Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











terça-feira, novembro 28, 2006

United Colours

O Observatório Europeu do Racismo e Xenofobia, no seu relatório anual, diz que em Portugal há poucos registos de actos racistas ou discriminatórios por motivos étnicos.
Ora, todos sabemos que, se é assim, é porque as pessoas não vão para a esquadra participar de quem os ofende. Não estão para perder tempo, arranjar ainda mais problemas, essencialmente porque têm a percepção que seria inútil. Pois, eu penso que deveriam fazê-lo, mesmo sendo inútil… quanto mais não fosse para não permitirem a existência de uma estatística cor-de-rosa, para não permitirem a manutenção de uma mentira.
De resto, acho que esse índice deveria contar com mais factores, para além da participação policial, tais como, por exemplo, a dificuldade de uma pessoa não caucasiana em arranjar emprego que não seja nas obras, nas caixas dos supermercados ou nas boutiques dos centros comerciais…Conheço vários casos em que pessoas negras foram rejeitadas para determinadas funções porque “seria mau para o negócio”. Ora, se isto não é racismo, não sei o que será. Revela o preconceito do empregador, provavelmente consequência do preconceito generalizado na população.
Além disto, acho que o racismo tem sido pouco e mal estudado. É que, convém não esquecer, o racismo não tem um só sentido. É uma acção que provoca reacção. Às vezes, mais do que isso. Provoca mesmo explosão.

9 comentários:

MHita disse...

O tipo de racismo e de discriminação que existe em Portugal apresenta-se na sua mais cruel forma - o racismo instituido. É aquele em que os autores já nem se apercebem que o fazem e as vitimas aceitam-no porque acham que assim deve ser.

Paulo disse...

Acho que todos os povos são racistas. Em África, fui vítima disso porque a minha pele era demasiado clara. Em Portugal, uma das minhas filha já foi vítima disso porque o seu tom de pele é demasiado escuro. Não há volta a dar-lhe. A não ser que apareça por aqui um extraterrestre, o que nos obrigará a olhar para todos - pretos, brancos, amarelos - como humanos, que é verdadeiramente aquilo que somos.
Em Portugal as pessoas são racistas, de forma envergonhada. Na prática não muda nada, mas pelo menos, conscientemente ou inconscientemente, sabem que é mau.

Ida disse...

Tenho dúvidas sobre se os portugueses "sabem que é mau" ser racista. Ou, pelo menos, tenho dúvidas se sabem o que constitui um ato de racismo, além é claro de ações óbvias como matar alguém de outra raça e deixar uma plaquinha explicando que o fez por ódio à etnia da vítima.

Só para ilustrar, a esposa de um primo meu tinha uma empregada em casa (Lisboa) da Guiné e sempre se referia à moça como "a preta". Quando eu lhe perguntei se ela não tinha nome, respondeu no melhor da sua agressividade irônica: "e precisa?". Acho q essa esposa do meu primo, ou não sabe o que é racismo, ou não sabe que "é mau ser racista".

Ida disse...

Caríssimo CN,

Concordo totalmente sobre a necessidade de haver estatísticas. Não posso esquecer do fato de uma prima que sofreu tentativa de estupro em Braga (só foi tentativa pois ela conseguiu desvencilhar-se de indivíduo aos berros e mordidas) e quando recorreu à esquadra para registar queixa disseram-lhe que tal não era possísvel pois não havia estatísticas, insinuando que, se não havia estatísticas, ela estaria querendo registar um evento de mesmo teor de avistar um OVNI, por exemplo.

Isabela Figueiredo disse...

