Quando comecei a trabalhar em televisão, a emissão ainda era a preto-e-branco… As reportagens eram feitas em filme, o inefável 35 m/m inversível cor… um filme sem negativo, de revelação rápida. Mesmo assim, o apresentador do telejornal dava, sempre, notícias de ontem. Lembro-me de que uma das minhas primeiras reportagens foi sobre um pequeno incêndio deflagrado num edifício da Rua Castilho, em Lisboa. O incêndio foi ao final da tarde e a reportagem só foi exibida no dia seguinte à hora do jantar.
Depois, as coisas aceleraram. O vídeo mudou tudo. Trabalhamos muito com as Ikegami, uma câmara de vídeo japonesa grande e pesada que nem um trambolho. Mas era tecnologia de ponta, a meio da década de 80.
Entrar em directo era uma coisa do além e carecia de uma preparação de 48 horas. Havia que fazer uma visita técnica ao local, ver se havia linha de vista para o retransmissor de Monsanto ou da Arrábida, montar os feixes, ligar o carro de exteriores e rezar para que aquilo tudo funcionasse. Funcionava, mas não dava para improvisar. De modo que quando em 1998, já na SIC, fomos para a Guiné-Bissau, em plena guerra civil, e levamos um “toko”, nem queria acreditar. O que é um “toko”? É um equipamento portátil que permite ligação via-satélite entre quaisquer dois pontos no Mundo. Lá arrastámos aquilo até Bissalanca, local onde montámos a nossa base. Na altura, Bissau permanecia cercada e não se podia entrar ou sair da cidade. Ficámos numa casa de dois quartos, onde dormíamos e editávamos as reportagens. Na rua montámos a antena parabólica apontada para o céu. Do outro lado da rua, num barracão, estava o gerador. Em Lisboa, antes de partirmos, o engenheiro da empresa que tinha vendido aquilo à SIC foi lá explicar-nos como se ligava o equipamento, como se introduziam as coordenadas correctas para o satélite e o equipamento parecia estar em condições. Mas, ali em Bissau, teimava em não funcionar. De Carnaxide, diziam-nos que não chegava lá nada. Foi assim no primeiro dia. E foi assim no segundo dia. Telefonámos para o tal engenheiro que nos aconselhou a fazer o re-set, isto é, a desligar e voltar a ligar a aparelhagem. Às vezes funciona, dizia ele. Mas não daquela vez… Ao terceiro dia, olhei para a maquineta que voltava a não funcionar e, quando lhe ia assentar um pontapé, reparei num autocolante que dizia “em caso de mal funcionamento, ligue para este número, serviço de atendimento permanente”… Liguei. O número era de um telefone nos EUA. Atenderam-me e expliquei o que se passava. Do outro lado, o homem perguntou-me onde eu estava e para onde queria enviar as imagens. Depois, elaborou um check-up técnico: tecla LES; selection; 002; menu-enter; LES 002, enter; select 002, enter; exit…No fim disse “agora experimente lá, com as coordenadas que vocês tinham estavam a enviar imagens para uma estação terrena na América do Norte”. A verdade é que passou a funcionar na perfeição. E não foi preciso fazer re-set… O tal “toko”, hoje já nem existe. Foi ultrapassado pelo vídeo-phone.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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quinta-feira, junho 15, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
3 comentários:
Beijos e bom feriado
É giro recordar.
As coisas, agora, evoluem a tal velocidade que isso que contas parece ter acontecido no tempo da 2ª Guerra.
Também é interessante conhecer as dificuldades que tinham para fazer um trabalho que tão facilmente era visto por nós no pequeno ecrã.
Tens todos os condimentos da receita para umas "memórias" fabulosas.
Pronto não digo mais nada...
fabulosa a história. também eu fico á espera do teu livro...
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