Em 1997 propus ao Director-Geral da SIC a realização de um documentário sobre a travessia do Oceano Atlântico à vela. A oportunidade de atravessar o Atlântico tinha surgido através de um anúncio colocado num expositor da Associação Nacional de Cruzeiros. Tinha entrado em contacto com o dono do veleiro, havia ainda três vagas, para uma tripulação de sete. Tínhamos apenas de comparticipar em pequenas despesas no aprovisionamento. A minha ideia era fazer um documentário-aventura sobre a travessia. A coisa iria passar-se em pleno Inverno…
Largámos de Lagos em meados de Novembro… já com alguns dias de atraso em relação ao calendário previsto. A meteorologia não era nada favorável. Havia frentes sucessivas que vinham de sul para norte, chovia a potes, tudo desaconselhava a saída para o mar. Mas o calendário pressionava-nos. Quase toda a tripulação era gente que tinha tirado férias para embarcar naquela aventura. Tinham um mês de férias. Poderiam faltar, talvez, mais uns dias além disso. Mas não era possível esperar indefinidamente, sob pena de ficarmos sem metade dos tripulantes. De modo que, ao fim de cinco dias de espera, o skeeper deu ordem de largada. E lá fomos enfrentar a borrasca. O mar metia medo. O primeiro dia foi um tormento que, para mim, terminou quando deixei de resistir à agonia do enjoo. Prostrei-me no beliche e deixei-me ficar ali. Nos raros momentos de lucidez, apercebi-me que o temporal desabava sobre o veleiro de 14 metros. Houve momentos em que dei comigo suspenso no ar, entre o beliche e o tecto, quando o barco caía do alto das vagas. Havia barulhos tremendos e cheguei a pensar que o barquito se ia partir. Ressuscitei ao fim de três dias. Comi metade de uma bolacha Maria e senti-me reviver. Apercebi-me então que, de toda a tripulação, apenas três se tinham aguentado satisfatoriamente. O velho John, o skeeper (um verdadeiro lobo do mar), O Zé Santana e o Pedro Laginha. Eles aguentaram o barco em cima de água, mas contaram-me que houve um momento em que eles próprios tinham desistido. Fecharam o barco de modo a impedir ao máximo a entrada de água, recolheram totalmente as velas e deixaram o barco à deriva… contaram-me que o vento tinha chegado aos 120 km/hora e as vagas eram altas como prédios de 7 andares.
Depois do furacão passar, o resto da viagem foi maravilhosa. Demorámos 26 dias a chegar à Martinica, nas Caraíbas.
O documentário? Dei-lhe o título “Navegar”… tinha 40 minutos, em duas partes. Era lindo de se ver. Por várias razões, foi uma história contada com amor. Mas o Rangel considerou que “não fazia o género da SIC” e meteu-o numa gaveta. Em 2001 ou 2002, a Cândida Pinto (quando foi directora da SIC-Notícias) quis exibi-lo na programação de Verão… mas o arquivo não foi capaz de encontrar a 2ªparte… perderam a cassete… acreditam nisto?
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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quinta-feira, setembro 21, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
8 comentários:
Sempre pensei que estas coisas só aconteciam na RTP..., mas pelos vistos parece que não.
Pessoalmente tenho pena em não ter participado nessa aventura e também não ter visto o seu documentário que deveria ser de muito interesse.
Fiz várias vezes a viagem por mar Lisboa-Luanda e Luanda-Lisboa, nos nossos antigos paquetes "Angola", "Moçambique", "Niassa". A última viagem que fiz foi numa traineira de pesca "Nossa Senhora do Bom Sucesso.", por isso sei bem avaliar o que você passou.
Skeeper previdente, não conseguindo aguentar o barco de capa deixou-o correr com o tempo.
Posso afirmar que é uma situação de respeito, ficamos entregues ao belo prazer da natureza.
O Rangel deve gostar de água mas é na banheira, o mar para ele deve ser a aquela coisa chata onde se pode molhar os pés. Foi pena não mostrarem o documentário. Ainda há quem diga que somos um país de marinheiros, só de rio, porque de mar somos muito poucos. Era giro publicar um diário de bordo.
Um abraço. Augusto
Com pena, mas acredito. Passei um ano por esse arquivo. Trabalho muito com e em arquivos. Alguns precisavam de bóias... Há memórias demasiafo preciosas para deixarmos que o tempo as dobre por desleixo. Ficou, como sempre, a história. Grata pela memória partilhada, em palavras e imagens, grande riqueza deste blog.
Nada se perde...tudo se transforma...!!!!
Abraço
Paulo
Isso deixa-me a pensar no que existirão de coisas extraordinárias nesses arquivos!
Adorava ver esse documentário. "Não fazia o género da SIC" é uma coisa extrordinária de se dizer.
Tenho pena que não tenha ficado com uma cópia para si, hoje podia partilha isso pelo youtube.
O documentário e o jornalismo de investigação são das coisas mais agradáveis e úteis de se ver em televisão. Pois os directores que temos largamente apoiados em "consultores americanos" preferem o Malato, as novelas da Globo e os Morangos.
Era com toda a certeza, um documentário a não perder e é pena que não se enquadrasse no "género Rangel" pois no da SIC deveria caber, ainda hoje!
De qualquer modo deve de ter sido uma experiência e pêras!
Possui uma cópia desse documentário?
Porque nao publicá-lo aqui? No cyber espaço?
É triste, mas se não fosse pequenas peças da dois practicamente não veria TV. É que pura e simplesmente nao vale a pena.
Nós não temos nada: nem documentarios, nem jornalismo de investigação de qualidade (estilo o programa "grande reportagem" da margarida marante à uns anos na sic, ou estilo a revista Grande Reportagem, que era para mim a melhor revista do mundo, ams que fexou e que foi completamente contaminada a partir do momento em que foi vendida a um tipo qualquer do futebol..), não temos animação, não temos cinema...
Ou, se temos, só uma elite com poder de compra pode ter acesso a isso.
Vejam o concerto do gary burton... 60 euros??? É quase uma semana de trabalho da minha mãe! Eu sou estudnate universitário...
Por favor... quem pode pagar?
O serviço publico deveria servir para isso... mas não... são concursos, novelas, e mais concursos e novelas e mais informação censurada.
É o que temos.
Se quiser, e puder publicar... Eu gostaria de ver.
Paulo
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