dúvida. Mas agora… Vão por mim: a televisão não é tudo na vida, há muitas outras coisas para fazer.

A televisão, como entretenimento inodoro, faz sono. Mesmo as notícias não substituem a realidade. Não se limitem a conhecer o mundo por essa falsa janela.
Ah! E nunca se esqueçam que o aparelho vem com um botão de ligar/desligar.

sábado, novembro 18, 2006

Os armazéns de marfim e a espiral da História

O reino do Benim era rico. Dizia-se que esse rei tinha armazéns cheios de dentes de marfim e pepitas de ouro. Além disso, para controlarem completamente o comércio no Golfo da Guiné, os cônsules ingleses exigiam que o reino fosse conquistado. Os ingleses estavam fortificados na foz do rio Benim. Mas o interior do território era controlado pelos negros.
Em Fevereiro de 1897, foi feito o ataque. Os ingleses conquistaram a cidade, pilharam-na e incendiaram-na. Nunca chegou a averiguar-se quantos habitantes de Benim foram mortos pelas tropas britânicas. O que veio nos jornais ingleses da época foram os relatos dos bárbaros sacrifícios humanos praticados por aqueles selvagens. A acreditar nesses relatos, nunca algum habitante do Benim teria morrido de causas naturais… de modo que, o ataque, a invasão e o extermínio levados a efeito pelos ingleses acabaram por ser justificados pela necessidade de salvar, pela civilização, as pessoas do Benim sujeitas a hábitos tão incivilizados.
Esta e muitas outras histórias relativas à colonização de África podem ser lidas em “Exterminem Todas as Bestas”, livro escrito por Sven Lindqvist, um viajante sueco que escreve sobre as terras por onde passa. E já escreveu mais de 30 livros…
Agora, transponham esta história que acabo de relatar para a actualidade. Uma outra potência invade um estado bastante mais fraco, sob o pretexto de ir livrar a população da opressão exercida pelos dirigentes políticos locais. Tudo acaba numa chacina inútil, em que ninguém se dá ao trabalho de contar as dezenas de milhar de mortos de um lado, mas sabe-se com exactidão que já morreram 2.263 marines do outro lado. Tudo isto, finalmente, apenas para controlar os “armazéns de marfim”…

sexta-feira, novembro 17, 2006

Desafinação

Andei anos sem entrar num transporte público. Digo-o sem ponta de pedantismo. Acho que o mesmo acontece com milhões de cidadãos que não se encaixam nos apertos, na inadequação, nos horários dos autocarros e do metropolitano.
A percepção que temos do mundo depende muito do estilo de vida que levamos, de facto. Para mim, Lisboa tinha menos pedintes, agora, do que há 20 anos. É verdade que, volta e meia, me apareciam uns miúdos romenos a vender isqueiros nos semáforos, sim, as ciganas continuavam a tentar ler sinas em algumas esplanadas, via alguns sem abrigo cobertos de cartão nos vãos de escada, mas todos eles, romenos, ciganos, sem-abrigo, eram aparições fugazes, passavam de raspão e não me tocavam. Isto é, não me incomodavam.

Um dia destes andei de metropolitano, de novo. Aproveitei para um tour pelas novas linhas e estações (embora já estejam feitas há anos, para mim são novas). Foi bom, até que apareceu um cego tocador de sanfona, com uma caixa de esmola pendurada. O homem entrou na carruagem e tocou… tocou… tocou… volta e meia, entoava o refrão “Olhó ceguinho!! Ajuuudem o ceguinhoooo!...”. Insistiu durante uma boa parte do trajecto. Angariou alguns cêntimos e, depois, mudou de carruagem. Também saí… no corredor em direcção à superfície, havia outros tocadores de miséria. Uns sentados em banquinhos, outros no chão exibindo mazelas físicas. Tal e qual há 20 anos. Não mudou quase nada, afinal de contas.

