Os dias iam passando e começamos a suspeitar que havia a possibilidade de nunca mais vermos o equipamento que estava retido na alfândega do porto de Nouadhibou. E isso não poderia acontecer… não havia modo de justificar a perda desse equipamento, porque pura e simplesmente não era suposto estarmos ali. Deveríamos ter permanecido a bordo, por mais chato que isso fosse… portanto, era bom ter a certeza que, quando o barco nos viesse buscar, embarcaríamos com o equipamento que tínhamos trazido. E não era pouco: duas cameras de filmar Ècclair, uma Nagra de som, um kit de iluminação, vários microfones, tripé, dezenas de latas de película 35 m/m virgem, não sei quantos quilómetros de fita de arrasto… enfim, o “entulho” do costume, na época em que as reportagens se faziam em filme. Eram aproximadamente mil quilos de carga. Uma pilha de caixas e caixotes metálicos.
De modo que, um dia, pedimos ao Dimas que nos emprestasse o carro. Julgo que ele adivinhou o que íamos fazer, mas nem perguntou. Só nos pediu que não fizéssemos nada que piorasse a situação… Com o carro, fomos até às imediações da zona portuária. Não havia quase ninguém por ali. Quando um soldado passou, pedimos-lhe para nos ajudar. Ele entrou logo para o carro. Explicámos que estávamos com um “problema” com umas caixas que nos pertenciam e que estavam na alfândega. O homem olhou para nós… percorreu com os olhos o interior do carro, as nossas caras, abriu o guarda-luvas… e depois disse que precisava de três coisas. Duas estavam ali, à vista: uma garrafa de água mineral de litro e meio e um pacote de litro de leite. A terceira necessidade era uma nota de mil óuguiyas (a moeda local), na época o equivalente a 10 euros… Satisfeitas essas necessidades, pusemos o carro em marcha. Chegámos à cancela da alfândega e ele, que ia no lugar do pendura, à frente, disse qualquer coisa a um outro tipo. A cancela subiu. Entrámos no barracão onde estava o nosso equipamento. Pusemos tudo na mala do carro e no tejadilho, amarrado com cordas. A mala nem fechava e as molas traseiras do velho Renault 18 mal aguentavam com o peso… Voltámos à cancela que, de novo, subiu e saímos dali. Assim que virámos a esquina, o tipo disse “au revoir”. Nós fomos guardar as coisas em casa do Dimas. O soldadinho, pela certa, foi fazer uma farra…
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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sábado, fevereiro 25, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
1 comentário:
Se calhar foi, mas se se calhar precisava daquilo para alimentar os filhos o resto do mês, mesmo soldadito...
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