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principal problema era que o governo guineense não controlava a SIC, como controlava a RTP. Mesmo do ponto de vista institucional, o governo guineense tinha alguma autoridade sobre os funcionários da RTP em Bissau. Além do mais, a RTP foi apanhada sem jornalistas em Bissau, quando a guerra começou. Quem lá estava era o delegado, um gestor, sem formação jornalística, desobrigado em termos de ética e deontologia profissional. Era, além do mais, um homem muito habituado a obedecer. Por isso, era fácil controlar o que a RTP emitia a partir de Bissau. Por isso, a presença da SIC passou a ser um incómodo grande. Pior que isso, assim que entrei em Bissau passei a ser solicitado pelas rádios Voz da América, Voz da Alemanha e BBC para lhes prestar colaboração. Até a TSF me pediu crónicas, mas enquanto as outras rádios me pagavam o trabalho, a TSF achava que eu tinha de o fazer de borla… de modo que deixei-os a falar sozinhos ao fim de três dias. E se era verdade que na Guiné-Bissau ninguém sabia bem o que eu dizia nas reportagens na SIC, o mesmo já não se passava, por exemplo, com o que eu dizia na BBC, talvez a estação de rádio mais escutada em Bissau durante a guerra. E o que eu dizia desmentia, muitas vezes, o que dizia o governo guineense sobre o desenrolar da guerra.
 Campo de batalha, no Paiol de Brá, 1998
 Campo de batalha, no Paiol de Brá, 1998
Até mesmo na embaixada de Portugal se notava algum incómodo pela nossa presença em Bissau. O embaixador Henriques da Silva sempre foi de uma educação extrema connosco, mas percebia-se que nos temia, isto é, temia as consequências do nosso trabalho. Bissau deve ter sido o posto mais difícil da carreira do embaixador Henriques da Silva. O homem sentia-se infeliz, manifestamente. Esteve meses sem sair da embaixada e passou pelo susto de sentir a explosão de um obus que caiu na zona residencial da embaixada, felizmente sem ferir ninguém. Um dia, o embaixador confidenciou-me que o próprio Presidente Nino Vieira lhe tinha dito para eu "ter cuidado com as balas perdidas". A mensagem era tão clara que o embaixador me pediu encarecidamente para eu sair de Bissau e, se possível, sair do país. Fiquei e denunciei a ameaça num directo para o programa da Margarida Marante. Se tivesse havido alguma bala perdida, sabia-se de onde tinha partido… 
2 comentários:
Nesta nossa terra não há o perigo de balas perdidas, mas a ver pela quantidade de mortes nos últimos tempos à porta de discotecas, há um real problema de balas bem intencionais...
És como os gatos.
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