Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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terça-feira, outubro 18, 2011
domingo, fevereiro 08, 2009
Reflexos - 2

Reflexos é um espaço dedicado a fotografias, aos seus autores (mesmo das fotos que chegam sem assinatura) e aos momentos perpetuados ou invocados por essas imagens. Fotografias que eu gostaria de ter feito.
A de hoje lembra-nos a última visita de Bush ao Iraque e a coragem do jornalista Muntazer al-Zaidi que lhe arremesou os sapatos dizendo que era "um beijo de despedida, cão!"
Eis o monumento, em bronze, ao sapato de Muntazer al-Zaidi, em Bagdad.
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terça-feira, janeiro 06, 2009
Matar
Na Palestina, em Gaza, morreram dezenas de pessoas que se encontravam abrigadas numa escola que o exército israelita atacou. Os soldados israelitas dizem que responderam a disparos vindos da escola…
Em Lisboa, um polícia da PSP matou com um tiro na cabeça um adolescente de 14 anos. O agente em questão diz que disparou depois de ter sido ameaçado pelo rapaz que empunhava uma pistola.
Do lado das vítimas, em Gaza e em Lisboa, acusa-se a outra parte de violência desmedida, desproporcionalidade de meios, abuso, atentado contra os direitos humanos.
Em Lisboa, um polícia da PSP matou com um tiro na cabeça um adolescente de 14 anos. O agente em questão diz que disparou depois de ter sido ameaçado pelo rapaz que empunhava uma pistola.
Do lado das vítimas, em Gaza e em Lisboa, acusa-se a outra parte de violência desmedida, desproporcionalidade de meios, abuso, atentado contra os direitos humanos.

No que diz respeito ao sucedido em Gaza, a versão israelita é plausível. Conheço muitos estratagemas utilizados por soldados em conflito e vivi situações parecidas… também em Bissau, durante a guerra civil de 98/99, por exemplo, os soldados de Nino utilizavam artilharia móvel que colocavam junto a habitações na hora de disparar e que, logo a seguir, retiravam. Quando a resposta vinha, os soldados já lá não estavam, apenas os civis… que eram os que levavam com os obuses em cima.
Quanto ao que se passou em Lisboa, sabemos que o rapaz estava num veículo roubado, com outros quatro comparsas, que não obedeceram à ordem de parar da polícia, fugiram e, depois de apanhados, resistiram à prisão. Foi nessa luta que o polícia disparou…
Lamento as mortes mas não consigo condenar os matadores. Acredito que tanto uns como outros sejam vítimas das circunstâncias... embora seja sempre difícil saber quem está a mentir.
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segunda-feira, janeiro 05, 2009
Arafat, a oportunidade perdida

Estive em Gaza, em circunstâncias que já relatei aqui… Vinte anos depois, embora nunca mais lá tenha voltado, julgo que pouco ou nada mudou, pelo menos para melhor.
Já naquela altura não se conseguia vislumbrar uma solução para resolver o conflito israelo-palestiniano… Acredito até que, hoje, o conflito está mais longe de uma solução negociada do que estava há 20 anos. Na altura, existia Yasser Arafat, um dirigente palestiniano que estava disposto a negociar uma solução com Israel. Arafat tinha uma missão na vida, que era a de criar o estado palestiniano independente e era, portanto, um homem disposto a negociar, ao mesmo tempo que lutava, e os dirigentes israelitas deveriam ter percebido isso. Mas Arafat nunca quis uma paz sem condições e os israelitas nunca estiveram dispostos a fazer reais concessões políticas… perderam-se anos a negociar as fronteiras irreais de um futuro estado palestiniano, que acabou dividido e sem continuidade territorial entre Gaza e a Cisjordânia… Israel preferiu isolar Arafat e deixá-lo morrer e, agora, não tem um verdadeiro interlocutor para negociar… o Hamas responde, primeiro, aos interesses hegemónicos de potências regionais como o Irão e a Síria, que utilizam a causa palestiniana como arma de arremesso para ferir Israel… e ao Hamas pouco interessa o bem estar da população palestiniana…
De modo que percebo, agora, a opção militarista assumida por Israel. Não conseguindo negociar com quem não pode ter boa-fé, resta o confronto aberto e a possibilidade de uma vitória militar. O problema é que este conflito pode não ser controlável, dirigentes árabes e islâmicos mais extremistas podem sentir-se compelidos a agir… e tudo isto pode descambar perigosamente…
Por outro lado, a actual invasão de Gaza pode resultar num fiasco para os estrategas israelitas. Gaza é um imenso aglomerado urbano, com milhares de ruelas e túneis, uma anarquia urbanística super-populada, um sítio ideal para emboscar as patrulhas israelitas. Já era assim há 20 anos, quando por lá andei e hoje não será muito diferente, volto a dizer.
Já naquela altura não se conseguia vislumbrar uma solução para resolver o conflito israelo-palestiniano… Acredito até que, hoje, o conflito está mais longe de uma solução negociada do que estava há 20 anos. Na altura, existia Yasser Arafat, um dirigente palestiniano que estava disposto a negociar uma solução com Israel. Arafat tinha uma missão na vida, que era a de criar o estado palestiniano independente e era, portanto, um homem disposto a negociar, ao mesmo tempo que lutava, e os dirigentes israelitas deveriam ter percebido isso. Mas Arafat nunca quis uma paz sem condições e os israelitas nunca estiveram dispostos a fazer reais concessões políticas… perderam-se anos a negociar as fronteiras irreais de um futuro estado palestiniano, que acabou dividido e sem continuidade territorial entre Gaza e a Cisjordânia… Israel preferiu isolar Arafat e deixá-lo morrer e, agora, não tem um verdadeiro interlocutor para negociar… o Hamas responde, primeiro, aos interesses hegemónicos de potências regionais como o Irão e a Síria, que utilizam a causa palestiniana como arma de arremesso para ferir Israel… e ao Hamas pouco interessa o bem estar da população palestiniana…
De modo que percebo, agora, a opção militarista assumida por Israel. Não conseguindo negociar com quem não pode ter boa-fé, resta o confronto aberto e a possibilidade de uma vitória militar. O problema é que este conflito pode não ser controlável, dirigentes árabes e islâmicos mais extremistas podem sentir-se compelidos a agir… e tudo isto pode descambar perigosamente…
Por outro lado, a actual invasão de Gaza pode resultar num fiasco para os estrategas israelitas. Gaza é um imenso aglomerado urbano, com milhares de ruelas e túneis, uma anarquia urbanística super-populada, um sítio ideal para emboscar as patrulhas israelitas. Já era assim há 20 anos, quando por lá andei e hoje não será muito diferente, volto a dizer.
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domingo, março 11, 2007
O mar bate na rocha e quem se lixa é o mexilhão, claro.

