Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











domingo, maio 21, 2006

Costaleras do Amor (1)

Conheci o Bruno Rascão no aeroporto de Lisboa, a caminho de Dacar. Ele e o Pedro Rosa Mendes, mais o Carlos Aranha, foram os meus companheiros nas primeiras aventuras da guerra da Guiné.
O Bruno é um excelente repórter fotográfico, mas nem por isso conseguiu trabalhar em Portugal. Ou temos muitos repórteres excelentes ou a excelência não é factor decisivo no recrutamento de jornalistas em Portugal.
É assim que o Bruno está a viver em Espanha. E foi de lá que me enviou um email com um texto sobre uma das suas últimas reportagens, no caso sobre uma estranha tradição religiosa de Córdoba, em Espanha. As fotografias desse trabalho estão neste site (procurem em All Stories, Las Costaleras). O texto, com a devida vénia ao Bruno Rascão, vou passá-lo aqui. Fatiado, para evitar o cansaço de uma leitura mais longa que a aconselhada para um blog.
Aqui têm a primeira fatia...

Nas traseiras da igreja o capataz abre uma pequena garagem. Um buraco grande e sem luz. Javier Perez faz girar uma porta basculante. Lá dentro, está uma estrutura em ferro, de tom avermelhado, da qual saem quatro pés. Cá fora, mais de 40 mulheres, de diversas idades, aproximam-se com o costal na cabeça, tecido grosso dobrado em forma de saco. “Vamos a isto”, diz o capataz às costaleras: “Lá para dentro, e a rezar”.
Aquela estrutura, em forma de mesa, ocupa por inteiro a garagem. Chama-se mesa ou parihuela, objecto que o capataz há-de conduzir ao longo do bairro do Cerro, em Córdova; e as mulheres suster durante o ensaio de quase quatro horas numa tarde quente de Março. Dez metros quadrados que servirão de palco à Virgem da Encarnação no Domingo de Ramos. De modo informal a pequena multidão começa a murmurar as orações. Debaixo distribuem-se 30 mulheres, em grupos de cinco, ao longo de seis traves. Estão prontas a erguer a parihuela, que no dia de penitência, com a imagem em cima, se chama passo. Os primeiros costaleros eram profissionais, homens de faina que carregavam os produtos nos mercados grossistas. Utilizavam o costal, na época um saco de serapilheira posto na cabeça para amortecer o peso que carregavam às costas. A troco de um soldo saíam às ruas nas exuberantes procissões da Semana Santa andaluza, debaixo dos passos com imagens das paróquias. A Virgem da Encarnação não escapava à regra. Chegou ao Cerro em 1981, um bairro de operários de classe baixa, e passou a acompanhar o Cristo do Amor, que dá nome à irmandade. De perto seguiam-na, entre os nazarenos (penitentes com um capuz em cone a cobrir o rosto), um grupo de mulheres. Rafaela Vasquez, 47 anos, ex-empresária, era uma delas e o pai Hermano Maior, ou director da confraria. Por vontade da filha, deixou que formasse um grupo de costaleras, pioneiro em Espanha. O objectivo era substituir os profissionais. Em 1986, depois de três anos de ensaios e um troço do percurso no Domingo de Ramos de 1985, passaram a ser as portadoras do passo da Encarnação.
(continua)

2 comentários:

escrevi disse...

As fotos são fantásticas. A 3ª é reveladora do que se passa na mente daquelas mulheres.
É extraordinário como são semelhantes os rituais em todas as religiões. Há uns tempos deu uma reportagem crítica sobre os muçulmanos que se martirizam homenageando o sobrinho do profeta.
Esqueceu-se, quem fez a reportagem, de que entre os civilizados católicos, as práticas não são muito diferentes.
Lembremo-nos das auto-fagelações nas Filipinas, destas Costaleras de Códoba ou dos peregrinos de Fátima, só para mencionar alguns.
Aguardo o resto do texto.

Anónimo disse...

Quero mais. Completamente de acordo com o comentário anterior.

Cumprimentos,

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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