quinta-feira, novembro 16, 2006

O vencedor do costume

Como já devem saber, Joseph Kabila foi declarado vencedor das eleições presidenciais no Congo. A comunidade internacional deu cobertura ao processo eleitoral e declarou que tudo se passou de modo transparente, livre e justo. Agora, nada mais se pode fazer, excepto recomeçar a guerra civil. Duvido que Bemba o queira fazer, se conseguir uma repartição equitativa do poder e das riquezas do país. Talvez outros grupos rebeldes mais pequenos e desenquadrados deste jogo político prefiram continuar a desestabilizar o país e a tentar substituir-se à autoridade do estado. Mas, se Bemba alinhar com o novo poder institucional, Kabila tem boas probabilidades de conseguir, pela primeira vez, controlar o imenso Congo.
foto da Associated Press
Mas tudo depende da capacidade negocial de Kabila. Tudo depende de quanto ele vai querer abrir mão. Essa é a grande dúvida. Kabila deve ser um tipo cheio de medo e desconfiança. Vive em Kinshasa rodeado por uma guarda privada de 15 mil homens. É um exército pessoal temível, quanto mais não seja pelo número de soldados. Alguns nem serão congoleses, suspeito. O regime de Kabila foi, digamos assim, imaginado e suportado por Luanda, desde o primeiro minuto. Duvido que José não continue a apoiar Joseph, nestas horas de incerteza. Se Kabila não tivesse sido declarado vencedor, como teria reagido esse exército? Quem teria capacidade para o desarmar?
foto minha, em Bondo, à hora do almoço
Portanto, é bom que o povo saiba que pouco poderá esperar destes senhores que, agora, se vestem da dita legitimidade democrática. A vida continuará dura e faminta mas, pelo menos, que não os matem impunemente nem os escravizem, como até agora.

quarta-feira, novembro 15, 2006

O bimbo do natal

À hora do almoço fui passear para o Chiado. É das mais interessantes zonas de Lisboa. Tem sempre uma multidão heterogénea, cosmopolita, muita gente com ar irreverente mesmo se todos andam obedientemente pelo passeio.
Estavam a montar as iluminações de natal. Umas bolas vermelhas plastificadas que, iluminadas por dentro, irão dar um efeito engraçado, de certeza. Os operários que estavam a fazer aquilo eram de uma empresa de Espinho. Vêm de longe, iluminar a capital… mas, digo-vos, sempre foi assim. Sempre vieram de Espinho, garanto-vos.Há 23 anos (o tempo voa…) estavam três dos melhores repórteres da RTP, no Rossio, a preparar o arranque de uma reportagem conjunta sobre “Lisboa à Noite”, discutíamos (eu, o Mário Lindolfo e o Paulo Dentinho) como fazer a ligação entre o trabalho dos três… e foi, então, que o Mário Lindolfo olhou para a copa de uma daquelas árvores que ainda lá estão e viu um homem pendurado lá em cima. Estava a desmontar as luzes do natal, disse o operário. E vinha de Espinho. Dormia numas arrecadações na Feira Popular, em Entrecampos. Era a primeira vez que estava em Lisboa. Tínhamos encontrado o elo de ligação para as nossas histórias! Desconfiado das nossas intenções, primeiro recusou-se a descer da árvore para falar connosco. Mesmo assim, convencemo-lo a alinhar, depois de muita conversa e da promessa de lhe pagarmos o incómodo. Cada um de nós iria levar aquele homem a conhecer um aspecto de Lisboa by night. Ele, que quando tinha saído de casa trouxera consigo o bilhete de identidade da sua senhora, para que ela não pudesse circular muito à vontade… durante duas noites inteirinhas não dormiu e aprendeu a conhecer Lisboa como poucos. Foi assim que ele foi às casas de fado do Bairro Alto, desceu com o piquete de emergência aos esgotos da cidade, provou a diferença entre vodka laranja e tinto carrascão, dançou com travestis no Finalmente e foi apanhado numa rusga no Intendente. O que aquele homem cresceu naquelas duas noites é algo difícil de explicar. No fim, aquele a quem chamávamos afectuosamente “bimbo”, na sua última entrevista, ao amanhecer do segundo dia, no Miradouro da Senhora do Monte, olhava para Lisboa e dizia, efectivamente…

segunda-feira, novembro 13, 2006

Sol gralhado

Tive uma avó que me avisou insistentemente que “nem tudo o que luz é ouro”.
Dizia-o com carinho sincero, preocupada com as ilusões que todos carregamos ao longo da vida.
Porque raio estou a falar da minha avó, quando quero é falar do jornal Sol? Porque, quando o Sol apareceu, tive esperança de ter encontrado um jornal novo, de jornalismo irreverente e bem escrito. Comecei a recear quando percebi que a maior parte da redacção ia ser composta por jovenzitos empolgados mas necessariamente ignorantes, baratos mas inevitavelmente trapalhões.
Ontem, li esta notícia no sítio do Sol:
Título: Jackpot do Euromilhões sobe para 180 milhões
Corpo da notícia: "Nenhum apostador adivinhou a chave completa do sorteio de sexta-feira do Euromilhões, pelo que, na próxima semana, está em jogo um jackpot de 180 milhões de euros.
De acordo com o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, dois totalistas portugueses vão receber o segundo prémio (617.824,23 euros, cada) e três o terceiro prémio (72.549,72 euros)".
Moral da história: a gramática é dispensável e os totalistas já nem precisam de acertar em todos os números.
Vamos todos ter de comprar protector solar, está visto.

