Entrei no Cuito em Janeiro de 1999 com o Renato Freitas. Fomos os primeiros jornalistas a lá chegar. Connosco, à boleia, foi também uma jornalista do Expresso.A cidade estava um caos. Em 12 de Dezembro de 98, os últimos funcionários civis tinham sido retirados para Luanda. Nem médicos ficaram. Em 16 de Dezembro, a cidade começou a ser bombardeada. Onde quer que as bombas caíssem, morriam pessoas. Havia mais de 300 mil pessoas refugiadas no perímetro urbano. Tinham fugido à frente do avanço da UNITA e ali julgavam-se mais protegidas. Escutei muitos relatos tipo “eram oito, só escapou um”, vi muitas valas comuns abertas logo ali, no local onde os mortos estavam caídos. Por isso, havia gente enterrada na porta das escolas, no quintal das casas, onde quer que fosse.

Chegámos lá no dia seguinte ao cerco ter sido quebrado. Havia combates a 10 quilómetros de distância. Não nos deixaram lá ir. Mas havia um tipo que tinha maneira de apanhar uma boleia até à frente de batalha. Era primo de um comandante militar e vivia ali, era conhecido por todos. Chamava-se Carlos Alberto Miguel e tinha uma pequena handy-cam. Por mil e poucos dólares, ele lá foi. Andou dois dias em cima de um blindado e filmou combates de artilharia, casas a arder, cadáveres na beira das estradas e até um fuzilamento sumário de um prisioneiro.
Nós ficámos na cidade, filmámos cenas de outro tipo de violência. Tudo junto, deu um documentário esmagador (intitulado Cuíto, simplesmente, exibido no programa da Margarida Marante), que o José Alberto Carvalho anunciou, no Jornal da Noite, como sendo “a reportagem mais violenta da história da televisão portuguesa”.
Quem me lê, sabe que participei numa
De todos os missionários que conheci, até hoje, Claudino é o que mais me impressionou. Tenho tido muita dificuldade em falar dele, porque temo ir cometer alguma injustiça em relação a outros. É que eu acho que Claudino deve estar muito próximo da santidade. É que, com ele, a vida não é só abnegação, compromisso, dádiva, sofrimento e rezas. È que ele ri muito. Tem quase sempre um sorriso na cara. Gosta de tocar nas pessoas, abraça-as, pega-lhes ao colo, beija-as. Acho que ele tem um amor genuíno pelas pessoas com quem vive e a quem tenta minorar as dificuldades do quotidiano.


A proibição decretada agora, para a região do Darfur, não é novidade, portanto. O pretexto de que as Nações Unidas transportaram um líder rebelde e que, com isso, teriam violado a soberania sudanesa, é mais uma vergonhosa chantagem de um governo que apenas pretende manipular politicamente os factos e usar as necessidades prementes do povo como moeda de troca.
O memorial será composto por um passeio com pedras brancas, onde vão figurar os nomes dos jornalistas que, desde 1944, foram mortos um pouco por todo o mundo. A recolha da informação está a ser feita pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Para que seja prestado um tributo ao maior número possível de jornalistas, a RSF apela a quem tiver informações sobre jornalistas mortos (nome, local de trabalho, data e local onde ocorreu a morte) para que as envie para o e-mail memorial@rsf.org. Os dados recebidos serão confirmados antes dos nomes serem inscritos nas pedras do memorial.
Philippe era bispo, um príncipe da Igreja Católica. E portava-se como tal. Penso que
Uma das espécies, a mais abundante por sinal, pareceu-me aparentada com tarântulas. Eram umas aranhas felpudas, escuras, com abdómem inchado e, algumas, carregavam ovos no dorso. Não me pareceu que vivessem em teias, preferiam antes os cantos mais escuros e frescos da casa, especialmente atrás das portas.
