Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, novembro 22, 2006

5ª dimensão

Aqui há dias ouvi alguém recordar o tempo em que ia com a família ver televisão ao café. Quem falava é um cinquentão (mais velho que eu) e invocava memórias da meninice. Os pais bebiam galão e as crianças sumos. E viam televisão sentados, se chegassem cedo. Em pé, se chegassem tarde. Era o tempo em que o visionamento da televisão era um hábito comunitário, partilhado e, provavelmente, discutido. Depois, a televisão começou a isolar as pessoas. A banalização do aparelho, em simultâneo com outros electrodomésticos, tirou a televisão das áreas públicas para dentro de casa. Hoje, dizia-se em fecho desta conversa que vos relato aqui, há um televisor em cada quarto e mais outro na cozinha. Ver televisão é, agora, um acto solitário e, por vezes, até pode ser alienante. Penso que a televisão perdeu sabedoria.

Não me lembro de ter vivido esse fenómeno da televisão comunitária. Lembro-me que o primeiro aparelho chegou a minha casa uma semana antes do homem ter chegado à Lua, em 1969. Lembro-me de ver (a preto e branco) o astronauta Armstrong aos saltinhos na superfície lunar. Devo ter ficado fascinado.
Mas, em 2000, observei esse fenómeno que leva uma comunidade em peso olhar para uma janela de luz e som. Foi em Bili, no norte do Congo. Um dia, uma senhora pediu-nos o pequeno gerador portátil emprestado e convidou-nos para ir a casa dela, nessa noite, ver filmes. Televisor e leitor de cassetes ela tinha, mas faltava-lhe energia para os por em funcionamento. Lá fomos, mais por cortesia que por vontade de ver televisão. Estava lá toda a gente. E a senhora cobrava bilhetes pela entrada. Cada pessoa, além de pagar o direito de acesso, carregava a sua própria cadeira.

Estavam mais de 70 pessoas a ver televisão, esbugalhados, a olhar para um velho documentário da BBC. Às vezes riam-se muito, outras vezes comentavam entre si o sucedido na pantalha. Era uma experiência partilhada com muito entusiasmo, curiosidade, atenção e alegria. Sei que, hoje, desde que haja energia, as sessões de televisão repetem-se em Bili, no norte do Congo. Em Santo Tirso é que já não (excepto quando joga o fêquêpê).

8 comentários:

Isabel Victor disse...

Belo tema para debate em espaço museológico ...

Saudações

Anónimo disse...

Cá em casa só há uma. Quase todos os nossos amigos têm pelo menos três.
Na cozinha não sei para que serve. Só estou na cozinha para cozinhar, o que não dá direito a olhar para a televisão.

LA disse...

Ainda me lembro quando a minha visavo respondia as boas noites ao apresentador do telejornal porque pensava que ele a ouvia!
Da minha parte, ja ha muitos anos que vejo muito pouca tv, no outro ano devo ter visto um maximo de 20 horas! Nao me interessa muito!
Mas se as pessoas gostam, que se vai fazer? Ata-las com uma corda e obriga-las a ler livros "interessantes"? Li ha uns tempos um artigo que dizia que pela primeira vez, o tempo que as pessoas gastam a ver tv nos USA, diminuiu. Agora, as pessoas passam mais tempo na net! A fazer o que, a ler blogues chalupas?
Nao sei se a tv em Portugal é assim tao ma! No UK, com as BBCs e outras que tais, também ha os big brothers, os tempos infinitos de noticias com coisas de chacha, ha as soap em vez das novelas, e algumas soaps ja duram 20 anos (!), etc! E em Portugal as tvs acabam por passar as melhores series e filmes que se fazem pelo mundo fora, sem dobragens, como em França, Italia, Espanha, etc.
Cada um entertem-se como quer, com trico ou tv. Eu ouço mais musica, mas até preferiria um harem para me cultivar!
luis

Isabela Figueiredo disse...

Esta semana ainda não liguei a televisão, lembro-me agora. Irrito-me a ver televisão. Só suporto ver canais do cabo como o Odisseia ou o História.
Mas lembro-me que em 1977 ia para casa de uma vizinha ver A Cornélia. Iamos todos. A vizinha tinha uma sala pequeníssima, e nós éramos aos 30. Era uma megera, mas ninguém na Boavista, Alcobaça se zangava com ela. Pudera, era praticamente a única televisão da aldeia, tirando os cafés e as casas ricas, e ela estava sempre sozinha, que o marido tinha uma amante, e tal, e por isso é que lhe tinha comprado a televisão. E ao domingo à tarde... era bestial, ao domingo à tarde, sobretudo quando chovia e eu ia para lá ver a Heidi e o Vickie e os outros programas todos. Havia filmes do Tarzan. Porra, que saudades dos filmes do Tarzan e da Heidi e do Vickie e de mais meia dúzia de coisas.

Diogo disse...

«alguém recordar o tempo em que ia com a família ver televisão ao café.»

Também me lembro de ir com os meus avós, depois do jantar, ao café ver televisão. E ainda não fiz 50 anos.

AGRIDOCE disse...

Dois posts com o mesmo instrumento - a TV - mas com temas bem diferentes. Quem sabe, sabe.
Neste último, somos levados (quero dizer, sou levado) aos tempos em que acontecia a "socialização" da tv.
A primeira vez que vi tv (dos primeiros dias), estava a passar férias em Mira, na "Barrinha". Um catamaran passeava com o aparelho, flutuando sobre as águas, a dar imagens alternadas à multidão de cada margem. Multidão, ou multidões, ouviram??
Não tenho a certeza do que nasceu primeiro: se a qualidade da tv perdida, se o roubo do espaço pela net, se outras culturas de lazer (deviam ser só dois exemplos, para ligar com a imagem do ovo e da galinha, não?!). Para mim, foi de tudo um pouco, e muito do primeiro.

Ida disse...

Bem... a primeira coisa que me ocorreu foi a lembrança de meu pai, em pé, com os olhos cheios de lágrimas, comovido pela morte do Elvis, pela forma estúpida com que desapareceu o dono da voz que ele adorava. Eu era garota, mas foi uma imagem inesquecível, e foi por causa da telinha.

Depois, mais tarde, veio a experiência deliciosa de chegar a Portugal e ir para o café, depois do jantar, ver tv com primos e encontrar amigos deles e dos meus pais e tios, todos democraticamente lá, e sem distinção de sexo.

Acho que o sr. CN tem toda a razão, perdeu ou perdemos sabedoria, pois nunca devíamos tê-la deixado entrar nas cozinhas e, sobretudo, na sala. Ficasse sempre esse objeto de lazer, fazendo parte do café, como o jukebox.

Mas tenho uma lembrança deliciosa e recente, um bar no centro de Aveiro, chamado Galitos, onde íamos tomar chá, café, ver os jogos de futebol, jogar jogos de sociedade, e dar uma espiada pra tv, enqto encontrávamos conhecidos e nos deixávamos embalar pelo jazz ou a bossa-nova dos rapazes que ficavam ao balcào e escolhiam a trilha sonora. Até o laptop era bem vindo, numa tolerância que misturava trabalho e ócio como eu nunca vi.

Ida disse...

PS: Sr. LA, harem só mais pra leste... mas há que ter uma quantidade de camelos pra negociar:) Agora, desde quando harem é pra se cultivar? Melhor ler o Voltaire, e seu "Candide".

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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