domingo, novembro 12, 2006

O meu computador novo

De repente deixei de ver. Ficou tudo negro. Através de uma penumbra densa conseguia adivinhar letras e símbolos. Experimentei apontar uma lanterna contra o ecran e lá consegui ver a seta do rato e clicar de modo a transferir os documentos essenciais para uma pen. Mas não é modo de trabalhar com um computador, de lanterna apontada ao ecran. Levei-o a duas micro-clínicas. O mal parece de difícil cura e nenhuma aceitou a tarefa. Terei de contactar directamente a assistência da Compaq. Teria de ficar dias a fio sem computador em casa, o que já não é uma opção: leio os jornais pelo computador, vejo se chove ou faz sol pelo computador, falo com amigos que vivem longe pelo computador, enfim... uma boa parte da vida já a faço através desta maquineta. Comprei um novo. Chama-se Toshiba. Primeira constatação: em quatro anos, os portáteis baixaram de preço 50%. Segunda constatação: a máquineta já está desactualizada. Li que o patrão da Microsoft acredita que dentro de poucos anos os ratos e os teclados estarão obsoletos. Falaremos com o computador. Os mudos usarão o touch screen... até as impressoras e o papel irão desaparecer. Isto, na parte industrializada do mundo, claro. Só espero que os preços continuem a baixar.

sexta-feira, novembro 10, 2006

As coisas que um homem lê

Dedicado à memória de todas as 150 milhões de mulheres que já foram mutiladas.
É um livro obrigatório. Uma reportagem de investigação exemplar.
Escrito com serenidade, apesar de tudo.


É um livro que mete raiva.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Cidade de Deus

Em 1989, passei 4 meses no Rio. A trabalhar. O Brasil estava em transição política para a democracia e era notícia de 1ªpágina em todo o mundo. Nem fui ao Corcovado, juro. O Rio era a base, era lá que o delegado da RTP tinha escritório e estúdio de televisão montados. O grande Reinaldo Varela, que já cá não está, era um companheirão. Para trabalhar e para a paródia. Mesmo assim, foram meses de alguma solidão. Podemos estar a trabalhar com alguém, mas há sempre a hora em que essa pessoa volta para casa e nós para o hotel.


O Meridien em Copacabana
Num desses regressos, ao princípio da noite, deambulava distraído pelas esplanadas de Copacabana, onde os turistas não sabem bem se estão a ser engatados por mulheres se por travestis. De repente, uma miúda, bonita, atravessa-se à frente e pede-me lume. Parei, claro. Tirei o isqueiro do bolso e… apareceu outra, também bonitinha, que se meteu logo comigo, chamando-me de gatão, bonzão, essas coisas… e passava-me a mão pelas costas. Logo uma terceira se colocou do outro lado, com a mesma conversa. Fiquei inebriado. Tinha seis mãos a tocarem-me por todo o lado. E continuava com o isqueiro por acender. De repente, sinto uma das mãos dentro do bolso esquerdo das calças a tentar sacar o rolo de notas que lá estava. As jeans, apertadas, deixavam transparecer boa parte do conteúdo… mas também, por estarem justas, limitaram a agilidade da mão da garota, que não conseguiu tirar-me o dinheiro. Quando percebi que estava a ser assaltado, e não apenas apalpado, comecei aos empurrões e gritos, afastei-as de mim e afastei-me dali rapidamente. Praticamente, estava na porta do hotel. O porteiro tinha visto tudo e disse-me para não repetir aquilo. Quando se resistia a um assalto, corria-se sério perigo de vida. Por isso, os brasileiros nunca resistiam e se deixavam tiranizar pela bandidagem.
tomada de posse de Collor
De tal modo que até votaram no Collor de Melo, afinal, o chefe do gang…

terça-feira, novembro 07, 2006

Duas velhas bem guardadas

Kosovo, 2001.

