Mais uma folha de papel recuperada do arquivo morto onde jazia. Pertenceu a um bloco de bolso, um dos muitos que não guardei porque se desfizeram com o uso e maus-tratos. Por alguma razão sobrou esta folha. Não tem data, mas é de 1998, dos meses de Julho a Novembro. O que tem de curioso, esta folha, é a verificação dos nomes de guerra dos generais e outros oficiais de alta patente angolanos. O brigadeiro Jota era o oficial de ligação do CEMGFA com a imprensa. O homem era competente à sua maneira, ou seja, privilegiava os órgãos de comunicação social públicos angolanos em detrimento dos jornalistas estrangeiros que considerava, sempre, tipos suspeitos de simpatia com a UNITA, vá-se lá saber porquê.
No rol de nomes e contactos desta pequena folha aparecem, ainda, o brigadeiro Faísca, o brigadeiro Cowboy e o general McKenzie (pessoas de quem não guardo na memória qualquer referência). Já o mesmo não posso dizer do general Faceira, na altura vice-chefe do EMGFA. Graças a ele, conseguimos ultrapassar muitas dificuldades que outros colocaram à realização das nossas reportagens. Foi ele quem nos apresentou ao general João de Matos (o CEMGFA) e que o convenceu a que nos deixasse acompanhá-lo nas visitas que fazia às frentes de combate. Corremos Angola de lés a lés com eles, entrámos até pelo Congo dentro, ocupando dois lugares vagos no pequeno avião Piper que era utilizado pelo Chefe do Estado Maior. Tudo correu bem, até que a desconfiança se instalou de novo, devido à hipersensibilidade dos angolanos em relação ao trabalho dos jornalistas estrangeiros. Assim que recebeu um relatório enviado de Lisboa sobre o que dizíamos nas reportagens que fazíamos em Angola, o general afastou-nos e tudo se tornou mais difícil a partir daí.. Ainda assim, o nosso “estado de graça” durou largas semanas. Um “estado de graça” só possível devido ao estranho sentido de solidariedade existente nas castas militares. Eu explico: o general Faceira era Comando. Tinha sido Comando da tropa portuguesa, no tempo colonial e, depois da independência, juntou-se ao MPLA e formou o corpo de Comandos do exército angolano. Ora aconteceu que o Carlos Santos, o camera-man que estava comigo, também foi Comando e estabeleceu essa ponte com o general angolano. Era evidente a relação que ambos estabeleceram desde o primeiro minuto em que se reconheceram mutuamente como companheiros dessa “espécie militar”. Para mim, aquilo era uma coisa estranha, mas real, e aproveitei-a o melhor que foi possível.
No rol de nomes e contactos desta pequena folha aparecem, ainda, o brigadeiro Faísca, o brigadeiro Cowboy e o general McKenzie (pessoas de quem não guardo na memória qualquer referência). Já o mesmo não posso dizer do general Faceira, na altura vice-chefe do EMGFA. Graças a ele, conseguimos ultrapassar muitas dificuldades que outros colocaram à realização das nossas reportagens. Foi ele quem nos apresentou ao general João de Matos (o CEMGFA) e que o convenceu a que nos deixasse acompanhá-lo nas visitas que fazia às frentes de combate. Corremos Angola de lés a lés com eles, entrámos até pelo Congo dentro, ocupando dois lugares vagos no pequeno avião Piper que era utilizado pelo Chefe do Estado Maior. Tudo correu bem, até que a desconfiança se instalou de novo, devido à hipersensibilidade dos angolanos em relação ao trabalho dos jornalistas estrangeiros. Assim que recebeu um relatório enviado de Lisboa sobre o que dizíamos nas reportagens que fazíamos em Angola, o general afastou-nos e tudo se tornou mais difícil a partir daí.. Ainda assim, o nosso “estado de graça” durou largas semanas. Um “estado de graça” só possível devido ao estranho sentido de solidariedade existente nas castas militares. Eu explico: o general Faceira era Comando. Tinha sido Comando da tropa portuguesa, no tempo colonial e, depois da independência, juntou-se ao MPLA e formou o corpo de Comandos do exército angolano. Ora aconteceu que o Carlos Santos, o camera-man que estava comigo, também foi Comando e estabeleceu essa ponte com o general angolano. Era evidente a relação que ambos estabeleceram desde o primeiro minuto em que se reconheceram mutuamente como companheiros dessa “espécie militar”. Para mim, aquilo era uma coisa estranha, mas real, e aproveitei-a o melhor que foi possível.
7 comentários:
É verdade o que diz. Claro. Mas em sentido contrário também acontece. Certa altura, numa surreal madrugada pós-golpe militar em Bissau, exppliquei a um dos generais que liderou o derrube de Kumba Ialá que um tio meu tinha combaido na zona onde este esteve do lado do PAIGC. Não sei porquê, mas o homem, até ali frio comigo, passou a ter sempre um sorriso para as minhas tentativas de saber mais alguma coisa. Funcionou bem, e, em alguns momentos, cheguei a pensar que estava a funcionar bem demais!!