O Nuno Ramos de Almeida escreveu que o Governo português decidiu desactivar a embaixada portuguesa no Iraque por considerar perigos vários e falta gritante de condições de segurança e que, ao mesmo tempo, os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras do Ministério da Administração de Interna resolveram recusar o pedido de asilo a um cidadão iraquiano alegando “não estar provado que não existem condições de segurança no Iraque”.
Parece piada, mas não deve ser. A questão é o que fazer numa situação destas? Conceder asilo a todos os iraquianos que o solicitassem?
O argumento do SEF é que, francamente… não lembra ao diabo.
Parece piada, mas não deve ser. A questão é o que fazer numa situação destas? Conceder asilo a todos os iraquianos que o solicitassem?
O argumento do SEF é que, francamente… não lembra ao diabo.
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quinta-feira, janeiro 11, 2007
Iraque, vitória ou morte?
O presidente Bush vai enviar mais 20 mil soldados para Bagdad e outros locais do Iraque, com o argumento de que esse reforço de tropas já devia ter sido feito há muito tempo e que esse erro seria uma das causas do fracasso das tropas americanas no Iraque. 

Tenho dúvidas que isso resolva alguma coisa. Julgo que quantos mais soldados estiverem no Iraque, mais fácil será matar alguns. É uma mera questão de probabilidade. Também é verdade que, quantos mais soldados americanos estiverem no Iraque, mais militantes extremistas serão mortos. Mas isso não significa vitória militar para a América. Os iraquianos, sejam xiitas ou sunitas, não contam os seus mortos. Os americanos contam. Contam e recontam. E cada marine morto equivale a menos votos.
E, por isso, Bush está cada vez mais só, nesta guerra imperialista que decidiu levar a cabo. Outro factor que não parece estar a ser levado em conta é o ódio visceral que os árabes ou outros povos islâmicos sempre tiveram, desde há séculos, por quem os invade e tenta dominar. Nem será preciso folhear muitos compêndios de História, basta puxar pela memória: a derrota militar francesa na Argélia; a derrota militar soviética no Afeganistão; a derrota militar americana na Somália; a recente derrota militar israelita no Líbano. Aprender com os erros dos outros, ou com os nossos próprios erros, é uma demonstração de bom senso e inteligência. Estes dirigentes americanos não aprenderam.

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quinta-feira, dezembro 28, 2006
Ano Novo
2007 começa em grande!

Segundo o serviço da Lusa, “o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein será enforcado dentro de "poucos dias" no interior da "Zona Verde", a oeste de Bagdad, noticia hoje o diário árabe internacional Al-Hayat, que cita fontes governamentais iraquianas. A forca já está preparada num lugar no interior da 'Zona Verde»", onde se encontram as instalações do Governo iraquiano e as sedes das embaixadas dos Estados Unidos e do Reino Unido, afirmaram as fontes, segundo o jornal.”
Será uma execução pública, à moda dos bons velhos tempos do far-west?
Outro arranque em grande: o meu amigo Jorge Schnitzer diz que regressa à SIC no próximo dia 16.
O Dr.Balsemão usou de um processo dilatório para atrasar a aplicação da sentença do Supremo Tribunal que lhe ordenava a integração imediata do Director do Departamento de Desporto, mas parece que o “aclaramento” solicitado pelo advogado de Balsemão foi satisfeito com rapidez. Também, que raio de aclaramento queriam eles? As sentenças, hoje, já não são manuscritas, não há hipótese de se argumentar que não se percebe a caligrafia do juiz…
Outro arranque em grande: o meu amigo Jorge Schnitzer diz que regressa à SIC no próximo dia 16.

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sábado, agosto 12, 2006
Petra
Duas vezes por dia, fazíamos o percurso a pé, entre o hotel onde estávamos e a embaixada do Iraque em Amman, na Jordânia. Íamos lá para saber se o diligente funcionário já teria recebido ordens de Allah para nos passar o visto e deixar entrar no Iraque. Ao fim de 11 dias a ordem não tinha chegado e cansámo-nos de esperar. No dia seguinte, apanhámos um autocarro e fomos até Petra.
É difícil dizer o que senti quando vi aquela cidade esculpida na pedra pelos homens, vento e água. Como se pode fazer uma coisa tão espantosa como aquela?
Dizem os canhenhos que chegaram a viver ali 50 mil pessoas. A cidade existe desde o século V a.C., mas há ali perto vestígios de ocupação humana da Idade da Pedra. Hoje é um deserto, mas lindo de morrer.
Dizem os mesmos canhenhos que a desertificação humana ficou a dever-se ao desvio das caravanas de comerciantes que passaram a optar por outra rota e deixaram de passar por ali. A mim parece-me que terá havido outro motivo, que estará ligado com mudanças climáticas ou, pelo menos, com o desaparecimento de água. Petra foi um sítio com muita água, basta olhar para aquelas pedras… e, hoje, não tem uma gota.
Roma foi um grande Império, de facto. Petra é a evidência do génio que construiu esse Império e a prova que nada dura para sempre. Tal como tudo que existe, também os Impérios começam a morrer logo no dia em que nascem.
No final do dia, descansámos da canseira de calcorrear Petra, com um narguilé à moda antiga… foi perfeito.
Quando voltámos para Amman, íamos de alma lavada. Até o sacaninha do funcionário diligente da embaixada iraquiana nos pareceu mais simpático. Mas o visto nunca chegou. Os iraquianos privilegiavam jornalistas de órgãos mais globais que a SIC ou mais representativos dos respectivos estados… mas também foi azar meu. De todas as vezes que tentei entrar no Iraque, nunca consegui o visto. Talvez para a próxima.





