Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, janeiro 31, 2007

Crack house (continuação do post anterior)

Outro pormenor do modo expedito como se aplica a Justiça nos States.
Em Washington (e provavelmente em muitas outras cidades, se não em todas) quando a polícia desmantela uma organização de venda de droga, nomeadamente de crack, a casa do dealer é demolida (à semelhança do que fazem os israelitas com as casas dos palestinianos autores de atentados contra Israel), mesmo se nessa casa vivam outras pessoas que eventualmente não estejam relacionadas com o negócio. Imaginem que o pai é passador de crack, mas a mulher e os filhos não têm nada a ver com o caso. Pois, a casa vai abaixo, na mesma.

Vi isso acontecer quando por lá andei, em 1996. Quem me informou dos pormenores desta política foi mesmo um funcionário do governo americano. Os americanos acreditam que pelo castigo podem vergar o indivíduo.

Acreditam nisso e aplicam essa filosofia em quase tudo, até mesmo no relacionamento com outros países ou, agora, na chamada guerra contra o terrorismo. No que respeita ao terrorismo, já se percebeu que a estratégia não vai resultar. Quanto ao tráfico de droga, também não acredito que resulte, até porque haverá sempre alguém disposto a arriscar tudo para fugir da indigência, isto é, aqueles que não têm nada a perder.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Drug dealers

A propósito de um texto sobre o racismo vigente nos EUA, no Pululu, veio-me à memória uma sala de audiências de um tribunal de polícia, em Washington, especializado em julgamentos sumários de casos de tráfico de droga, onde a fila de réus era longa e exclusivamente constituída por negros. Uma estranha coincidência porque, na rua, a maioria dos dealers era de raça branca ou hispânica.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Como se sabe, amor com amor se paga

Nino anda a pagar as dívidas que contraiu durante a crise de 1998/99. Depois de ter auxiliado o Senegal na guerra contra os rebeldes de Casamança, agora está a auxiliar a Guiné-Conakri na repressão das manifestações populares. Está confirmada a presença de tropas da Guiné-Bissau em Conakri, concretamente em Buruntuma, uma cidade do norte do país.
Recordo que tanto Abdoulaye Wade, o presidente senegalês, como Lansana Conte, o presidente da Guiné-Conakri, prestaram auxílio com tropas durante os meses em que Nino Vieira defrontou a rebelião de Ansumane Mané. Embora tenham sido derrotados e Nino tenha sido obrigado a fugir para o exílio em Portugal, a dívida ficou e, agora que Nino voltou ao poder (legitimado por eleições), chegou a hora de pagá-la.
A Nino não interessa saber quais as circunstâncias em que surgiu a instabilidade na Guiné-Conakri, nem sequer se o velho ditador Conte tem alguma legitimidade para se agarrar ao poder desde 1984. Interessa-lhe sim que os regimes vizinhos sobrevivam porque isso lhe garante, em princípio, apoio institucional para si próprio.

Bissau, 2004

As tropas que Nino enviou (e que se têm evidenciado pela crueldade com que actuam) são a nova elite do exército guineense, os conhecidos “aguentas”, um corpo criado precisamente em 1998 para a guerra contra Ansumane Mané. Na altura, lembro-me bem, os “aguentas” não passavam de um bando de miúdos arrebanhados nas ilhas dos Bijagós, sujeitos a uma apressada recruta militar e que constituíam uma espécie de guarda pretoriana de Nino. Morreram que nem tordos, principalmente na ofensiva final de Ansumane contra Bissau. Os sobreviventes foram presos e, pouco depois, devolvidos às famílias. Ansumane chamou-lhes, na cerimónia de libertação, “os nossos meninos”, referindo-se ao seu desejo de que todos os jovens do país pudessem ter uma vida sã e longa. Coisa que ele não teve, como se sabe.

