Em Angola, o 4 de Janeiro é feriado. Celebram o “Dia dos Mártires de Cassange”, as vítimas de um massacre perpetrado pelo exército português durante a repressão de uma revolta de trabalhadores agrícolas. A propaganda do regime angolano sempre falou em 10 mil mortos angolanos, na maior parte vítimas dos bombardeamentos com napalm. Confesso que me enjoa ouvir falar nisto. Nos bombardeamentos com napalm e nos 10 mil mortos. Enjoa-me que os bombardeamentos se tenham feito sobre populações praticamente indefesas, enjoa-me a desproporcionalidade dos meios utilizados. Também me enjoa o pregão dos 10 mil mortos, porque não acredito nele. Que se saiba, nunca ninguém os contou e se alguém, por acaso, o fez, não foi o MPLA. Foi o governo colonial, o exército português ou alguém a mando deles. Acho que é tempo dos governos angolano e português se entenderem quanto à História comum dos dois povos. Para evitarem este tipo de situações, que nada contribuem para um são relacionamento entre nós, angolanos e portugueses, os dois Estados deveriam colaborar para encontrarmos uma única versão dos acontecimentos, a verdadeira versão. Penso que o segredo da Baixa do Cassange deve estar bem guardado nos arquivos militares portugueses. Suponho que a sete chaves. A Lei deveria permitir que, ao fim de alguns anos, os historiadores e cientistas sociais pudessem ter acesso a essa papelada. Como se faz nos EUA, por exemplo, onde os documentos secretos são tornados públicos ao fim de umas dezenas de anos. Houve outros massacres perpetrados pelo exército português, nas várias frentes de guerra dos anos 60 e 70, alguns até anteriores, como o de Batepá, em São Tomé e Príncipe (1953), o de Pidjiguiti, na Guiné-Bissau (1959), o de Mueda, em Moçambique (1960), o dos musseques de Luanda (1961). Em todos estes acontecimentos, os relatos falam de dezenas de vítimas, algumas centenas porventura, mas nunca de milhares. Por isso, acho que o número de 10 mil mortes na Baixa do Cassange é exagero e propaganda política, até melhor prova. Sei que dos exércitos de ocupação não se pode esperar comportamento decente. Veja-se só o que se passa no Iraque. Mas, na minha opinião, a verdadeira tragédia não é só a das vítimas. Também há a tragédia dos que massacram. Muitas vezes, aposto, sem saberem porquê. Enfim, resumindo, regresso ao início do texto: desbloqueiem os arquivos militares portugueses para que a História se possa escrever sem equívocos.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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quarta-feira, janeiro 03, 2007
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
6 comentários:
Prezado CN,
por favor descreva-me o que aconteceu para eu informar os meus leitores da lingua alemã.
Obrigado.
Konrad
Meu caro Carlos Narciso, como o meu amigo se deve recordar, porque colocou um comentário nele,
sobre este assunto tenho dois apontamentos escritos quer no Pululu (http://pululu.blogspot.com/2006/01/ainda-kassange.html) igualmente publicado no Notícias Lusófonas (http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=12921&catogory=Opinião) como artigo de opinião.
Na mesma altura, uma politóloga angolana, e antiga colega minha, que estava em lisboa recordou que a História estava mal contada dos dois lados e que, segundo certas fontes, os mortos contados eram aqueles que davam à costa provenientes do rio Zaire/Congo o que, tecnicamente, era impossível de acontecer.
Foi um número legitimado pela necessidade política de confirmar uma data e um feriado.
Até porque, outros historiadores e politólogos, onde me incluo, consideram esta data incorrecta porque os acontecimentos aconteceram em finais de ezembro e prolongaram-se para a primeira semana de Janeiro e testemunhas só os que se salvaram, e estes contam as estórias, não foram nenhuns. O conhecimento de Kassange se deve, em parte, às "largas palavras" dos que bombardearam Kassange e da empresa belga que explorava a agro-pecuária que não conseguia contactos com a região.
Tal como já tenho defendido, tanto os serviços miliatres portugueses como os serviços administrativos da empresa belga, se ainda existir, deviam disponibilizar os seus arquivos. Uns para ler como foi e outros para saber quantos empregados - e familiares - tinham.
temos de acabar com suspeições e clarificar a História a bem das mútuas relações entre os nossos dois países. Não devemos pedir indemnizações nem devemos extrapolar a realidade.
Desculpe este alongar.
Cumprimentos
Eugénio Almeida
Era interessante e bem necessário conhecer a Verdadeira História da Guerra Colonial.
Insista, pf.
há sempre factos incómodos, notícias que precisam de ser dadas postumamente, porque só assim alguma da actualidade fará sentido... e a verdade nunca é estemporânea... quando muito será serôdia...
Já agora convinha também que na contabilidade entrassem os números das vitimas de Holden Roberto - o Hitler Preto e outros massacres perpetrados pelos movimentos africanos como Cavalo 1 em Moçambique.
Isto de nós termos de arcar com 100% das culpas já fede!
Por tudo isto, as minhas reservas quanto à História, aos Heróis e aos Hinos; mas também aos mártires, às "datas importantes", aos feriados e a tantos outros elementos manipulados e manipuláveis segundo conveniências políticas, de género, sociais, etc., as quais, umas mais que outras, são sempre circunstanciais.
Que me perdoem os historiadores, mas esses alinhamentos de “verdades” - neste caso, a História, sempre me provocou alguma desconfiança.
Prefiro lê-la nas entrelinhas.
Quanto à História de Angola... continua-se à procura da melhor versão.
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