Quando voltámos para Amman, íamos de alma lavada. Até o sacaninha do funcionário diligente da embaixada iraquiana nos pareceu mais simpático. Mas o visto nunca chegou. Os iraquianos privilegiavam jornalistas de órgãos mais globais que a SIC ou mais representativos dos respectivos estados… mas também foi azar meu. De todas as vezes que tentei entrar no Iraque, nunca consegui o visto. Talvez para a próxima.
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segunda-feira, julho 31, 2006
Líbano. O vinho de Canã
Terá sido em Qana (Canã) que Cristo realizou o seu primeiro milagre, ao transformar água em vinho, durante a celebração de um casamento. É o que diz a tradição. Se for verdade, trata-se de um milagre perfeitamente dispensável e com efeitos nefastos e persistentes na região. É que parece que continuam todos bêbados…
Confesso que estava à espera que isto acontecesse. É inevitável, quando a guerra se faz através de bombardeamentos a longa distância. E o Hezbollah também. Tinham tudo preparado para lançarem uma grande campanha hostil a Israel na opinião pública internacional, assim que acontecesse alguma coisa de parecido com isto…
Sempre que uma força militar se dissimula na população e usa as estruturas civis como bases logísticas, é muito provável que uma coisa destas aconteça. A táctica é velha e vem nos manuais de Mao sobre a guerra de guerrilha.
Pessoalmente, vi isso acontecer diversas vezes, nomeadamente na dita guerra civil da Guiné-Bissau, onde se perpretaram alguns massacres, embora ninguém se tenha sentido incomodado com isso... As tropas senegalesas, que apoiavam Nino Vieira, utilizavam katyushas montados em camiões. Essas rampas de lançamento nunca estavam no mesmo sítio. Uma madrugada dispararam na esquina da nossa casa, em Chão de Papel, um bairro residencial no centro de Bissau. Se a resposta tivesse sido orientada para o local do disparo, o bairro tinha, mais uma vez, apanhado em cheio com os obuses da Junta o que, de resto, aconteceu seis vezes durante o tempo em que lá estive. Atingiram um infantário, o edifício da meteorologia, várias residências…
Uma outra vez, dispararam os katyushas no Bairro do Caracol. Dessa vez, a Junta ripostou… felizmente que o bairro já estava deserto mas, ainda assim, morreram alguns residentes retardatários… uma outra vez, dispararam os katyushas na rua das traseiras da Sé Catedral de Bissau, sabendo que a Junta teria grande relutância em atingir aquele local...
Os fins justificam os meios, não é?

Sempre que uma força militar se dissimula na população e usa as estruturas civis como bases logísticas, é muito provável que uma coisa destas aconteça. A táctica é velha e vem nos manuais de Mao sobre a guerra de guerrilha.
Pessoalmente, vi isso acontecer diversas vezes, nomeadamente na dita guerra civil da Guiné-Bissau, onde se perpretaram alguns massacres, embora ninguém se tenha sentido incomodado com isso... As tropas senegalesas, que apoiavam Nino Vieira, utilizavam katyushas montados em camiões. Essas rampas de lançamento nunca estavam no mesmo sítio. Uma madrugada dispararam na esquina da nossa casa, em Chão de Papel, um bairro residencial no centro de Bissau. Se a resposta tivesse sido orientada para o local do disparo, o bairro tinha, mais uma vez, apanhado em cheio com os obuses da Junta o que, de resto, aconteceu seis vezes durante o tempo em que lá estive. Atingiram um infantário, o edifício da meteorologia, várias residências…
Uma outra vez, dispararam os katyushas no Bairro do Caracol. Dessa vez, a Junta ripostou… felizmente que o bairro já estava deserto mas, ainda assim, morreram alguns residentes retardatários… uma outra vez, dispararam os katyushas na rua das traseiras da Sé Catedral de Bissau, sabendo que a Junta teria grande relutância em atingir aquele local...
Os fins justificam os meios, não é?
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quarta-feira, julho 26, 2006
Líbano. Um filme em reprise
Espero que tenham visto a reportagem atribulada do José Rodrigues dos Santos, no bairro xiita de Beirute. Pareceu-me admirado, o repórter, por perceber que o Hezbollah controla o bairro como se fosse um estado dentro do estado libanês. Mal o carro parava, apareciam “guardas” do Hezzbollah, como dizia o “orelhas”.
Mas Beirute sempre foi vítima da conjuntura política. Estes bombardeamentos não são, de resto, os primeiros com que Israel castiga a capital libanesa. Em Junho de 1982, no lugar do Hezbollah estava a OLP de Arafat. Era dali que o dirigente palestiniano dirigia a luta armada contra a ocupação israelita da Palestina. O bairro onde a OLP se tinha fortificado era conhecido por “Fatahland” (a terra da Fatah), tal qual o Hezbollah fez agora no bairro Haret Hreik, nos subúrbios de Beirute.
Quando a situação se tornou insustentável, o governo israelita ordenou a invasão do sul do Líbano e o ataque a Beirute. A cidade esteve cercada e foi ferozmente bombardeada. Israel exigia que Arafat e outros dirigentes palestinianos se rendessem incondicionalmente. A zona da “Fatahland” ficou reduzida a cinzas… Foi um acordo político cozinhado entre americanos, europeus e árabes sauditas que permitiu a retirada da OLP de Beirute para o exílio num país africano, a Tunísia.
Arafat instalou-se em Tunis. Anos mais tarde, em 1991, durante a I Guerra do Golfo, fui a Tunis e ao bairro suburbano Borj Cedria (onde a OLP estava instalada) para tentar entrevistá-lo. Não consegui. Parece que Arafat não estava lá… Mas deu para ver como a OLP tinha reconstruído ali o reduto fortificado que teve em Beirute. O bairro da OLP tinha uma fronteira física, só possível de atravessar depois de obtida a devida autorização. Em Borj Cedria não entrava ninguém sem que a OLP concordasse, nem mesmo a polícia tunisina. Lembro-me de ter sido revistado minuciosamente, do equipamento de filmagem ter sido testado (porque podia ter uma arma no interior…), de ter sido interrogado mais do que uma vez sobre o assunto que queria ver tratado. No final, em vez de Yasser Arafat, entrevistei um lugar-tenente da OLP, um árabe de olhos azuis que dava pelo estranho nome de Abed Rabbo. Digamos que foi uma missão mal sucedida…
Mas Beirute sempre foi vítima da conjuntura política. Estes bombardeamentos não são, de resto, os primeiros com que Israel castiga a capital libanesa. Em Junho de 1982, no lugar do Hezbollah estava a OLP de Arafat. Era dali que o dirigente palestiniano dirigia a luta armada contra a ocupação israelita da Palestina. O bairro onde a OLP se tinha fortificado era conhecido por “Fatahland” (a terra da Fatah), tal qual o Hezbollah fez agora no bairro Haret Hreik, nos subúrbios de Beirute.
Quando a situação se tornou insustentável, o governo israelita ordenou a invasão do sul do Líbano e o ataque a Beirute. A cidade esteve cercada e foi ferozmente bombardeada. Israel exigia que Arafat e outros dirigentes palestinianos se rendessem incondicionalmente. A zona da “Fatahland” ficou reduzida a cinzas… Foi um acordo político cozinhado entre americanos, europeus e árabes sauditas que permitiu a retirada da OLP de Beirute para o exílio num país africano, a Tunísia.