Morria de medo daquilo e, sempre que me deitava, olhava primeiro para debaixo da cama, porque achava que se elas se deitassem comigo me poderiam morder… mas nunca me fizeram mal. De resto, os missionários disseram-nos que faziam questão em não lhes tocar. Eram uma espécie de vacas sagradas, porque comiam os mosquitos, esses sim, muito mais perigosos por causa da
Além disso, tentava prender o mosquiteiro por debaixo do colchão, de modo a proteger-me melhor de alguma aranha que quisesse escalar a cama.
As refeições eram na missão católica, com todos os outros padres. Em Bondo há, também, uma casa de madres missionárias, todas africanas curiosamente, mas homens e mulheres não se misturam, conforme manda a tradição. Excepto em ocasiões especiais…
Nunca passamos fome, mas comemos mal muitas vezes. A comida era assegurada por um dos acólitos, um branco italiano que vivia ali em regime de voluntariado e que se dedicava a caçar e a organizar a pesca, de modo a garantir o sustento de um numeroso grupo de padres e freiras. Às vezes, o homem não caçava nada. Macaco era quase garantido… e, um dia, até uma águia foi parar à panela para uma bela canja… a pesca também dependia da sorte da faina e, naqueles dias, em plena época seca, o rio corria com pouca água e o peixe escasseava. A faina era realizada por uma família de pescadores locais, a quem os padres forneciam os apetrechos a troco de uma percentagem do pescado. Só que, às vezes, o peixe era tão pouco que os pescadores ficavam com tudo e ainda passavam mal.
A penúria alimentar da população era evidente na escassez de alimentos postos à venda no mercado.
Dezenas de bancas vazias, algumas com uns peixes do rio, volta e meia aparecia alguém com uma gazela morta a tiro ou um macaco caçado com arco e flecha, umas senhoras vendiam vegetais e era tudo para uma população de milhares de pessoas. Uma pobreza danada numa terra cheia de ouro e diamantes.
Bondo é uma pequena cidade no norte do Congo, na Província Equatorial. A localidade teve o seu auge nos anos 50, quando foi um dos principais entrepostos comerciais da região. Foi ali que se estabeleceram três principais comunidades. Os belgas eram os donos da terra, exploraram grandes fazendas de café. Os gregos e os portugueses dedicavam-se ao comércio. Os locais trabalhavam para os brancos… claro. Julgo que Bondo chegou a ter largas centenas de brancos residentes. Também foi ali que a Igreja Católica estabeleceu um grande centro missionário. Pela dimensão das instalações e pelo número de celas (quartos), acredito que Bondo deve ter tido dezenas de missionários que, a partir dali, pregavam a fé pelas aldeias vizinhas. Cinquenta anos depois, Bondo ainda revela esses sinais da antiga importância social e administrativa. Ao longo das duas ruas principais, as antigas lojas de gregos e portugueses ainda lá estão, embora já sem gregos nem portugueses e, também, sem nada que se possa comprar ou vender, excepto numa onde se compra ouro e diamantes. É, de resto, a única loja que permanece aberta, no largo do mercado. De todas as antigas lojas de portugueses, há uma que ainda exibe um velho letreiro publicitário metálico, pintado com as letras “Casa Nogueira”. A ferrugem vai acabar por dissolvê-lo, mas no ano 2000 ainda lá estava.
Em frente ao mercado, a catedral. Construída nesses anos 50, feita de tijolo cozido ao sol, é uma construção imensa para os padrões locais. Quando lá estive, não tinha telhado. Mas sei que já o reconstruíram, entretanto. Preferia ter encontrado um hospital em condições, confesso. O hospital de Bondo, que também é gerido pelos missionários, estava limpo. Limpo de pó e limpo de equipamentos, de pessoal médico, de medicamentos. Apenas as paredes tinham resistido às consecutivas pilhagens proporcionadas pelos avanços e recuos dos exércitos em conflito na guerra civil. Ainda assim, era ali que havia algum apoio para a população, nomeadamente para parturientes e doentes com malária.
Mete raiva pensar que as sociedades desenvolvidas desperdiçam tanto e que, ali, em locais como aquele, a única coisa que se desperdiça é boa vontade e sorrisos.