É um pouco extenso mas se lhe parecer ilustrativo, publique
"Violência na zona diamantífera do Cuango foi privatizada
A violência contra a população na zona diamantífera angolana do Cuango, Lunda Norte, é agora um exclusivo das empresas privadas de segurança e agravou-se no último ano, revela um relatório do jornalista angolano Rafael Marques.
De acordo com o documento, intitulado "Operação Kissonde: Os Diamantes da Humilhação e da Miséria", que vai ser divulgado terça- feira, em Lisboa, "houve uma melhoria na atitude da polícia nacional, que, no entanto, não coincide com o aumento da violência que passou agora a ser praticada exclusivamente pelas empresas privadas de segurança".
Em declarações à Agência Lusa, Rafael Marques refere que o relatório diz respeito apenas à situação na região do Cuango, onde esteve um mês, entre Março e Abril deste ano.
Em Março do ano passado, o jornalista foi co-autor de outro relatório referente à região das Lundas Norte e Sul em que já denunciava os abusos, na altura alegando que eram cometidos maioritariamente pela polícia. O documento refere três empresas - a Alfa 5, a Teleservice e a K&P Mineira - , que dividem as "patrulhas" por uma área de 6.000 quilómetros quadrados.
"A polícia praticamente ficou sem área de jurisdição porque estas forças patrulham todo o território. Estas empresas têm autonomia, porque a lei dos diamantes dá-lhes o direito de fazerem o que entenderem nas áreas de reserva", acrescenta Rafael Marques.
Segundo o jornalista e activista dos direitos humanos, estas empresas de segurança "estão todas ligadas a altas figuras do Estado do regime, sobretudo a generais do exército".
E exemplifica: "A Alfa 5 é detida em 30 por cento pela Endiama e tem como sócio o general João de Matos, ex-Chefe de Estado-maior General das Forças Armadas Angolanas e a mulher do general Agostinho Nelumba `Sanjar`, actual Chefe do Estado-maior das FAA também tem uma participação, e dado que são casados em comunhão de bens, logo se conclui que o general também seja beneficiário da sociedade" Em relação à Teleservice, "o principal accionista é o general António Santos NDalo, antigo Chefe do Estado-Maior das extintas FAPLA, antigo embaixador de Angola nos Estados Unidos da América e actual presidente da De Beers Angola, tendo também participações nesta empresa o general João de Matos, os irmãos Luís e António Faceira, ambos generais, o general Paulo Lara, filho de um dos fundadores do MPLA Lúcio Lara, e o actual embaixador de Angola em Espanha, Armando da Cruz Neto".
Por sua vez, a K&P Mineira é propriedade de Lev Leviev, o empresário russo-israelita, que está ligado à ASCORP, que a par da Sodiam LKI, liderada pelo norte-americano Maurice Templesman, tem os direitos de exploração na região do Cuango.
"Estas empresas têm luz verde para lidar com os garimpeiros, incentivam o garimpo, patrocinam os garimpeiros, compram os diamantes, mas não lhes oferecem nenhuma protecção", conta Rafael Marques.
"A partir do momento em que os garimpeiros vendem os diamantes a essas empresas, os diamantes são legais, mas o garimpeiro, até chegar à porta dessas empresas, está em situação ilegal, pode ser detido e os diamantes confiscados", acrescenta o autor, considerando que se trata de "uma verdadeira máfia e de um desrespeito total pelas populações locais".
De acordo com o relatório, a população local, estimada em cerca de 40.000 pessoas, precisa de autorizações para qualquer actividade que realize, desde à agricultura à pesca ou até mesmo para tomar banho no rio.
Para o garimpo também é preciso uma autorização, "mas até hoje o Governador local ainda não passou nenhuma".
"O governo ilegalizou de forma permanente qualquer actividade desta população, as empresas diamantíferas não empregam a população local, não criam projectos de apoio social, não há diversificação da economia local e as pessoas só têm duas hipóteses, ou morrem à fome ou garimpam para sobreviver, correndo na mesma risco de serem torturados ou mortos", diz o autor.
Rafael Marques apresenta no relatório 100 testemunhos de pessoas identificadas que foram torturadas por elementos das empresas privadas de segurança, mas refere que um dos casos refere-se à tortura de mais de 100 pessoas e outro a mais de 70, o que aumenta para várias centenas o número de casos.
"Estas forças utilizam como métodos sistemáticos de violação dos direitos humanos a tortura nas nádegas. Apanham os garimpeiros e batem-lhes com pás e catanas nas nádegas e humilham-nos, obrigando-os a `passear` nus pelas ruas", relata.