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segunda-feira, julho 17, 2006
Médio Oriente.O microfone aberto
Porque foi que, entre 1975 e 1990, o Líbano teve uma guerra civil devastadora? Porque Israel precisava de criar uma zona tampão junto à sua fronteira e, para isso, fomentou a criação de um exército cristão maronita no sul do país. Parece-me que a actual crise, vai terminar quando for possível por em prática uma solução desse tipo, isto é, criar uma zona de segurança para Israel que mantenha fisicamente longe os activistas do Hezbollah.
Talvez agora não seja possível ressuscitar o exército cristão maronita, mas pode ser que as Nações Unidas ou os EUA façam uma coisa parecida, ou seja, enviem para a zona um exército qualquer que garanta a segurança e a separação dos inimigos. Uma força de interposição.
O que já é evidente é que nem o Hezbollah, nem Israel, respeitam a soberania libanesa ou as instituições do estado. O Líbano é uma espécie de terra de ninguém, onde agora mandam uns, depois mandarão outros, mas nunca libaneses… Segundo li, numa crónica publicada na página electrónica da BBC News, o presidente dos EUA acredita que os verdadeiros responsáveis pelos actos do Hezbollah são dirigenes da Síria. À mesa da cimeira do G-8, Bush terá dito (quando julgava que o microfone estava fechado) que "What they ( referindo-se provavelmente à ONU) need to do is to get Syria to get Hezbollah to stop doing this shit and it's over." (o que eles precisam é de fazer com que a Síria faça o Hezbollah parar com esta merda e pronto).
A diplomacia ao mais alto nível.

O que já é evidente é que nem o Hezbollah, nem Israel, respeitam a soberania libanesa ou as instituições do estado. O Líbano é uma espécie de terra de ninguém, onde agora mandam uns, depois mandarão outros, mas nunca libaneses… Segundo li, numa crónica publicada na página electrónica da BBC News, o presidente dos EUA acredita que os verdadeiros responsáveis pelos actos do Hezbollah são dirigenes da Síria. À mesa da cimeira do G-8, Bush terá dito (quando julgava que o microfone estava fechado) que "What they ( referindo-se provavelmente à ONU) need to do is to get Syria to get Hezbollah to stop doing this shit and it's over." (o que eles precisam é de fazer com que a Síria faça o Hezbollah parar com esta merda e pronto).
A diplomacia ao mais alto nível.
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Médio Oriente. Loucos
Nesta confusão do Médio Oriente, já pouco importa quem disparou o primeiro tiro. A questão está em descobrir um modo de parar com a loucura… e, pelo que se tem visto, pode não haver maneira de o fazer. De todos os acontecimentos recentes, desde os raptos de soldados israelitas até às retaliações mútuas, há um pormenor relevante: o armamento do Hezbollah é surpreendente. Porque a mim me surpreende que um partido político (?) possa dispor de armamento e isso seja tolerado pelo governo do Líbano, quando seria certo que esse armamento se destinava a agredir outro estado.
Mas o que acho verdadeiramente surpreendente é a dimensão do arsenal do Hezbollah… mísseis de curto e médio alcance de fabrico iraniano, aparentemente os Fajr-3 (alcance de 45 km) e os Fajr-5 (alcance 75 km) e, provavelmente, também o Zelzal-2 (200 km de alcance), para além da arma mais tradicional, o mundialmente famoso Katyushas de fabrico russo (25 km de alcance). Parece-me que, primeiro, Israel foi surpreendido por esta capacidade de fogo do Hezbollah e, segundo, que existe aqui um óbvio “dedinho” do Irão e, talvez, da Síria, de modo a tirarem dividendos seguros de uma situação de conflito como a que já está em curso.
Israel não quis Arafat como interlocutor político. Talvez os israelitas julgassem que com outro dirigente palestiniano poderiam manobrar mais facilmente. Mas esqueceram-se que Arafat queria, essencialmente, construir um estado. Os que o substituiram talvez só queiram destruir. Os generais desta guerra parecem procurar uma batalha definitiva para esta luta... como se fosse possível escolher entre glória ou morte. Loucos.