Tomei consciência disso mais do que uma vez. Por exemplo, quando estive com
No sul do Sudão, importante era saber com alguns dias de antecedência quando ia chover, o tempo suficiente para preparar o chão e deitar-lhe as sementes, importante era, também, perceber a tempo quando algum animal estava doente de modo a evitar a contaminação da manada, importante era ter muitos filhos e saudáveis e saber cuidar deles e ensinar-lhes a conversar com os deuses, as marcações dos rituais, o manejar da AK-47. Tudo coisas que os velhos sabem melhor do que ninguém.
Mas o boletim nº34 do SOS Racismo vale o euro que o José Falcão me cobrou. O editorial interessou-me bastante. Fala em vários assuntos, o último dos quais aborda a questão das políticas relacionadas com a imigração. Sou português e branco, mas conheço o outro lado da questão. Sei bem como é difícil para um estrangeiro e negro encontrar emprego que não seja balconista de centro comercial ou nas várias serventias, que pode ser a lavar chão ou a carregar baldes de cimento. E é por isso que concordo com o editorialista do referido boletim, quando ele escreve que “para os imigrantes a aquisição da nacionalidade (portuguesa) é apenas uma forma de colmatar as muitas deficiências da cidadania, eles não têm particular interesse em ser portugueses, eles têm sim todo o interesse e necessidade em ser cidadãos de pleno direito”.
Falcão lá andava, a vender ideais, esta tarde, no Martim Moniz.
Os “homem grandi” na Guiné-Bissau são aqueles que, pela idade e conhecimentos adquiridos, têm o respeito da comunidade. Foram esses que, desde o primeiro minuto, fizeram
Era quase comovente ver aquela tropa de cinquentões e sexagenários… e ouvi-los falar com a certeza da vitória. Eles, que tinham derrotado o exército português (na guerra colonial), iriam vencer os 
Lembro-me de que uma das minhas primeiras reportagens foi sobre um pequeno incêndio deflagrado num edifício da Rua Castilho, em Lisboa. O incêndio foi ao final da tarde e a reportagem só foi exibida no dia seguinte à hora do jantar.
De modo que quando em 1998, já na SIC, fomos para a Guiné-Bissau, em plena guerra civil, e levamos um “toko”, nem queria acreditar. O que é um “toko”? É um equipamento portátil que permite ligação via-satélite entre quaisquer dois pontos no Mundo. Lá arrastámos aquilo até Bissalanca, local onde montámos a nossa base. Na altura, Bissau permanecia cercada e não se podia entrar ou sair da cidade. Ficámos numa casa de dois quartos, onde dormíamos e editávamos as reportagens. Na rua montámos a antena parabólica apontada para o céu. Do outro lado da rua, num barracão, estava o gerador. Em Lisboa, antes de partirmos, o engenheiro da empresa que tinha vendido aquilo à SIC foi lá explicar-nos como se ligava o equipamento, como se introduziam as coordenadas correctas para o satélite e o equipamento parecia estar em condições. Mas, ali em Bissau, teimava em não funcionar. De Carnaxide, diziam-nos que não chegava lá nada. Foi assim no primeiro dia. E foi assim no segundo dia. Telefonámos para o tal engenheiro que nos aconselhou a fazer o re-set, isto é, a desligar e voltar a ligar a aparelhagem. Às vezes funciona, dizia ele. Mas não daquela vez… Ao terceiro dia, olhei para a maquineta que voltava a não funcionar e, quando lhe ia assentar um pontapé, reparei num autocolante que dizia “em caso de mal funcionamento, ligue para este número, serviço de atendimento permanente”… Liguei. O número era de um telefone nos EUA. Atenderam-me e expliquei o que se passava. Do outro lado, o homem perguntou-me onde eu estava e para onde queria enviar as imagens. Depois, elaborou um check-up técnico: tecla LES; selection; 002; menu-enter; LES 002, enter; select 002, enter; exit…No fim disse “agora experimente lá, com as coordenadas que vocês tinham estavam a enviar imagens para uma estação terrena na América do Norte”. A verdade é que passou a funcionar na perfeição. E não foi preciso fazer re-set… O tal “toko”, hoje já nem existe. Foi ultrapassado pelo vídeo-phone.
