Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











segunda-feira, abril 03, 2006

Guiné Bissau, a guerra civil - a missão de Antula

Na margem do canal, falámos com os homens armados. Explicámos que queríamos ir para Bissau. Que éramos jornalistas e precisávamos de contar como ia a guerra. Eles devem ter achado aquilo a coisa mais normal do Mundo, porque chamaram um outro que retirou a camuflagem de folhas e ramos que tapava a canoa. Descalçámos os sapatos… para atravessar o lodo até à canoa. A maré estava baixa. Enterrámo-nos até aos joelhos e seríamos engolidos pelo lodo se nos desviássemos do caminho certo. Era preciso tactear com os pés para sentir o pau atravessado que suportaria o peso. Passo a passo, pau a pau. Como se fossem degraus horizontais. A cada passo, os pés doíam, porque os paus magoavam e porque os pés já estavam cheios de bolhas. Aquilo não era para pés de branco, habituados a sola de couro e a design italiano. Atravessámos o maldito canal.Continuamos a marcha. Devíamos estar a 10 ou 15 quilómetros de distância das primeiras casas de Bissau. Nenhum de nós fazia a mínima ideia onde íamos dormir nem como chegaríamos à cidade. Caminhávamos, caminhávamos. O Carlos Aranha desfaleceu. Recuperou alguns minutos depois. Mais uns passos e vimos um telhado mais alto que as copas das árvores. Um telhado! Uma casa. Uma casa com gente. Fomos para lá e deparámo-nos com uma casa enorme, murada. Dentro dos muros, estavam mais de 10 mil pessoas, amontoadas à volta da casa. A multidão sentia-se protegida, ali. Ali era a Missão de Antula, dirigida pelo padre Daniel.
Quando olhou para nós, mandou-nos sentar e foi buscar quatro jarros de chá gelado. E sentou-se connosco, para se admirar com o relato da viagem, de como tínhamos chegado ali, para nos contar o que sabia da guerra, para nos mostrar aquela multidão de assustados e carenciados. A Missão de Antula era uma espécie de primeira etapa no percurso de fuga de Bissau. Ninguém ficava ali mais de um dia ou dois, porque ainda era muito perto da guerra.
Nessa noite, rebentámos as bolhas dos pés e dormimos os quatro no chão de um quartito. No dia seguinte chegaríamos a Bissau.

1 comentário:

Su disse...

..continuo atenta a tuas viagens...e viajo também.....

(Aquilo não era para pés de branco, habituados a sola de couro e a design italiano) ..ri-meee


jocas maradas

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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