A primeira vez que entrei no Congo, foi por aquela ponte. Do lado de lá é Angola. Atravessei a ponte dentro de um Mercedes Benz sem chapa de matrícula, conduzido por um soldado do exército angolano que, à falta de chave de ignição, usava uma ligação directa para por o motor em funcionamento. A caixa de velocidades tinha as habituais 5 mudanças, mas o soldado só usava as duas primeiras. Hábitos estranhos. No lado congolês, em Matadi, havia uma barreira da polícia para fiscalizar veículos e identidades, mas o soldado angolano fez questão de acelerar e furar a barreira, enquanto gritava pela janela. A excursão tinha um único objectivo: mostrar-nos quem mandava ali.
O exército angolano tinha uma base militar em Matadi, no Congo. Dali controlavam boa parte da fronteira e impediam, assim, que a UNITA continuasse a utilizar o Congo como santuário protector. Foi uma táctica inteligente dos generais angolanos que, deste modo, levaram a frente de batalha para fora do território angolano. Em 1998, a UNITA, apesar de ainda controlar a maior parte do território angolano, já não conseguia sair do mato e começava a ter problemas logísticos significativos. Em todo o território angolano, naquela época, a UNITA já só mantinha os bastiões históricos da Jamba, nas Terras do Fim do Mundo e, no Planalto, as localidades do Andulo e Bailundo e pouco mais.
O condutor do Mercedes Benz chamava-se a si mesmo “o soldado inteligente”. Via-se que gostava do poder que aquele volante significava. Reconheci naquele homem, a mesma ganância que já tinha visto (e voltei a ver, até hoje) em directores e adjuntos que, noutras latitudes, fazem coisas aparentadas, apenas porque também gostam do volante do Mercedes Benz que o patrão lhes põe nas mãos.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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domingo, julho 09, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
2 comentários:
Tb há os de BMW e Triunph e outras marcas - o comprtamento é sempre igual.
O que mais me impressiona nas tuas reportagens é a descrição daquilo que vês para além do que está a ser retratado.
Neste caso, para além do Congo, de Angola, da fronteira, da Unita, do MPLA, do conflito...
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