Sim, é verdade que muitas vezes os jornalistas tomam como boa a primeira informação que lhes permita fazer figura perante o chefe. Sim, é verdade que muitas vezes os chefes de redacção apenas estão preocupados com o impacto da manchete ou da abertura do noticiário e descuram a qualidade da notícia. Como julgava que ontem ia dar o Brasil na SIC, vi a abertura do Jornal da Noite com uma peça sobre o mau tempo em Famalicão, onde houve vento forte e chuva intensa, mas não aconteceu nada demais que justificasse essa abertura, a não ser o facto da SIC ter imagens fortes da intempérie, capazes de provocar alguma emoção aos telespectadores. Outra das queixas de Carrilho relaciona-se com a influência das agências de informação. Se as agências existem é para exercerem essa influência, disso não vale a pena ter dúvidas. Mas é difícil de medir essa influência e ainda mais difícil é provar a manipulação dos factos pela acção dessas agências. No DN de ontem, muito a propósito, vinha um artigo sobre as
Um dia, em Mogadíscio, na Somália,
Muitos anos depois, no Sudão. A história que eu perseguia era uma denúncia feita por várias organizações da extrema-direita católica norte-americana, da existência de mercados de escravos negros em zonas controladas pelas milícias arabizadas, conhecidas por janjaweed (palavra árabe que significa “pistoleiro”, mas que em vários dialectos tribais do sul do Sudão significa “diabo a cavalo”). Tentei começar a reportagem pelo lado das vítimas. Falei com dezenas de pessoas que o SPLA me trazia. Quase todas mulheres, convenientemente. Nunca encontrei ninguém com quem pudesse ter uma conversa a sós, olhos nos olhos. Era sempre através de intérprete. Não consegui nunca ter a certeza de que ele transmitia as perguntas que eu fazia, nem nunca consegui perceber se a tradução das respostas era ou não manipulada. A verdade é que muitas pessoas davam respostas curtas, às vezes monossilábicas, e a tradução era sempre um arrazoado longo sobre violações e torturas. Naquelas condições, não quis continuar a reportagem. Embora seja solidário com a causa dos negros sudaneses.
Estas fotos foram-me mostradas pelo padre João, que as tirou com a raiva de denunciar esta barbárie. Na altura, fiz uma reportagem à volta destas imagens.
Quarenta morreram logo no local. O depauperado Hospital Simão Mendes recebeu mais de 280 feridos. Muitos morreram aí nos dias seguintes, devido à gravidade dos ferimentos e à míngua de tratamento médico capaz de debelar infecções oportunistas.
Foi o último tiro daquela 


Mesmo sem nunca ter entrado no Afeganistão, ali podemos ter uma ideia muito real de como eles vivem. Falei com vários membros daquela comunidade, todos homens, claro. Alguns eram refugiados antigos, do tempo da guerra contra a URSS. Outros, tinham acabado de chegar. Mas a conversa de todos conduzia para a mesma conclusão: os estrangeiros nunca tinham levado nada de bom para o Afeganistão… e, embora seja difícil entender os hábitos medievais daquela gente, acho que eles têm razão nesse capítulo.
Ao almoço fomos convidados para nos sentarmos à mesa, em casa de Haji Abdul Jabbar, um tipo que se portava como chefe da comunidade. Aquele almoço foi o modo dele nos explicar a tradição pashtun de receber quem vem por bem e nunca expulsar de casa um visitante amigo. Em última análise, é ao abrigo dessa tradição que Osama Bin Laden ainda hoje está entre eles.


Pedro Sousa Pereira estava abandonado na SIC. Vivia uma espécie de exílio na sua própria redacção. Agora, os senhores directores vão poder dizer ao patrão que já conseguiram economizar mais mil e quinhentos euros por mês. 

Era a imagem de um homem barbudo, ainda jovem, deitado na via pública. O tipo tinha uma barba escura e a pele suja. Estava no meio de um grupo numeroso de consumidores de heroína, numa avenida de