domingo, janeiro 28, 2007

O grito dos caranguejos

Quando trabalhamos em rádio, aprendemos a dar real importância ao som. Em televisão, o som também é importantíssimo, claro, mas a atenção está centrada no “boneco” que mexe, não no som, até porque em muitas situações as imagens nem precisam de som para ter grande impacto. Lembro-me de uma reportagem que fiz (para a SIC) em Bissau, já no fim da guerra civil, em 1999, numa escola onde tinham caído uns obuses e morrido dezenas de pessoas que se tinham refugiado ali, pensando que estariam a salvo. Quando lá cheguei, dois dias depois, já não havia cadáveres, mas havia as fotos tiradas pelo padre João e que provavam a mortandade inútil e criminosa de dezenas de civis, homens, mulheres e crianças. Filmei as fotos e, na montagem da reportagem, não pus qualquer som sobre essas imagens. Teve um impacto tremendo, soube depois, era um silêncio difícil de suportar, disseram-me.
Depois, na TSF, onde trabalhei durante 2004, aprendi a valorizar o som ao pormenor. A rádio exige sons limpos, audíveis, palavras bem soletradas. A rádio pede-nos textos descritivos, que substituam a imagem que não existe, mas que se forma na cabeça de quem ouve. A rádio pede-nos sons luminosos, como o crepitar das chamas nos fogos da Arrábida, o chape-chape do Tejo contra o costado dos botes da pesca artesanal, o tremor na voz de quem vai ficar sem a barraca no Bairro Estrela d´Africa, a exaltação contida de quem vai ficar sem o emprego na Docapesca, o tic-tic-tic da agulha eléctrica do tatuador no Vale das Almas (memórias soltas dos trabalhos que fiz na TSF). O pior que pode haver em rádio é ruído na comunicação. É por isso que sempre detestei aqueles momentos dedicados à bolsa, em que alguém despeja uma catadupa de palavras estranhas e pouco perceptíveis sobre o sobe e desce, as percentagens, os ganhos e perdas, das empresas e dos índices de não-sei-de-quê. Aquilo deve ser bem pago pelos patrocinadores, mas, na minha opinião, não faz sentido em rádios generalistas, julgo que só afugenta ouvintes.
O som é, portanto, da maior importância para a percepção que temos da vida. Como já repararam, há sons que nunca esqueci, como o do serrote na tíbia do senhor Nicolau. Estou-me a lembrar, também, por exemplo, de um som estranhíssimo que, julgo, a maioria das pessoas nunca ouviu. O som do caranguejo. O caranguejo emite sons, baixinho mas emite. Há uns anos, há muitos anos, de facto, estava com o Paulo Dentinho e o António Hipólito na Ria Formosa, filmávamos mais um episódio da série “Linhas de Pesca” para a RTP, dentro de um bote de pesca artesanal. O pescador dedicava-se à apanha de caranguejos. Uns bichos pequeninos, que ele devia vender muito barato. Tinha centenas deles já, dentro de uma rede enorme. Num momento de silêncio entre nós, apercebi-me de um som que vinha do saco de rede. Uma espécie de ra-ra-ra-re-re-re-ra-ra-ra baixo, quase inaudível. Mas estava lá, o som. Eram as centenas de caranguejos que gritavam, aflitos, como se estivessem a adivinhar o que lhes ia acontecer.

sábado, janeiro 27, 2007

Casos de polícia


A eleição de Francisca Van Dunen para o cargo de Procuradora Distrital de Lisboa é um acontecimento relevante para o país. Primeiro, por ser uma mulher e, depois, por ser uma mulher negra, nascida em Angola.
Francisca Van Dunen vai chefiar uma equipa de 21 Procuradores Gerais adjuntos, entre os quais a célebre Maria José Morgado.
Francisca Van Dunen chegou a Portugal em 1977, fugida das purgas do regime angolano, depois da morte de um irmão, José Van Dunen e da cunhada, Cita Valles, acusados de conspiração e assassinados na cadeia.
Deve ser uma “mulher do caraças”.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Kosovo-quase-independente

No início de Fevereiro, vai ser divulgado o plano da ONU para o futuro do Kosovo.
Um plano mantido em segredo, até agora. Nem uma palavra transpirou para a imprensa. O que se sabe é que as potências envolvidas na discussão – Rússia, EUA e vários países da Europa ocidental – estão divididas. A Rússia sempre foi aliada da Sérvia e, portanto, defende o ponto de vista sérvio que é o de manter a província do Kosovo integrada no país. Os EUA deverão apostar na independência do Kosovo. Os americanos já lá têm Camp Bondsteel, uma enorme base militar e, se a construíram, é porque querem manter o território sob seu domínio, até porque o Kosovo pode tornar-se num santuário fundamentalista muçulmano e isso eles não quererão deixar que aconteça. A base militar americana é, por outro lado, mais uma razão para a Rússia tomar posição contra os EUA. Os europeus (Inglaterra, França, Itália, Alemanha), como de costume, andarão divididos e cada qual a jogar pelo seu lado.
A decisão final caberá ao Conselho de Segurança da ONU. Será lá, em Nova Iorque, que a verdadeira negociação irá ter lugar. Mas a Rússia ou a China poderão sempre vetar.


Estou curioso para ver como irão as potências lidar com conceitos simples como, por exemplo, o direito dos kosovars à autodeterminação, o direito a decidirem o seu próprio futuro.
Também quero ver como irão ser acautelados os direitos das minorias que subsistem no Kosovo, nomeadamente a minoria sérvia que, ainda hoje, continua a viver enjaulada nos chamados “enclaves”, protegidos por tropas estrangeiras, sob pena de serem massacrados pelos mais fanáticos dos kosovars.
Sempre que penso neste assunto, lembro-me de Mitrovica, uma cidade dividida por um rio onde, de um lado vivem os albaneses e do outro os sérvios. Também lá estavam os ciganos, mas desses não restou vivalma nem pedra sobre pedra.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Pigs in Space

A China destruiu um dos seus satélites meteorológicos, disparando um míssil balístico de médio alcance. O satélite em questão era uma máquina velha e sem préstimo. O expediente utilizado pela China poderá ser entendido como um meio expedito de retirar do espaço um trambolho que já não funcionava. Mas o tiro certeiro num pequeno objecto espacial a mais de 500 quilómetros da Terra também revela as actuais capacidades militares da China. E essa revelação é preocupante, pelo menos por duas razões. A primeira, é que não se percebe porque diabo a China quis revelar ao Mundo a sua capacidade para deitar satélites abaixo, já que podia manter o segredo. A segunda, é que até hoje ainda não se fez uma arma que não tivesse sido utilizada.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Ryszard Kapuscinski, "o africano"

Ao ouvir a rádio, esta manhã, quando distribuía os meus filhos pelas escolas, ouvi a notícia da morte de Kapuscinski, um estranho polaco que contou África como poucos.
Ryszard Kapuscinski escreveu coisas espantosas sobre os africanos, durante décadas. Correu o continente de lés a lés, sempre atrás das revoluções, golpes de estado e guerras sem fim. Escrevia notícias e escrevia livros.

