Já mais do que uma vez, os americanos tentaram resolver os seus problemas com a Somália utilizando a força. Em 92, vi-os desembarcar na praia de Mogadíscio, numa noite sem luar, mas com as CNN, BBC e CBS de sobreaviso e de holofotes bem acesos para o espectáculo ter alguma cor. Foi giro, até que o tal Black Hawk foi abatido e um bom número de marines massacrados pelos maltrapilhos somalis.
Em 93, os marines enfiaram o rabinho entre as pernas e o Mundo decretou o isolamento da Somália. O povo ficou à mercê dos tiranos da terra que se continuaram a combater alegremente. Claro que nada mudou. A Somália permaneceu um santuário de doidos assassinos, de fanáticos de toda a espécie e um excelente campo de tiro.
Agora, o presidente dos EUA voltou a mandar bombardear a Somália. Alegadamente, para matar três supostos terroristas alegadamente responsáveis pelos atentados de Nairobi e Dar-es-Salam contra as embaixadas americanas, em 1998. Mas, para matar três supostos criminosos, os americanos bombardearam aldeias e mataram gente de todas as idades que não tem nada a ver com o assunto.
Não me parece que este método remedeie seja o que for. Matar indiscriminadamente não é solução. Mesmo que a eliminação dos tais três tenha sido bem sucedida, outros 30 acabaram de nascer, entre os que sobreviveram e viram as suas famílias assassinadas por bombas largadas de muito alto. Suponho que não será assim que se vence a guerra contra o terrorismo.Há um provérbio somali que os generais americanos deveriam conhecer: La-yeele ma hilmaamo, lakiin yeele wuu hilmaamaa. As ofensas são esquecidas, não pelo ofendido mas pelo ofensor.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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quarta-feira, janeiro 10, 2007
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
3 comentários:
Qual e a solucao?
Porque será que, pelo menos é o que me parece, sempre que existe um problema político interno a resolver, os políticos americanos resolvem deitar fogo fora do seu território? Ou para desviar as atenções internas, ou para apelar ao sentimento de nacionalismo!
Ou será que ando a tirar a fotografia errada às situações?
Pesquisando o Google encontrei esta carta escrita ao Sr Bush por Mia Couto que dá para pensar.
CARTA de Mia Couto AO RESIDENTE BUSH
Mia Couto
Senhor Presidente:
Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra.
Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito.
Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir?
A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós:
era a fome e a miséria.
Alguns de nós estranharam o critério que levava a que o nosso nome fosse
manchado enquanto outras nações beneficiavam da vossa simpatia.
Por exemplo, o nosso vizinho - a África do Sul do "apartheid" - violava de
forma flagrante os direitos humanos.
Durante décadas fomos vítimas da agressão desse regime.
Mas o regime do "apartheid" mereceu da vossa parte uma atitude mais branda:
o chamado "envolvimento positivo".
O ANC esteve também na lista negra como uma "organização terrorista!".
Estranho critério que levaria a que, anos mais tarde, os taliban e o próprio Bin Laden
fossem chamadas de "freedom fighters" por estrategas norte-americanos.
Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho.
Como Martin Luther King certa vez sonhou que
a América era uma nação de todos os americanos.
Pois sonhei que eu era não um homem mas um país.
Sim, um país que não conseguia dormir.
Porque vivia sobressaltado por terríveis factos.
E esse temor fez com que proclamasse uma exigência.
Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro presidente.
E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação
do seu armamento de destruição massiva.
Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais:
que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país.
Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspiravam?
Não eram produtos de sonho, infelizmente.
Eram factos que alimentavam a minha desconfiança.
A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:
- Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas
sobre outras nações;
- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força"
pelo Tribunal Internacional de Justiça;
- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas
(incluindo o terrorista Bin Laden) a pretextode derrubarem os invasores russos no Afeganistão;
- O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava
as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos
curdos em 1998);
- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba
foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado
na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico;
- Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos
agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem
americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A
ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que
ele deixou de ser conveniente, em 1992;
- A invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o
apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da
Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo
indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade";
- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant um dos
líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças para-militares massacraram
milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas
autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o
pedido;
- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma
fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de
uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam.
- Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com
Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional.
Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três
países.
- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na
sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados.
- A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa. Desde a Segunda
Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China(1945-46), a Coreia e a China
(1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a
Guatemala (1960), o Congo(1964), o Peru(1965), o Laos (1961-1973), o
Vietname (1961-1973), o Camboja(1969-1970), a Guatemala (1967-1973),
Granada (1983),Líbano(1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a
Nicarágua(1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o
Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o
Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999) Acções de terrorismo biológico e
químico foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os
desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos
devastou a produção suína naquele país. O Wall Street Journal publicou um
relatório que anunciava que 500 000 crianças vietnamitas nasceram
deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas.
Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade. A guerra que o
Senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador. Mas
ficaremos todos mais pobres. Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas
já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela
razão e pela moral. Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas
e das convenções do direito internacional. Estaremos, enfim, mais sós e
mais desamparados.
Senhor Presidente:
O Iraque não é Saddam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que
trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos.
Preocupamo-noscom os males do regime de Saddam Hussein que são reais. Mas esquece-se oshorrores da primeira guerra do Golfo em que perderam a vida mais de 150 000homens. O que está destruindo massivamente os iraquianos não são as armasde Saddam. São as sanções que conduziram a uma situação humanitária tão grave que dois coordenadores para ajuda das Nações Unidas (Dennis Hallidaye Hans Von Sponeck) pediram a demissão em protesto contra essas mesmassanções.
Explicando a razão da sua renúncia, Halliday escreveu:
"Estamos destruindo toda uma sociedade. É tão simples e terrível como isso.
E isso é ilegal e imoral". Esse sistema de sanções já levou à morte meio
milhão de crianças iraquianas.
Mas a guerra contra o Iraque não está para começar. Já começou há muito
tempo. Nas zonas de restrição aérea a Norte e Sul do Iraque acontecem
continuamente bombardeamentos desde há 12 anos. Acredita-se que 500
iraquianos foram mortos desde 1999. O bombardeamento incluiu o uso massivo
de urânio empobrecido (300 toneladas, ou seja 30 vezes mais do que o usado
no Kosovo). Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da
lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os
seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para
viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão
seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas. Como o seu país que
despende 270 000 000 000 000 dólares (duzentos e setenta biliões de
dólares) por ano para manter o arsenal de guerra. O senhor bem sabe o que
essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres.
O bispo americano Monsenhor Robert Bowan escreveu- lhe no final do ano
passado uma carta intitulada "Porque é que o mundo odeia os EUA ?" O bispo
da Igreja Católica da Florida é um ex - combatente na guerra do Vietname.
Ele sabe o que é a guerra e escreveu: "O senhor reclama que os EUA são
alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os
direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente ! Somo salvos dos terroristas
porque, na maior parte do mundo, o nossogoverno defendeu a ditadura, a
escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos
odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em
quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente
eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de
vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais ?
E o bispo conclui:
O povo do Canadá desfruta
de democracia, de liberdade e de direitos humanos,
assim como
o povo da Noruega
e da Suécia.
Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas?
Nós somos odiados
não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos.
Somos odiados porque o nosso governo nega
essas coisas
aos povos dos países do Terceiro Mundo,
cujos recursos são cobiçados
pelas nossas multinacionais."
Senhor Presidente:
Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional
legitime o seu direito de intervenção militar. Ao menos que possamos nós
encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de
cidadãos não ficamos convencidos quando o vimos justificar a guerra. Nós
preferíamos vê-lo assinar a Convenção de Kyoto para conter o efeito de
estufa. Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional
contra o Racismo. Não se preocupe, senhor Presidente. A nós, nações
pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão
por causa desse apoio que as vossas sucessivas administrações concederam
apoio a não menos sucessivos ditadores. A maior ameaça que pesa sobre a
América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou
em redor dos vossos cidadãos. O perigo não é o regime de Saddam, nem
nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o
seu governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA.
Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. Eu gostaria de
poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os
americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação e consumo de diminuídos
mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países
pequenos, temos uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar.
TEM SIDO A POLITICA EXTERNA aMERICANA, E É UMA DEMOCRACIA
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