Além disso, "usam os garimpeiros para trabalhos forçados como lavar as fardas dos guardas, cozinhar para eles ou capinar nas instalações dos projectos diamantíferos e à volta dos postos de observação".
Segundo o autor, as empresas de segurança "actuam com a conivência da polícia e do exército, que afirmam ter ordens superiores para não interferirem", mas muitas vezes "até ajudam".
O autor falou com os directores-gerais da Teleservice e da Alfa 5 e "ambos se demarcaram destas acções", alegando que se há casos "deve ser um ou outro".
Entre os casos que mais o chocaram, Rafael Marques recorda Adriano Óscar, um jovem de 24 anos, "que foi obrigado a ter relações sexuais com o sogro", em Dezembro de 2005.
Outro, diz respeito a duas crianças, Sérgio Zacarias, de 17 anos, que "foi obrigado a ter relações sexuais com Bernardo Tito de 11 anos".
"O nível de violência é indescritível, de uma barbaridade atroz", que contrasta com a fase em que Angola está de "vender uma imagem muito positiva, de desenvolvimento económico e estabilidade política e social".
No entanto, o caso que quase o fez desistir deste trabalho foi o de Jacques Colulula, um congolês.
"Encontrei-o com uma septicemia, com o corpo praticamente podre. Foi apanhado pela Alfa 5 e tinha sido mordido por um cão, nas nádegas. Depois de ter sido mordido foi obrigado a carregar água e espancado na zona onde o cão mordeu, com pás", conta.
"Estava ali a morrer, já nem andava e exalava um cheiro nauseabundo", diz, acrescentando que o levou para o hospital e comprou- lhe medicamentos e água porque "o hospital da terceira região mais rica de Angola nem sequer tem água para dar aos doentes".
"A realidade que Angola vende é muito pouca para tranquilizar a consciência daqueles que investem no país, mas é feita à custa do silêncio sobre tudo o que passa no país", acusa.
"A situação no Cuango é de um neo-colonialismo atroz. Estas pessoas vivem hoje pior do que na altura da guerra", considera, defendendo que "é preciso encontrar os responsáveis políticos materiais e morais deste tipo de abusos". "O que é mais difícil no caso de Angola não é pressionar o Governo, é tocar nos interesses estrangeiros que protegem as figuras do regime neste tipo de abusos", acrescenta, referindo que estas situações acontecem "com a cumplicidade da comunidade internacional".
"Por exemplo, a Comissão dos Direitos Humanos da ONU tem visitado esta área, tem feito trabalhos, mas não há uma palavra pública sobre o que se está a passar, tal é o nível de cumplicidade que existe", acusa.
Rafael Marques destaca a coragem da população do Cuango, que lhe arranjou transporte, acomodação e correu sérios riscos por querer contar ao mundo a situação que vive todos os dias.
"Todas estas pessoas estão dispostas a testemunhar caso haja uma comissão de inquérito e os casos sejam levados a tribunal", refere, sublinhando que estas pessoas "falam porque estão fartas e desesperadas e já não têm muito a perder".
"Durante o mês que estive no local, muitas pessoas foram chamadas por chancelarias diplomáticas e foi-lhes oferecido dinheiro e outros incentivos para que deixassem de colaborar comigo", lamenta.
Para Rafael Marques, que já esteve preso em Luanda por críticas ao Governo angolano, este trabalho é o cumprimento de "um dever cívico" e um "presente" para estas pessoas, como "registo e memória daquilo que passam".
"Estamos a lidar com um regime perverso, que tem rasgos diabólicos e é extremamente generoso para com os interesses obscuros internacionais. Só não é generoso para o seu próprio povo".
A Lusa contactou a Presidência angolana, que remeteu qualquer reacção para depois da divulgação do relatório."
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(Agência LUSA
in
www.rtp.pt/index.php?article=249993&visual=6 - 12k )
Há tanta coisa para contar...
Se cada um de nós se disponibilizasse a fazê-lo, que recordações traríamos aqui ou a outro local qualquer.
gostei de saber........... de ler........... de espreitar essa vivencia
jocas maradas
Fantastic story.
Uma história daquelas, que bem precisamos, ao invés desta coisa que agora chamam jornalismo , esta subserviência capada que assistimos nas actuais televisões e jornais. A ligação que um Comando sente com outro camarada, não se explica, sente-se ou não. Boa Semana
Vim aqui parar por conselho de um amigo (o Reporter, que já comentou mais acima).
Gostei desta visita. Breve, mas que deixa uma enorme vontade de voltar.
Porque adorei ler o que por aqui encontrei e, mais ainda, por saber ser este o blog de um excelente jornalista da "nossa praça", que muito admiro.
Parabéns Carlos. E continua a por a escrita em dia que as tuas palavras fazem-nos muita falta. (e desculpa este à vontade... é que a blogosfera permite-nos usar desta familiaridade, com todo o respeito).
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