Os relatos de Kapuscinski levaram-me para o jornalismo e, talvez, para África. A notícia da sua morte só podia recebê-la de outro africano, realmente. Todos nós, africanos, acabamos de perder alguém que admirávamos.
Durante décadas, Kapuscinski escreveu sobre o que viu e sentiu: a exaltação das independências africanas, a esperança no futuro, as desilusões, a amargura das guerras, o tribalismo e o racismo de que os africanos são vítimas e prevaricadores.


Contava histórias de gente simples, do quotidiano das aldeias, de “uma África que não existe”, tal como ele disse.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

É que os portugueses adoram o chicote!

Leitura aconselhada a todos os salazarentos.

Porque ela escreve como poucos e "vergasta" como ninguém. Leiam aqui.

domingo, janeiro 21, 2007

Sementeira do Diabo

Foi agora divulgado o relatório de 2005 da Hallo Trust, uma empresa de desminagem que actua em Angola, já há vários anos.
Então, os números são estes, só em relação à província do Bié: foram neutralizados e destruídos 3.045 artefactos explosivos. Destes, 1.326 eram minas anti-pessoal, 60 eram minas anti-tanque e 1.759 eram granadas e outros artigos deixados no terreno por explodir. Assim, foram limpos 28 campos de minas, distribuídos pelas localidades de Cuíto, Cunhinga, Catabola, Camacupa, Chitembo, Cuemba e Andulo. Agora, no Bié, já há 227 quilómetros de estradas seguras, isto é, desminadas.
Mas a tarefa ainda só agora vai a meio.

sábado, janeiro 20, 2007

Os amigos são para as ocasiões

O Frederico Duarte Carvalho é um tipo simpático e gosto de o considerar um amigo. Conhecemo-nos na famigerada Impala, quando aceitei ir para lá trabalhar para dirigir um novo projecto. No final, não havia nenhum novo projecto (os gajos ali são doidos) e, em menos de três meses, estava desempregado. A história da minha passagem pela Impala ainda está por contar, mas fá-lo-ei quando estiver sarado do nojo que nutro por aqueles bandalhos. Adiante.
O Frederico fez parte da redacção que formei para esse “novo projecto”. Quando aquilo abortou, também ele acabou por ficar desempregado. Assim ficou durante quase dois anos. Por ironia, agora está de novo na Impala. Os tipos já não conseguem convencer ninguém a ir para lá. Quando precisam de algum bom jornalista, têm de andar à procura entre os desempregados. Foi assim que o Fred aceitou o regresso. Por absoluta falta de alternativa.
Bom, mas esta conversa destina-se a chamar-vos a atenção para o blog do Fred… onde, num post recente, ele escreve que espera que seja o Salazar a vencer aquele concurso da RTP-1 sobre as grandes figuras de Portugal. Não só o desanquei na caixa de comentários, como o vou fazer, de novo, aqui. Como não acho que esteja a ser irónico, é preciso envergonhá-lo!
“Oliveirinha” Salazar a grande figura da História de Portugal? Nem pó, meus amigos! Logo ele, a quem devemos todos os males de que padecemos, todas a fraquezas do país. Ele que impediu a modernização do país, que protegia os industriais nacionais impedindo a concorrência das industrias estrangeiras. Depois, quando Portugal teve de enfrentar a globalização, foi o que se viu no Vale do Ave, na Marinha Grande, em Setúbal, por todo o lado.

Para Salazar, desenvolvimento económico era aferrolhar dinheiro e barras de ouro, era guardar notas em baús bafientos. Nunca foi investir, nunca. E, caro Frederico, o que dizer dos milhares de mortos e feridos, estropiados, das guerras coloniais? O que dizer do Tarrafal, de Peniche, do Aljube? Reprimiu a liberdade, suprimiu os direitos cívicos e políticos do povo, recusou-se a descolonizar no tempo certo, teimou na estupidez do “orgulhosamente sós”, erros que custaram a vida de milhares de pessoas, tanto aqui como nas chamadas províncias ultramarinas.
Frederico, o Salazar não prestou. Felizmente, não deixou descendência.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Edmundo Pedro


Ontem estive na apresentação do livro de Edmundo Pedro, o primeiro volume da biografia de uma vida exaltante. Fui levado pela mão de amigos que conhecem o Edmundo de há muito.
Vou ler este testemunho de alguém que sempre teimou em ser cidadão inteiro.
Acho que vou aprender muito.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Há os bons e os maus