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sábado, maio 27, 2006
Um pormenor da vida, no Iraque
Nunca estive no Iraque. Por duas vezes tentei entrar e fiquei na fronteira, no lado jordano. A concessão de vistos a jornalistas por parte do Iraque sempre foi obra do acaso e de políticas que favoreciam os nacionais das grandes potências mundiais ou os trabalhadores de empresas globalmente famosas e importantes. Nem a RTP, muito menos a SIC, alguma vez adquiriram esse estatuto e o nome de Portugal nem fazia estremecer a pálpebra do funcionário consular iraquiano... de modo que, com algum azar à mistura, nunca lá consegui entrar, tanto mais que, nas ocasiões em que o visto era garantido, porque a política era de portas abertas, as "estrelas da companhia" fizeram sempre valer as suas prerrogativas.
Enfim, nunca lá fui mas, claro, tenho acompanhado com interesse a evolução dos acontecimentos. O Iraque sempre tem sido notícia. Mas há coisas que, por mais jornais que se leiam ou mais televisão que se veja, há coisas que não nos apercebemos facilmente.
Como isto, por exemplo...
O primeiro conjunto de fotos diz respeito às actividades estudantis femininas, no campo desportivo, e data de 1963-1964... a outra foto diz também respeito a actividades estudantis femininas neste ano lectivo de 2006...
As fotos são uma espécie de antes-e-depois da "libertação" propiciada pelos EUA. Não digo, com isto, que tudo estava bem no tempo de Saddam e que tudo vai mal, hoje. Acho que havia muita coisa mal, nos anos 60, 70, 80, 90, acho que o regime de Saddam foi um regime indecente sob muitos aspectos. Mas, realmente, acho que hoje tudo está bem pior, para a maioria dos iraquianos. E o pormenor revelado pela foto, é apenas isso mesmo... um pormenor.
Enfim, nunca lá fui mas, claro, tenho acompanhado com interesse a evolução dos acontecimentos. O Iraque sempre tem sido notícia. Mas há coisas que, por mais jornais que se leiam ou mais televisão que se veja, há coisas que não nos apercebemos facilmente.
Como isto, por exemplo...


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sexta-feira, maio 12, 2006
Hanan, mais uma vez
É uma mulher de cara destapada. O Mundo descobriu-a em 1988, quando participou num debate televisivo sobre o processo de paz do Médio Oriente. De um lado estavam quatro palestinianos, entre eles Hanan Ashrawi, do outro lado quatro israelitas. A capacidade argumentativa que revelou, o raciocínio ágil, o brilhozinho nos olhos, transformaram uma professora numa tremenda activista política.
Encontrei-a em Ramallah, em 89 e em 1991 em Lisboa. Foi aqui que a entrevistei longamente para o Jornal das 9 do Canal 2 da RTP. Longamente, porque me deixei enfeitiçar pelas palavras e pelo olhar escuro desta mulher. De facto, utilizei três ou quatro minutos úteis para o trabalho exibido nesse jornal televisivo. Mas não fui capaz de prescindir do privilégio de estar ali com ela e poder aprender com ela.
Hanan Ashrawi tinha um discurso muito humano, democrático, inatacável. Falava em direitos humanos e políticos para todos os povos do Médio Oriente e rejeitava, absolutamente, o poder da força que sustentava a repressão israelita. Era até um discurso algo deslocado da praxis da OLP. Por alguma razão, Hanan Ashrawi acabou por ser afastada dos cargos que desempenhava (em 91, ela era porta-voz da delegação da OLP nas negociações de paz). Tal como a convidou, Arafat também a despediu…
Guardei dela a consciência de estar perante uma mulher muito corajosa, que arriscava muito naquele jogo de homens armados.

Hanan Ashrawi tinha um discurso muito humano, democrático, inatacável. Falava em direitos humanos e políticos para todos os povos do Médio Oriente e rejeitava, absolutamente, o poder da força que sustentava a repressão israelita. Era até um discurso algo deslocado da praxis da OLP. Por alguma razão, Hanan Ashrawi acabou por ser afastada dos cargos que desempenhava (em 91, ela era porta-voz da delegação da OLP nas negociações de paz). Tal como a convidou, Arafat também a despediu…
Guardei dela a consciência de estar perante uma mulher muito corajosa, que arriscava muito naquele jogo de homens armados.
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segunda-feira, maio 08, 2006
Israel, na primeira Intifada. O crente
Em 1989, Belém era uma cidade ocupada. Os soldados israelitas ocupavam os telhados das casas mais altas. Raramente se viam patrulhas nas ruas, mas dos telhados eles controlavam todos os movimentos da cidade.
Naquele dia, havia pedras a voar e tiros de gás lacrimogéneo, nas ruelas estreitas que desembocavam na praça principal da cidade, onde está a Igreja da Natividade.
Ainda assim, havia turistas por ali. Chegavam de camioneta, vindos de algum hotel de Jerusalém ou Telavive, paravam à porta da igreja e entravam. Não se passeava pela cidade, por causa dos distúrbios e isso afectava bastante o negócio dos comerciantes palestinianos.
Elias Freij era o presidente da câmara de Belém. Era um tipo importante, com uma história política longa. Recebeu-me em casa, porque naquele dia, como já disse, o ar da cidade estava cheio de fumo lacrimante…
Tive, assim, oportunidade de conhecer um dos dirigentes palestinianos menos ortodoxos, se é que a palavra se pode aplicar… Freij era católico (presbeteriano?) e pertencia a uma família residente em Belém há mais de cinco séculos. Além de edil, tinha umas lojas onde se podiam comprar recordações locais como, por exemplo, garrafinhas com azeite e pequenas esculturas em pedra. Sempre foi um tipo influente, tanto no período do domínio inglês, no jordano ou no israelita. Freij era o único dirigente palestiniano que os israelitas não depuseram.
Quando estive com ele, já me pareceu um homem de movimentos lentos… não sei que idade tinha, nem sei se seria por causa da idade se apenas um hábito cauteloso adquirido pela experiência de quem sempre viveu a contar que o céu lhe iria cair na cabeça…
Mas tinha um espírito ágil. E falava do futuro com uma certeza inabalável. E para ele, o futuro era a independência da Palestina e a autodeterminação do seu povo. Era a isso que ele rezava, todos os domingos, na Igreja da Natividade.
Naquele dia, havia pedras a voar e tiros de gás lacrimogéneo, nas ruelas estreitas que desembocavam na praça principal da cidade, onde está a Igreja da Natividade.
Ainda assim, havia turistas por ali. Chegavam de camioneta, vindos de algum hotel de Jerusalém ou Telavive, paravam à porta da igreja e entravam. Não se passeava pela cidade, por causa dos distúrbios e isso afectava bastante o negócio dos comerciantes palestinianos.
Elias Freij era o presidente da câmara de Belém. Era um tipo importante, com uma história política longa. Recebeu-me em casa, porque naquele dia, como já disse, o ar da cidade estava cheio de fumo lacrimante…

