Nunca nada acontecia, sem que a televisão lá estivesse. Qualquer televisão lhes servia, não precisava de ser a BBC… (ainda não existia CNN).De modo que decidimos atravessar a Cisjordânia de noite e entrar em Gaza pela madrugada. Usámos apenas estradas secundárias, para evitar o mais possível as barreiras militares. Nessa noite, desabou uma tempestade tremenda. Chovia torrencialmente e o vento soprava gelado. A intempérie ajudou-nos. Os militares israelitas estavam pouco mobilizados para tarefas policiais, ainda por cima à chuva e ao frio…
Quando chegámos a Karni Crossing, assim se chama a “porta” para entrar em Gaza, deviam ser 3 ou 4 da manhã. A escuridão era iluminada por fogueiras que ardiam dentro de bidões. Dirigi o carro em ziguezague, evitando os blocos de cimento colocados no caminho de modo a evitar que alguém pudesse forçar a passagem conduzindo um veículo a alta velocidade. Quando cheguei à cancela, o soldado veio, arrepiado pela molha e pelo vento frio. Olhou para a matrícula e perguntou se queríamos mesmo seguir… disse-lhe que sim e encolheu os ombros. Nem chegou a pedir-nos a identificação…
Chegámos à cidade e resolvemos esperar que o sol nascesse. Parámos num largo, onde havia muitas camionetas e uma multidão imensa de vultos. Na escuridão, aquele cenário metia medo. Quem eram aqueles todos? O intérprete explicou que eram trabalhadores palestinianos, a caminho do emprego em território israelita. E explicou que 90% da população activa de Gaza não tem emprego. E que as pessoas não têm outra solução senão ir trabalhar para Israel. E que, assim, os israelitas ganham de duas formas: exploram mão-de-obra barata e sem capacidade reivindicativa e, quando querem pressioná-los politicamente, proíbem a circulação dos trabalhadores, deixando as pessoas sem trabalho e sem salário.De repente, ficámos rodeados por centenas daqueles tipos. Alguns começaram a abanar o carro. O intérprete gritou com eles. O que quer que lhes tenha dito, foi o suficiente para os acalmar. Também ajudou o facto das camionetas começarem a partir. O nosso problema era que estávamos com um carro de matrícula amarela, a matrícula dos israelitas, e deveríamos ter um carro de matrícula azul, a cor atribuída para as matrículas dos carros dos árabes… de modo que saímos dali rapidamente, escondemos o carro numa garagem da estalagem onde íamos ficar e alugámos um táxi ao dia.

1 comentário:
Resumindo, os palestinianos vivem em bantustões, tal como acontecia com os negros na África do Sul. Que felizes que se devem sentir!
Enviar um comentário