Vista de fora, a Tunísia vive sob uma espécie de ditadura suave (se é que tal coisa existe…), onde alguns partidos políticos são tolerados desde que não perturbem o sono ao presidente Zine El Abidine Ben Ali que, como é bom de ver, chegou ao poder através de um golpe de estado.
O país tem petróleo mas vive à porta do Sahara e, para além de tâmaras, pouco mais se consegue tirar da terra. A riqueza é muito mal distribuída e a pobreza é grande e seria maior, muito maior, se não fosse o turismo. A Tunísia é um destino barato para os europeus. Fica perto, a duas ou três horas de voo da maioria das capitais europeias, é suficientemente exótico, tem muitos monumentos históricos (principalmente romanos) e as praias não são más. Todos os verões, os turistas reanimam a economia dos tunisinos, desde os vendedores de tapetes aos aldrabões que vendem falsas moedas romanas nas ruínas de Cartago.
Dir-se-ia que é um país de paz. Mas, volta e meia, a polícia política de Ben Ali descobre um grupo de alegados terroristas, sócios da Al Qaeda, e mata os que resistem à prisão. É assim que, nos últimos tempos, vários tiroteios têm abalado a pacatez da vida dos tunisinos. De vez em quando, também ocorrem atentados bombistas, como o que fez explodir a velha sinagoga sefardita de Djerba. Na Tunísia existem, de resto, vários locais sagrados para os judeus.
O último grupo desmantelado, um grupo fundamentalista sunita, parece que tinha armazenado explosivos em grande quantidade, mapas com a localização de embaixadas em Tunis e nomes de vários diplomatas, hipotéticos futuros alvos da acção armada deste grupo considerado próximo dos fundamentalistas islâmicos argelinos.
Não sei até que ponto estes alegados fundamentalistas são, realmente, um perigo para a estabilidade da região. Na Tunísia não há liberdade de imprensa e as notícias que saem do país são só as aprovadas pela censura oficial. Só por uma vez estive na Tunísia em trabalho, foi em 1991, durante a I Guerra do Golfo. O Norte de África era, então, considerado a terceira frente de batalha e temia-se que os movimentos fundamentalistas, na época alegadamente aliados de Saddam Hussein, tentassem derrubar os regimes do Magreb, nomeadamente em Marrocos e na Tunísia. Por lá andei, durante uns dois meses, a filmar manifestações anti-ocidentais e a entrevistar líderes fundamentalistas. Em Tunis, consegui chegar à fala com o líder do An-Nahdha, um partido político islamista. Era um tipo gordo, borrado de medo de vir a ser preso. Não me pareceu que fosse um grande perigo, mas quem vê caras não vê corações.
Agora, que volto a ler notícias sobre a repressão que se abate sobre os oposicionistas tunisinos, pergunto-me se a manutenção desta situação algo instável não será uma forma do regime autocrático de Ben Ali conseguir apoios no ocidente, nomeadamente na Europa. Deste modo, os ocidentais vão desculpando a falta de liberdades na Tunísia, a manutenção sem prazo da ditadura, sempre sob a desculpa de que o perigo islâmico espreita e que, do mal o menos, o Ben Ali não nos chateia.

terça-feira, janeiro 16, 2007

A morte esperada de Fidel Castro

Segundo o que ouvi esta manhã, na rádio TSF, Fidel Castro está agonizante. A TSF, que cita a Lusa, que por sua vez cita o jornal espanhol El País, fala em infecção generalizada e em doença de mortalidade elevada.

Desde que Fidel adoeceu, muito se tem falado do mal que padece. Para mim, acho que é apenas velhice. O homem tem 80 anos e nem sempre viveu bem. Os anos da revolução passados na Sierra Maestra devem ter deixado alguma marca, se bem que, depois, nos últimos 47 anos, Fidel não se deve poder queixar da sorte. O mesmo não dirão outros cubanos…
Temo que o velho esteja a ser torturado pelos médicos, no afã de evitarem o que é inevitável. Os praticantes de medicina têm esta mania de se armarem em deuses. Deixem Fidel morrer com dignidade. Não o cortem inutilmente, não o transformem numa múmia viva. Fidel viveu uma vida exaltante. Não deveria morrer entubado numa cama.
Os que não foram a Cuba até hoje, perderam a oportunidade de conhecer ao vivo um dos paradigmas do comunismo. Estive lá em 1990. Não encontrei nada que desejasse para mim próprio, creio. Uma sociedade empobrecida, muita gente desocupada, embora ninguém pedisse esmola nas ruas, excepto a criançada. Os cubanos são alegres. Deve ser a tropicalidade que lhes dá essa leveza de ânimo com que enfrentam as dificuldades do dia-a-dia. Fidel sempre teve opositores políticos, a quem não tratou bem. Mas quem o pode censurar? Quem será o cínico a atirar a primeira pedra? Bush beberá uma cuba libre, por certo, esse cocktail em que se estraga bom rum de cana com água suja do imperialismo. Mas muitos chorarão a morte do velho.
O mal dos ditadores é nunca quererem largar o poder no tempo certo. Mas, como se vê, nenhum deles é eterno.

sábado, janeiro 13, 2007

Amigos p`ra que vos quero (da série Reptilário)

O semanário Tal&Qual traz, na edição desta semana, uma história repescada dos anos 90, quando foi denunciada a falência fraudulenta da Caixa Económica Faialense, um banco que se dedicava a captar as poupanças dos portugueses que trabalhavam no estrangeiro.