Quando estive com ele, já me pareceu um homem de movimentos lentos… não sei que idade tinha, nem sei se seria por causa da idade se apenas um hábito cauteloso adquirido pela experiência de quem sempre viveu a contar que o céu lhe iria cair na cabeça…
Mas tinha um espírito ágil. E falava do futuro com uma certeza inabalável. E para ele, o futuro era a independência da Palestina e a autodeterminação do seu povo. Era a isso que ele rezava, todos os domingos, na Igreja da Natividade.
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sábado, maio 06, 2006
Israel, na primeira Intifada. O aristocrata
Já contei alguns dos episódios ocorridos durante a viagem que fiz a Israel, Cisjordânia e Gaza em 1989. Foi uma experiência bastante intensa, até porque tive oportunidade de conhecer pessoas bastante interessantes, nomeadamente no lado palestiniano. Infelizmente, os israelitas revelaram-se muito mais retraídos nos contactos com jornalistas estrangeiros, muito mais desconfiados e muito mais sobranceiros.
Vou, então, dar início a uma curta sequência de apresentações dessas pessoas que considerei, considero ainda hoje, de elevado nível intelectual e de rara qualidade humana.
Faisal Husseini foi uma dessas pessoas. Era um tipo importante dentro da OLP e da Fattah. Na época era mesmo considerado um dos prováveis sucessores de Yasser Arafat.
Faisal Husseini era um aristocrata palestiniano. Nascido de boas famílias, gente com dinheiro, donos de fábricas e comerciantes, estudou em Bagdad (onde nasceu, em 1940), em Damasco e em Amman.
Combateu contra Israel, seguindo a tradição familiar, mas, com tudo isto, não me pareceu ser um sectário irredutível. Era um homem sereno, apesar de estar constantemente sob observação militar, apesar de estar muitas vezes sob regime de prisão domiciliária, apesar disso tudo falava claro e suavemente. Era um homem de negociação, não de combate armado.
Gostei dele, gostei dos argumentos que utilizou para justificar a Intifada então em curso. Não falava em ódio nem em vinganças bíblicas, citava antes as resoluções da ONU e as normas do direito internacional. Percebi que acreditava profundamente nas justas razões da causa por que lutava.
Morreu cedo, aos 61 anos, de ataque cardíaco. Está enterrado no local mais emblemático e sagrado para os palestinianos, a Mesquita Al Aqsa, em Jerusalém.
Vou, então, dar início a uma curta sequência de apresentações dessas pessoas que considerei, considero ainda hoje, de elevado nível intelectual e de rara qualidade humana.
Faisal Husseini foi uma dessas pessoas. Era um tipo importante dentro da OLP e da Fattah. Na época era mesmo considerado um dos prováveis sucessores de Yasser Arafat.

Combateu contra Israel, seguindo a tradição familiar, mas, com tudo isto, não me pareceu ser um sectário irredutível. Era um homem sereno, apesar de estar constantemente sob observação militar, apesar de estar muitas vezes sob regime de prisão domiciliária, apesar disso tudo falava claro e suavemente. Era um homem de negociação, não de combate armado.