Tenho uma prima que foi vítima de violência doméstica grave, durante 20 anos, e cada vez que ia à esquadra para apresentar queixa mandavam-na embora dizendo que não devia fazer isso ao marido, que eram só uns copitos que tinha bebido, que era melhor voltar para casa, etc.
Isto foi nos anos 70, 80 - a polícia, hoje, tem outras indicações.
O resto da história deixarei para contar no meu blogue, mais dia, menos dia. Quando conseguir. Quando me apetecer. É longa.
Isto não tem nada a ver com o teu poste?! Para mim tem.
A certa altura, claro, a minha prima deixou de ir à polícia, e quando precisou de queixas recentes em tribunal, não as tinha.
Ninguém vai à polícia para ser mal recebido e ser mandado de volta, como se fosse ele o criminoso. O que acontece aos negros do meu bairro se forem à esquadra da polícia queixarem-se de racismo e xenofobia? Xenoquê, perguntar-lhe-ão os polícias. Os negros são presos por ter cão e por não ter: se vão em grupo são um gangue, logo uma ameaça. Se estão sozinhos andam disfarçados a ver se roubam, logo uma ameaça. Conhecendo eu os fulanos que estão na polícia. Sabendo eu que MUITOS DELES INTEGRAM FORÇAS NAZIS, FASCISTAS quando tiram o uniforme de polícias, como podemos estar à espera que as pessoas se vão lá queixar?! Eu, se estivesse no lugar delas também pensaria duas vezes.

dorean paxorales disse...

Caro CN,

Cada vez que apanho um taxi por Lisboa à noite já sei que tenho grandes probabilidades de me vêr receptáculo de um arrazoado violento de disparates: porque sou branco, sou "de confiança", calculam.
Por timidez, tenho evitado a contraposição (*). Faço mal, talvez, mas com a atitude agressiva de alguns, todo o cuidado é pouco.

Digo isto para ilustrar o seguinte: não me parece que haja um racismo envergonhado global em Portugal. O que acontece é que, quando existe, se manifesta mais ou menos descaradamente consoante a responsabilidade social que cada um se atribui. Daí que seja simplesmente ignorado pelas instituições, onde poderia ser eficazmente combatido, ao contrário do que se passa com a discriminição feminina, p.ex.

(*) Os mais fanáticos podem sempre traduzir isto por 'taxismo' mas para preconceito nem é dos piores...

apre disse...

Há muito quem ache que racismo é apenas sinónimo de ódio às outras raças. Na cabeça dessas pessoas, discriminar em função da cor da pele, achar que alguém é inferior, menos inteligente ou delinquente só por ter a pele mais escura não é racismo, é um dado adquirido.
Por outro lado, parece que, ao contrário do que acontecia antes, em que as pessoas eram racistas mas não o admitiam, agora há uma nova geração que não tem qualquer pudor em gabar-se de ser racista. Vi-me envolvida, uma vez, numa discussão com meia dúzia de pessoas (minhas conhecidas de há algum tempo) com quem até mantinha boas relações, a propósito de racismo. Para meu espanto, eu era a única pessoa presente que não era racista. Pior: falavam como se eu fosse uma espécie de traidora da "nossa" raça e fosse merecedora de condenação moral... Felizmente, a discussão deu-se em ambiente virtual, senão, eu era bem capaz de ter saído de lá linchada...

Ida disse...

Eu não seria capaz de afirmar com tanta serenidade: "eu não sou racista". Acho que é uma programação cultural, não dá para fugir dela, é possível, porém, reagir a ela.

A FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) começou uma campanha genial para levantar a questão e trazer o assunto para a superfície criando o menos possível de rejeição. Conheci as publicitárias que criaram o slogan da campanha e quem quiser saber mais deve seguir o link: http://www.dialogoscontraoracismo.org.br/forms/default.aspx

Carlos, desculpa, eu não sei por links no blog, se puderes, toma as rédeas.

O título da campanha é das coisas mais geniais que já vi:
Onde você guarda o seu racismo?

Ida disse...

Carlos,
Hoje uma pessoa me disse que, quando em um anúncio de emprego há menção à boa aparência, isso quer dizer que estão excluídos negro/as, gordo/as e feio/as, mas que um branco gordinho e feio tem infinitamente mais hipóteses do que um/a negro/a magro/a e bonito/a.

Ah... tb estão excluídas as mulheres de mais de 35 ou que, tendo essa idade, a revelem claramente pela aparência.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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