A falência do banco deixou um rasto de miséria entre os clientes, pudera. O Tal&Qual relembra a história mais emblemática dessa fraude: o caso de José Fernandes, um tipo que, nas vésperas da fraude se consumar, tinha depositado 100 mil contos, fruto da venda de um negócio que tinha no Canadá. Num dia era um homem rico, no outro acordou pobre. A inoperância da justiça e a raiva levaram-no a matar a tiro o gerente do balcão.


José Fernandes matou, porventura, o operacional da fraude, mas não chegou aos mandantes. Esses, eram homens mais poderosos e com amigos mais influentes. Os arguidos deste caso são ex-ministros do governo do Dr.Balsemão, quando este foi cooptado para primeiro-ministro depois da morte de Sá Carneiro, em 1980.
De modo que, quando o programa que eu coordenava e apresentava na SIC pegou no assunto, o “Casos de Polícia”, a repórter Isabel Horta foi avisada (ameaçada?) de que a reportagem jamais iria para o ar, porque o Dr.Balsemão, certamente, não iria permitir.
Era essa a fé de Luís Morales, Serra de Moura, entre outros. E, de facto, o Dr.Balsemão tentou, embora timidamente. Estaria dividido entre a lealdade aos tais amigos e os cifrões que arrecadava nos intervalos do "Casos de Polícia"... o que sei é que perguntou, ou mandou perguntar, não me recordo já, ao Emídio Rangel (o Director-Geral da SIC) se a reportagem “tinha mesmo de ser exibida”. Rangel disse-lhe que sim, obviamente. A minha tarefa ficou muito mais simplificada.
Bons tempos.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Guantanamo


Os Estados Unidos ocupam a base de Guantanamo desde 1898, quando venceram uma guerra contra a Espanha. Cuba era, na época, uma colónia espanhola. O resultado dessa vitória militar foi a nomeação de um cidadão americano como primeiro presidente de Cuba, um tipo chamado Tomás Estrada Palma que se apressou a celebrar o acordo que deu a posse de Guantanamo aos EUA para que ali edificassem uma base naval permanente.
Ao longo dos anos, a existência da base foi questionada diversas vezes por vários governos cubanos, mas os EUA nunca a quiseram abandonar e os acordos foram sendo renovados, com maior ou menor dificuldade. Até que Fidel Castro chegou ao poder, em 1959.
O regime comunista nunca quis a base ali. Considera Guantanamo território ocupado ilegalmente. Os cubanos dizem que a permanência dos americanos viola o direito internacional, nomeadamente a Convenção de Genebra de 1969. Mas os americanos não saem dali. É verdade que, agora, a base serve de prisão para os suspeitos de terrorismo. Nos últimos anos, centenas de pessoas foram para ali enviadas e ali permanecem sem culpa formada nem julgamento. Mas, de facto, a base não tem qualquer importância militar aparente. A permanência dos EUA no local é, julgo, apenas uma demonstração de força e uma questão de teimosia política.
O que diríamos nós, em Portugal, se quiséssemos de volta a Base das Lajes e os americanos se recusassem a devolvê-la?

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Iraque, vitória ou morte?

O presidente Bush vai enviar mais 20 mil soldados para Bagdad e outros locais do Iraque, com o argumento de que esse reforço de tropas já devia ter sido feito há muito tempo e que esse erro seria uma das causas do fracasso das tropas americanas no Iraque.
Tenho dúvidas que isso resolva alguma coisa. Julgo que quantos mais soldados estiverem no Iraque, mais fácil será matar alguns. É uma mera questão de probabilidade. Também é verdade que, quantos mais soldados americanos estiverem no Iraque, mais militantes extremistas serão mortos. Mas isso não significa vitória militar para a América. Os iraquianos, sejam xiitas ou sunitas, não contam os seus mortos. Os americanos contam. Contam e recontam. E cada marine morto equivale a menos votos. E, por isso, Bush está cada vez mais só, nesta guerra imperialista que decidiu levar a cabo. Outro factor que não parece estar a ser levado em conta é o ódio visceral que os árabes ou outros povos islâmicos sempre tiveram, desde há séculos, por quem os invade e tenta dominar. Nem será preciso folhear muitos compêndios de História, basta puxar pela memória: a derrota militar francesa na Argélia; a derrota militar soviética no Afeganistão; a derrota militar americana na Somália; a recente derrota militar israelita no Líbano. Aprender com os erros dos outros, ou com os nossos próprios erros, é uma demonstração de bom senso e inteligência. Estes dirigentes americanos não aprenderam.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Tiro ao alvo