Maria e Teodora, eram duas velhotas, para lá de septuagenárias, guardadas à vista por um pelotão de soldados da KFOR. Não que estas freiras católicas ortodoxas fossem perigosas criminosas, mas porque os habitantes da aldeia próxima, muçulmanos albaneses, as queriam matar.

padre Stefan Puric
Isso já tinha acontecido com o padre Stefan Puric que, anos antes, foi à aldeia comprar pão e nunca mais voltou a casa. Na aldeia, ninguém o viu. Ninguém, ninguém. Um silêncio cúmplice que encobriu o assassinato do padre, talvez para sempre.
Não eram só as pessoas que desapareciam, mas também todo o património histórico medieval, a memória de quando aqueles territórios eram fronteira entre o ocidente e o oriente.

O Mosteiro de Budisavci, julgo que era assim que se chamava o local, foi construído no século XVI com as pedras de uma igreja do século XIV. Quando a Jugoslávia se desagregou, os muçulmanos atiraram-se às igrejas ortodoxas, aos cemitérios sérvios, aos mosteiros, aos museus, aos castelos, aos monumentos e tudo vandalizaram e destruíram.


Quando as acções foram bem organizadas, usaram dinamite e o problema resolveu-se em definitivo. Quando não, limitaram-se a queimar os interiores e a partir tudo quanto puderam. Foi o que aconteceu em Budisavci.

Os soldados portugueses gostavam daquela missão. As velhotas eram simpáticas e os soldados podiam gozar dos prazeres de uns dias no campo. Compravam, muito barato, o mel produzido nas colmeias que as freiras lá tinham e entretinham-se por ali, patrulhando as redondezas.

No Kosovo, a etnia albanesa levou a preceito uma limpeza cultural metódica. Tentaram apagar todos os vestígios do secular domínio sérvio. É uma estupidez colectiva de todo o tamanho. Os albaneses deviam olhar para si próprios e perceber que há heranças que não se apagam. Boa parte da História da humanidade tem sido feita assim, de vingança em vingança.

sábado, novembro 04, 2006

A alma à lupa

O Contra-Informação está a festejar 10 anos de existência. Parabéns. Sou fã incondicional.
Sempre gostei, de resto, de cartunes e caricaturas.
Os exageros dos bonecos são como lupas à nossa disposição para observarmos a personalidade do verdadeiro boneco.
O primeiro boneco que me chamou a atenção, já lá vão dezenas de anos, foi um desenhado por Augusto Cid. Era o boneco de um político importante, um tipo que Cid caricaturava sem cara, que é como quem diz sem alma, sem coração.
Esse senhor, enquanto político nunca conseguiu superar a imagem que o boneco de Cid lhe colou à pele.
Talvez por isso, nunca venceu umas eleições.
Dou um doce a quem adivinhar de quem se trata, a partir desta reles imitação desenhada por mim próprio, à falta de um original… Se não adivinharem, sei que a culpa é minha.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Ensinar a ler

Na rádio que me embala nos engarrafamentos matinais, ouvi a notícia de uns técnicos cubanos que vão lançar um projecto de alfabetização de adultos através de cassetes vídeo.
Pareceu-me que a voz do Fernando Alves acusava a emoção ou a esperança que uma coisa destas provoca. Na África mais pobre, a maravilha da tecnologia a ensinar pessoas a ler. E em português. O projecto chama-se TV Escola, se ouvi bem. E veio-me à memória um outro projecto, também ensaiado na Guiné-Bissau, de uma outra Tv escola, também em português. Mas esta era em directo, aproveitando a facilidade do país ser plano como uma tábua. A cooperação portuguesa levou centenas, milhares de televisores e antenas de recepção, uma pantalha para cada tabanca da Guiné. A ideia era, precisamente, passar a mesma tv escola que existia aqui em Portugal. Se servia para ensinar meninos portugueses das aldeias recônditas do país, serviria também para ensinar meninos guineenses. O projecto faliu. Os painéis de energia solar não funcionavam bem, as baterias que alimentavam os televisores esgotavam-se, a humidade deu cabo de tudo, não havia técnicos para fazer tanta manutenção. As lixeiras da Guiné ficaram cheias daquela tecnologia impreparada para ambientes agrestes.
Parece que o governo guineense está cheio de esperança. Mas haverá ali algum ministro que se lembre das experiências passadas, nos idos de 80, e das razões pelas quais não funcionaram? Terão acautelado sobressalentes e técnicos para as reparações que surgirão, fatalmente, quer pela agressividade ambiental quer pela falta de jeito de quem nunca manuseou coisas daquelas?
Ou será por isso que se espera que em quatro meses os alunos aprendam a ler e a escrever? Para não dar tempo às avarias…

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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