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sábado, abril 22, 2006
Israel 1989, na primeira Intifada. Gaza
A entrada em Gaza foi estudada minuciosamente. Com a aproximação do dia 9 de Dezembro, dia do segundo aniversário da Intifada, os israelitas aumentaram o grau de alerta das forças armadas. Multiplicavam-se as barreiras nas estradas e, muitas vezes, não nos deixavam passar, se desconfiavam que poderíamos ir a algum sítio e servir de motivação para mais distúrbios. É verdade que os palestinianos aproveitavam a presença de equipas de televisão para iniciarem desacatos.
Nunca nada acontecia, sem que a televisão lá estivesse. Qualquer televisão lhes servia, não precisava de ser a BBC… (ainda não existia CNN).
De modo que decidimos atravessar a Cisjordânia de noite e entrar em Gaza pela madrugada. Usámos apenas estradas secundárias, para evitar o mais possível as barreiras militares. Nessa noite, desabou uma tempestade tremenda. Chovia torrencialmente e o vento soprava gelado. A intempérie ajudou-nos. Os militares israelitas estavam pouco mobilizados para tarefas policiais, ainda por cima à chuva e ao frio…
Quando chegámos a Karni Crossing, assim se chama a “porta” para entrar em Gaza, deviam ser 3 ou 4 da manhã. A escuridão era iluminada por fogueiras que ardiam dentro de bidões. Dirigi o carro em ziguezague, evitando os blocos de cimento colocados no caminho de modo a evitar que alguém pudesse forçar a passagem conduzindo um veículo a alta velocidade. Quando cheguei à cancela, o soldado veio, arrepiado pela molha e pelo vento frio. Olhou para a matrícula e perguntou se queríamos mesmo seguir… disse-lhe que sim e encolheu os ombros. Nem chegou a pedir-nos a identificação…
Chegámos à cidade e resolvemos esperar que o sol nascesse. Parámos num largo, onde havia muitas camionetas e uma multidão imensa de vultos. Na escuridão, aquele cenário metia medo. Quem eram aqueles todos? O intérprete explicou que eram trabalhadores palestinianos, a caminho do emprego em território israelita. E explicou que 90% da população activa de Gaza não tem emprego. E que as pessoas não têm outra solução senão ir trabalhar para Israel. E que, assim, os israelitas ganham de duas formas: exploram mão-de-obra barata e sem capacidade reivindicativa e, quando querem pressioná-los politicamente, proíbem a circulação dos trabalhadores, deixando as pessoas sem trabalho e sem salário.
De repente, ficámos rodeados por centenas daqueles tipos. Alguns começaram a abanar o carro. O intérprete gritou com eles. O que quer que lhes tenha dito, foi o suficiente para os acalmar. Também ajudou o facto das camionetas começarem a partir. O nosso problema era que estávamos com um carro de matrícula amarela, a matrícula dos israelitas, e deveríamos ter um carro de matrícula azul, a cor atribuída para as matrículas dos carros dos árabes… de modo que saímos dali rapidamente, escondemos o carro numa garagem da estalagem onde íamos ficar e alugámos um táxi ao dia.

De modo que decidimos atravessar a Cisjordânia de noite e entrar em Gaza pela madrugada. Usámos apenas estradas secundárias, para evitar o mais possível as barreiras militares. Nessa noite, desabou uma tempestade tremenda. Chovia torrencialmente e o vento soprava gelado. A intempérie ajudou-nos. Os militares israelitas estavam pouco mobilizados para tarefas policiais, ainda por cima à chuva e ao frio…
Quando chegámos a Karni Crossing, assim se chama a “porta” para entrar em Gaza, deviam ser 3 ou 4 da manhã. A escuridão era iluminada por fogueiras que ardiam dentro de bidões. Dirigi o carro em ziguezague, evitando os blocos de cimento colocados no caminho de modo a evitar que alguém pudesse forçar a passagem conduzindo um veículo a alta velocidade. Quando cheguei à cancela, o soldado veio, arrepiado pela molha e pelo vento frio. Olhou para a matrícula e perguntou se queríamos mesmo seguir… disse-lhe que sim e encolheu os ombros. Nem chegou a pedir-nos a identificação…

De repente, ficámos rodeados por centenas daqueles tipos. Alguns começaram a abanar o carro. O intérprete gritou com eles. O que quer que lhes tenha dito, foi o suficiente para os acalmar. Também ajudou o facto das camionetas começarem a partir. O nosso problema era que estávamos com um carro de matrícula amarela, a matrícula dos israelitas, e deveríamos ter um carro de matrícula azul, a cor atribuída para as matrículas dos carros dos árabes… de modo que saímos dali rapidamente, escondemos o carro numa garagem da estalagem onde íamos ficar e alugámos um táxi ao dia.
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sexta-feira, abril 21, 2006
Israel, 1989. Na primeira Intifada. No hospital
E de que me lembro eu do hospital de Nablus? Lembro-me de enfermarias pintadas de amarelo e branco, cheias de gente entubada, engessada, dorida. Lembro-me de ver um homem gordo, que destaparam de propósito para que pudéssemos ver bem o corpo todo pisado de porrada. Não havia um centímetro de pele que não estivesse enegrecida do sangue pisado.
Lembro-me de ver miúdos com o corpo retalhado, paraplégicos e que ainda faziam o V com os dedos… V de quê? V de vida fodida? Que vida era aquela? E as famílias à volta dos feridos, pais, mães, avós, resignados perante tanta fatalidade. Lembro-me de registar a lengalenga dos médicos sobre a falta de medicamentos e de instrumentos cirúrgicos, a falta de energia, a falta de água, a falta de tudo. Lembro-me de ter notado que não havia soldados feridos, que todos os feridos eram civis, que todos os civis eram combatentes, que as convenções internacionais sobre a matéria estão desactualizadas e que ninguém as respeita.
Lembro-me de ficar muito cansado daquilo tudo e de não perceber como conseguiam eles continuar naquilo, naquele dia-a-dia demente e sem fim à vista. E não teve, ainda, um final. Aquela luta ainda hoje continua. Não sei como é possível que uns ainda não se tenham cansado de bater e outros não tenham ainda desistido de apanhar. Lembro-me, ainda, de termos comido com os médicos, na cozinha do hospital. Comemos todos à volta de uma enorme frigideira com qualquer coisa frita com tomate. Não sei o quê, mas comemos. A reportagem em Nablus estava feita, só faltava sair dali…