Já mais do que uma vez, os americanos tentaram resolver os seus problemas com a Somália utilizando a força. Em 92, vi-os desembarcar na praia de Mogadíscio, numa noite sem luar, mas com as CNN, BBC e CBS de sobreaviso e de holofotes bem acesos para o espectáculo ter alguma cor. Foi giro, até que o tal Black Hawk foi abatido e um bom número de marines massacrados pelos maltrapilhos somalis.
Em 93, os marines enfiaram o rabinho entre as pernas e o Mundo decretou o isolamento da Somália. O povo ficou à mercê dos tiranos da terra que se continuaram a combater alegremente. Claro que nada mudou. A Somália permaneceu um santuário de doidos assassinos, de fanáticos de toda a espécie e um excelente campo de tiro.
Agora, o presidente dos EUA voltou a mandar bombardear a Somália. Alegadamente, para matar três supostos terroristas alegadamente responsáveis pelos atentados de Nairobi e Dar-es-Salam contra as embaixadas americanas, em 1998. Mas, para matar três supostos criminosos, os americanos bombardearam aldeias e mataram gente de todas as idades que não tem nada a ver com o assunto.
Não me parece que este método remedeie seja o que for. Matar indiscriminadamente não é solução. Mesmo que a eliminação dos tais três tenha sido bem sucedida, outros 30 acabaram de nascer, entre os que sobreviveram e viram as suas famílias assassinadas por bombas largadas de muito alto. Suponho que não será assim que se vence a guerra contra o terrorismo.Há um provérbio somali que os generais americanos deveriam conhecer: La-yeele ma hilmaamo, lakiin yeele wuu hilmaamaa. As ofensas são esquecidas, não pelo ofendido mas pelo ofensor.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Outro equívoco histórico

Em Zanzibar existe um monumento perturbador. Um rectângulo escavado no solo, com várias estátuas de homens agrilhoados lá dentro. Evoca a escravatura, esse empreendimento levado a cabo por capitalistas esforçados de séculos passados.
A escravatura, é um facto, sangrou África de milhões de seres humanos que, levados para outros continentes, foram obrigados a contribuir com o seu trabalho esforçado para o crescimento económico dessas terras.
Foi um crime horrível, sem dúvida. Já levou a que alguns dirigentes africanos actuais alvitrassem que o Ocidente deveria pedir desculpa pelo mal que provocou aos africanos. Penso que sim, que não nos ficava nada mal a expiação desse pecado. Mas, com isto, quero também dizer que os europeus não deveriam ser os únicos a pedir desculpa… a escravatura não se fez contra todos os africanos, já que muitos deles eram comparsas assumidos nesse negócio.
Além disso, a escravatura não foi, sequer, inventada pelos europeus. Muito antes dos portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses terem dado início ao negócio, já os árabes o faziam há séculos.
A escravatura, em África, era uma questão interna (os africanos escravizavam-se uns aos outros) e transariana, com os árabes a traficarem seres humanos para o Norte de África e para a Arábia.
Aliás, convém não esquecer, que na Arábia Saudita a escravatura só foi abolida em 1962 e na Mauritânia (um Estado árabe do Sahel) foi abolida em 1980…
Mesmo em Zanzibar, a escravatura perdurou até ao início do século XX, embora de modo ilegal. Zanzibar foi, até muito tarde, entreposto de escravos capturados no interior do continente e que, na ilha, esperavam transporte para a Arábia. Os ingleses, que colonizaram Zanzibar nesse período, pouco ou nada fizeram para terminar com o tráfico.
Aliás, em Zanzibar existem muitos vestígios dessa actividade, como casas como esta que vos mostro (última foto), construídas com coral retirado do mar, semienterradas no chão, onde os escravos eram mantidos enquanto não eram transportados para o destino final, ou fatal.




segunda-feira, janeiro 08, 2007

O género irritante

Há umas revistas de género que me irritam. Falo das chamadas revistas masculinas. Irritam-me porque, primeiro, são feitas essencialmente para vender coisas aos incautos dos leitores.

Vendem tudo, desde relógios a aviões. É sempre tudo tão chic, tão bem, tão in, que até chateia. Depois, porque os tipos que lá aparecem, à laia de exemplo do que deve ser o bom cidadão, são sempre homens bem sucedidos na vida, nunca se questionando o método utilizado para alcançar esse sucesso. Estes tipos nunca se despenteiam, nunca se enganam na gravata, têm sempre as calças vincadas. Como diz uma amiga minha: "não cagam".


São tipos que costumam casar com a Miss Universo mais à mão e que o único transporte público que apanham é na classe Navigator a caminho das Antilhas.
Essas revistas retratam um mundo irreal, onde não há defeitos. Mentem-nos, por isso.

