Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











sexta-feira, julho 21, 2006

Angola (continuação do texto anterior). Um pouco mais de violência

Mais tarde, no Cuango, uma manhã cedo ia a passar em frente ao posto da polícia e um graduado deteve-me. Dentro da guarita, pediu-me a identificação. Mostrei-lhe o passaporte e ele, em vez de mo devolver, atirou-o ao chão. E disse-me para tirar o que tinha nos bolsos e lhe dar o dinheiro que trazia e que se não obedecesse que me dava uma carga de porrada de caixão à cova. Olhei-o nos olhos e disse-lhe que ele podia bater-me, mas que ali eu era convidado do vice-governador civil e do vice Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e que ele se iria arrepender… o tipo disse que talvez se viesse a arrepender mas que, mesmo assim, nada me livrava da carga de porrada. No silêncio que se seguiu, foi ele quem quebrou o ânimo. Acabou por se dobrar e apanhar o passaporte que tinha atirado ao chão e devolveu-mo. Antes de lhe virar as costas, ainda me disse para nunca mais passar por ali, que ainda podia mudar de ideias.

(a foto que exibo é de José da Silva Pinto).

Voltei a ver o mesmo filho da puta, quando detinha um velho que se cruzou com ele. O velho carregava um saco de serapilheira às costas. O polícia tirou-lhe o saco e abriu-o e despejou a carga no chão, para a poder examinar bem. Eram duas raízes de mandioca, das grandes. Sem justa causa, deu voz de prisão ao senhor. Quando o velhote tentou reclamar, levou um bofetão tremendo que o derrubou. Não voltou a abrir a boca, mas o olhar toldado dizia tudo. O velho foi mesmo encarcerado. O filho da puta foi vender as mandiocas ou empanturrar-se com elas. Agora, podem perguntar-me se este tipo de violência se pode generalizar, se isto não é um caso singular, que só diz respeito a esse polícia mau. Gostaria de dizer que não, mas suspeito que sim. O problema é que o governo angolano usou uma táctica já experimentada antes pelo governo colonial, que consiste em colocar forças policiais e militares constituídas por indíviduos de etnias estranhas ao local. Assim, nem polícias nem soldados têm qualquer tipo de relacionamento com a população, não têm qualquer tipo de lealdade com as estruturas tribais nem reconhecem os costumes locais. A relação que se estabelece é de pura dominância. Manda quem tem mais força. Então, a prepotência...

3 comentários:

aRMAS disse...

O Pepetela foca muito bem esse tipo de situações no livro dele.

De problemas internos no MPLA, entre kikongos, umbundos, bailundos, etc.

CN disse...

Amigo pirata, a única comparação feita é entre métodos de deslocalização de populações e forças policiais e militares, usadas tanto pelo governo colonial nos anos 50 e 60, como mais tarde pelo governo da República Popular de Angola. Admito que a intensidade da repressão tenha sido bastante diferente. Afinal de contas, a guerra colonial foi um conflito relativamente suave, comparada com a guerra civil de Angola.
Abraços.

Isabela Figueiredo disse...

Não sei se o disseste com ironia ou a sério, mas de facto parece-me que a guerra colonial foi mesmo "um conflito relativamente suave" comparado com as querras civis que se seguiram à descolonização.
Sim, a literatura africana actual aborda este tipo de situações muito bem. Se tiveres tempo passa por uma livraria, e lê, do Mia Couto, o primeiro artigo do livrinho de opinião "Pensatempos". É curto. Ele fala disto exactamente. De como as diferentes etnias inimigas se usaram e abusaram, desde o comércio de escravos, e de como o colonialismo se limitou a aproveitá-lo.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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