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terça-feira, abril 18, 2006
O Mar Morto morre
O Mar Morto está a desaparecer, li ontem a notícia (já não sei onde). Estive duas vezes nas margens desse Mar. Em 1989, no lado israelita e em 2001 no lado da Jordânia. Se Israel deixar morrer o Mar Morto perde um dos principais encantos do país. As praias do Mar Morto são únicas no Mundo. Em cada uma daquelas estâncias balneares há avisos que proíbem os mergulhos, sob pena de se cegar devido à salinidade da água. Mas pode-se flutuar sentado… o que é uma experiência única. Há mesmo quem leia livros ou o jornal flutuando na água que, devido à salinidade exagerada, tem uma impulsão muito maior que a água normal. Se a salinidade continuar a aumentar, acho que se vai chegar ao ponto de se conseguir caminhar sobre a água… onde é que já ouvi falar disto?
Israel faz negócio com o seu Mar Morto. Não são só as praias, são também os hotéis com spa que utilizam aquela água para tratamentos de não sei o quê e uma quantidade de produtos de merchandising derivados do Mar Morto: cristais de banho, pedras, areia, lama de beleza, por aí fora. Além do mais, o Mar Morto é uma barreira natural, uma fronteira fácil de guardar e de vigiar. Não consta que seja por ali que entram os terroristas que colocam bombas em Israel.
Visto do lado jordano, o Mar Morto tem menos atractivos. Não sei se é pelas margens serem mais rochosas, mas a margem jordana não está explorada do ponto de vista turístico, nem há venda dos produtos com que os israelitas ganham bom dinheiro. Portanto, segundo a notícia que li, são os israelitas quem estão a dar cabo do Mar Morto, ao impedir que a água do Jordão lá chegue na quantidade necessária para o Mar Morto se manter.
Talvez Israel tenha chegado à conclusão que a água do Rio Jordão é melhor empregue na irrigação dos campos agrícolas. Cheira-me que está ali (na água) mais um foco de tensão entre os vários estados da região. A saber: Líbano, Jordânia, Palestina e Israel.



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sábado, abril 08, 2006
Israel, 1989 - na primeira Intifada - Yad Vashem
Em Jerusalém, em 1989, era fácil percebermos se estávamos na zona árabe ou na israelita. Os bairros árabes eram sujos, desordenados, as casas inacabadas com o tijolo à mostra, as ruas tortuosas e esburacadas. Na zona israelita não havia pichagens a sujar as paredes, nem pneus a arder no meio das ruas, nem contentores de lixo a abarrotar para o chão, notavam-se as preocupações urbanísticas e o cuidado na preservação das pedras milenares. Estas diferenças abismais, às vezes, eram de uma rua para outra ou do outro lado do cruzamento.
Hoje talvez já não se note, porque estão a construir um muro alto para separar as comunidades. O olhar deixará de se escandalizar com a degradação, para ficar murado pelo betão. Não sei se o muro irá dividir Jerusalém do modo como está a cortar a Cisjordânia…
Eu e o Carlos Aranha percorremos a cidade de lés a lés e fomos à descoberta do resto do país, visitámos Tel Aviv, fomos a Haifa, no norte, conhecemos Nazaré, estivemos em Beersheba, ficámos uns dias em Elat para darmos uns mergulhos no Mar Vermelho. Israel pode ser um país encantador, culturalmente riquíssimo, tanto quanto pode ser um local horrível onde povos inimigos se matam metódica e encarniçadamente.
E é tão estranho que seja assim… como pode um povo que passou pelo Holocausto ser, assim, tão duro com outro? Ou será que é precisamente por isso que, hoje, os judeus preferem matar a correrem o risco de voltarem a ser alvo de extermínio colectivo?
Um dos locais que mais me impressionou foi o Museu Yad Vashem, em Jerusalém, erigido em memória dos que foram mortos pelos nazis. É um museu sui generis, um espaço de vários hectares, com jardins e vários pavilhões temáticos.
Tudo o que está ali foi concebido para provocar emoções… o labirinto de Babi Yar, por exemplo, mexe com os nervos de qualquer um. É um labirinto, ao ar livre, constituído por imensos blocos de granito. Em cada bloco, o nome de uma ou mais comunidades judaicas exterminadas pelos nazis.
São tantos nomes escritos na pedra… os caminhos desse labirinto levam, forçosamente, ao centro da estrutura onde está um banco de pedra em frente à pedra de Babi Yar, uma localidade russa que os nazis riscaram do mapa e onde não sobreviveu um único membro judeu. Quem se senta naquele banco, sente uma tristeza imensa, uma angústia esmagadora, indisfarçável.
Outro local que jamais esquecerei, em Yad Vashem, é o pavilhão dedicado às crianças mortas nos campos de concentração nazis. Dirigi-me para lá, convencido que ia ver um montão de fotos de meninos e meninas esqueléticas, de cadáveres amontoados, de carinhas tristes… mas, no interior, mal entramos, fomos envolvidos pela escuridão imensa, impenetrável. Uma voz aconselhou-nos a tactear um corrimão e a caminharmos pela escuridão apoiados nessa trave. Começámos a caminhar, devagar, apareceram umas luzinhas de vela ao longe, primeiro uma, duas, três… chegaram às centenas. Por cada luzinha trémula, ouvia-se a voz dizer um nome e uma idade: João, 3 anos… Inês, 5 anos… Maria, 6 meses… Joaquim, 7 anos… Ana, 11 anos… Manuel, 9 meses… Sofia, 6 anos… António, 10 anos… Joana… uma vertigem, uma coisa horrível, as lágrimas irreprimíveis… no final do corrimão, a porta abriu-se e entrou luz do dia, violenta, que iluminou o porteiro… um homenzinho muito magro, vestido com umas calças e um casaco cinzento às tiras pretas, que ao esticar o braço para segurar a porta aberta destapou um número tatuado no antebraço… e que nos disse “obrigado por terem vindo”.

Eu e o Carlos Aranha percorremos a cidade de lés a lés e fomos à descoberta do resto do país, visitámos Tel Aviv, fomos a Haifa, no norte, conhecemos Nazaré, estivemos em Beersheba, ficámos uns dias em Elat para darmos uns mergulhos no Mar Vermelho. Israel pode ser um país encantador, culturalmente riquíssimo, tanto quanto pode ser um local horrível onde povos inimigos se matam metódica e encarniçadamente.





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Acerca de mim

- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média