domingo, janeiro 07, 2007

Bissau, acerto de contas

Bissau, Julho de 1998

Para onde vai Nino Vieira? Para que quis ele voltar à Guiné-Bissau e à presidência do país? Será só para se vingar dos que o depuseram em 1999? Os últimos acontecimentos indiciam isso. Lamine Sanhá, ex-Chefe do Estado Maior da Armada foi assassinado a tiro. Morreu ontem, depois de agonizar vários dias no depauperado Hospital Simão Mendes, em Bissau. Lamine Sanhá foi um dos apoiantes da rebelião de Ansumane Mané. Outro próximo do falecido chefe da saudosa Junta Militar foi espancado no passado dia 21. Silvestre Alves, dirigente de um pequeno partido sem representação parlamentar, foi atacado de noite, numa rua de Bissau, por quatro homens que se faziam transportar num carro igualzinho ao do Conselheiro presidencial para a Informação, Baciro Dabó, um fiel homem-de-mão de Nino Vieira. Baciro nega ter tido qualquer envolvimento no assunto e como o carro tinha a matrícula tapada, não se pode provar que está a mentir. Baciro e Nino parecem ter sete vidas e quererem gastá-las a matar adversários políticos. Mas quantas ainda lhes restarão?
Em 1999, quando Nino se refugiou na Embaixada de Portugal, para evitar ser apanhado pelos revoltosos, Baciro teve menos sorte. Relembrem a foto e este post…

Bissau, Maio de 1999

Tenho vários episódios passados com o bom do Baciro. Um dos mais interessantes passou-se na tomada de posse do governo de transição chefiado por Francisco Fadul, ainda em 1999. A cerimónia serviu de pretexto para se abrir a cidade, pela primeira vez desde que a guerra tinha começado. Sob protecção das tropas da Ecomog, Ansumane dirigiu-se numa coluna automóvel para a antiga Praça do Império, onde está o Palácio Presidencial. Havia uma multidão nas ruas a aplaudir o herói do povo. Para Ansumane, deve ter sido um momento único na sua vida. Para entrar no palácio estavam dezenas de jornalistas, portugueses, franceses, senegaleses e de muitos outros países africanos. À porta, Baciro Dabó. Era ele quem escolhia os que entravam. Parecia um porteiro de discoteca fatela. Quando percebi que não ia entrar, desatei aos gritos. O som dos protestos chegou dentro do palácio aos ouvidos de José Lello, o Secretário de Estado da Cooperação do Governo português, que integrava a comitiva de Portugal. Foi ele quem desbloqueou a situação. Não ficou ninguém à porta. Baciro e eu nunca nos demos bem.

sábado, janeiro 06, 2007

Quem chorou Gerald Ford em Timor Lorosae?


(pintura mural em Manatuto, foto da minha irmã Vanda)
Nos últimos tempos morreram Pinochet, Saddam e Ford. Sobre os dois primeiros, não lhes perdoámos as malfeitorias, e bem. Na morte de Pinochet, Salvador Allende foi lembrado, assim como os milhares de chilenos e democratas de outras nacionalidades que desapareceram durante o regime do ditador chileno. Saddam foi enforcado, alegadamente por ser o responsável por vários massacres e crimes contra a Humanidade. Gerald Ford foi incensado como santo. E ninguém se lembrou de Timor-Leste…
Então, vamos lá acertar essas contas. Quando Suharto, o ditador indonésio, mandou invadir Timor, estava apenas a jogar o jogo do presidente dos EUA. Quem era esse presidente, em Outubro de 1975? Mister Gerald Ford himself. Na véspera da invasão, precisamente no dia anterior ao ataque, 6 de Outubro, Ford e Kissinger reuniram em Jakarta com Suharto. É público que nessa reunião foi autorizado o ataque.
A ocupação indonésia de Timor durou 24 anos, durante os quais morreram cerca de 200 mil timorenses. O obituário do 39º presidente dos EUA está incompleto. Para além de tudo o que disseram do homem, falta dizer que foi, também, comparsa no genocídio praticado em Timor.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Trinta

Resumo de uma notícia da Lusa, que talvez apareça um dia destes nos jornais: nas três províncias centrais de Moçambique, Tete, Sofala e Manica, quase não há médicos nem enfermeiros e a taxa de infecção de SIDA é de 30%.
Trinta.
Em Manica, por exemplo, há um médico para 32.379 habitantes.
A notícia foi feita a propósito da recente graduação de 75 técnicos de saúde que vão, agora, tentar minorar os problemas da população.
Isto fez-me lembrar as duas últimas viagens que fiz a Moçambique, em 1999 e 2002, em serviço de reportagem para a SIC. Em 1999 fui, com o Carlos Santos, até ao Chimoio (povoação já perto da fronteira com o Zimbabwe), ouvir o medo dos médicos e dos enfermeiros, também eles contaminados, e perceber como esse medo os inibia de trabalhar. O medo e a falta de meios. A Sida devastava livremente aquela gente e, hoje, o resultado está à vista: 30% da população está doente.
Trinta.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Também se pode ser feliz, em Bissau

Jantares de amigos sempre são pródigos em histórias. Neste tipo de encontros, acabamos por recordar histórias antigas que, por alguma razão, nos marcaram. Às vezes, surgem novos fascículos…
O padre Daniel, missionário italiano do PIME, radicado há muitos anos na Guiné-Bissau, é um homem que jamais esquecerei. Se lerem estes posts antigos perceberão porquê.
Sempre que voltei a Bissau procurei por ele. É um tipo bom conversador e muito simpático. Alto, bonacheirão, gordinho, sorridente. Tinha sempre coisas novas para dizer. Às vezes meras curiosidades, outras vezes verdadeiras preciosidades da política local, informações muito úteis para quem procura enquadrar-se no ambiente local.
A última vez que lá estive, em 2004, para a cobertura das eleições legislativas para a TSF, logo nos primeiros dias fui a Antula procurar o padre Daniel. Não estava, disse-me um outro padre. Que tinha sido levado de urgência para Roma, muito doente do coração e nem se sabia se iria salvar-se. Fiquei destroçado com esta notícia, dita de tal forma que me convenci de que jamais voltaria a vê-lo…
No jantar do Zé, a Marta Jorge, delegada da RTP, contou-me o novo fascículo desta história. De facto, o padre Daniel tinha ido para Roma, por causa do coração. Mas a doença dele chamava-se paixão e, apesar de às vezes o mal ser mortal, o Daniel queria mesmo era viver e não corria risco de vida. Aconteceu, simplesmente, que o padre Daniel se tinha apaixonado por uma mulher, uma médica cubana, também ela a viver em Bissau há anos. Em Roma, foi mantido num retiro, isolado, durante ano e meio, numa tentativa de cura pela força. Não resultou. Voltou a Bissau, onde a mulher continuava à espera dele. Abandonou o sacerdócio, casaram e lá vivem felizes, em Bissau, o italiano e a cubana. Adorei saber isto. Fiquei tão contente que nem vou levar a mal ao padre que me enganou de modo tão cruel. Perdoo-lhe de boa vontade.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Para acabar com equívocos


Em Angola, o 4 de Janeiro é feriado. Celebram o “Dia dos Mártires de Cassange”, as vítimas de um massacre perpetrado pelo exército português durante a repressão de uma revolta de trabalhadores agrícolas. A propaganda do regime angolano sempre falou em 10 mil mortos angolanos, na maior parte vítimas dos bombardeamentos com napalm. Confesso que me enjoa ouvir falar nisto. Nos bombardeamentos com napalm e nos 10 mil mortos. Enjoa-me que os bombardeamentos se tenham feito sobre populações praticamente indefesas, enjoa-me a desproporcionalidade dos meios utilizados. Também me enjoa o pregão dos 10 mil mortos, porque não acredito nele. Que se saiba, nunca ninguém os contou e se alguém, por acaso, o fez, não foi o MPLA. Foi o governo colonial, o exército português ou alguém a mando deles. Acho que é tempo dos governos angolano e português se entenderem quanto à História comum dos dois povos. Para evitarem este tipo de situações, que nada contribuem para um são relacionamento entre nós, angolanos e portugueses, os dois Estados deveriam colaborar para encontrarmos uma única versão dos acontecimentos, a verdadeira versão. Penso que o segredo da Baixa do Cassange deve estar bem guardado nos arquivos militares portugueses. Suponho que a sete chaves. A Lei deveria permitir que, ao fim de alguns anos, os historiadores e cientistas sociais pudessem ter acesso a essa papelada. Como se faz nos EUA, por exemplo, onde os documentos secretos são tornados públicos ao fim de umas dezenas de anos. Houve outros massacres perpetrados pelo exército português, nas várias frentes de guerra dos anos 60 e 70, alguns até anteriores, como o de Batepá, em São Tomé e Príncipe (1953), o de Pidjiguiti, na Guiné-Bissau (1959), o de Mueda, em Moçambique (1960), o dos musseques de Luanda (1961). Em todos estes acontecimentos, os relatos falam de dezenas de vítimas, algumas centenas porventura, mas nunca de milhares. Por isso, acho que o número de 10 mil mortes na Baixa do Cassange é exagero e propaganda política, até melhor prova. Sei que dos exércitos de ocupação não se pode esperar comportamento decente. Veja-se só o que se passa no Iraque. Mas, na minha opinião, a verdadeira tragédia não é só a das vítimas. Também há a tragédia dos que massacram. Muitas vezes, aposto, sem saberem porquê. Enfim, resumindo, regresso ao início do texto: desbloqueiem os arquivos militares portugueses para que a História se possa escrever sem equívocos.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Bissau, cidade perigosa

Na semana passada jantei com o José Sousa Dias, jornalista da Lusa, acabadinho de chegar de Bissau, depois de três anos na condição de expatriado. Jantei com ele e com mais 30 pessoas, todos, ou quase todos, portugueses expatriados na Guiné e que, como se estivessem mortos de saudades uns dos outros, se juntam para jantar em Lisboa na primeira oportunidade. Digamos que fui testemunha de um notável espírito de corpo. Na verdade, o jantar foi uma espécie de festa de despedida do Zé aos que com ele conviveram durante três difíceis anos. A Guiné-Bissau nunca foi um sítio fácil para um correspondente estrangeiro trabalhar. O Zé, nesta comissão de serviço, levou com um golpe de estado, um assassinato político relevante (a morte do CEMGFA, general Veríssimo Seabra), eleições legislativas e as eleições presidenciais que deram uma segunda vida a Nino Vieira e, ainda, umas semanas de conflito armado na fronteira Norte.

O Zé aguentou com tudo. Só se partiu todo quando, uma noite, à saída de um restaurante, caiu no fosso do esgoto que corre a céu aberto nas bermas das ruas de Bissau. Não riam, que pode acontecer a qualquer um. Bissau é uma cidade perigosa.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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