Hakuna mkate kwa freaks.
sexta-feira, junho 30, 2006
O segundo stringer
A cidade estava um caos. Em 12 de Dezembro de 98, os últimos funcionários civis tinham sido retirados para Luanda. Nem médicos ficaram. Em 16 de Dezembro, a cidade começou a ser bombardeada. Onde quer que as bombas caíssem, morriam pessoas. Havia mais de 300 mil pessoas refugiadas no perímetro urbano. Tinham fugido à frente do avanço da UNITA e ali julgavam-se mais protegidas. Escutei muitos relatos tipo “eram oito, só escapou um”, vi muitas valas comuns abertas logo ali, no local onde os mortos estavam caídos. Por isso, havia gente enterrada na porta das escolas, no quintal das casas, onde quer que fosse.
Chegámos lá no dia seguinte ao cerco ter sido quebrado. Havia combates a 10 quilómetros de distância. Não nos deixaram lá ir. Mas havia um tipo que tinha maneira de apanhar uma boleia até à frente de batalha. Era primo de um comandante militar e vivia ali, era conhecido por todos. Chamava-se Carlos Alberto Miguel e tinha uma pequena handy-cam. Por mil e poucos dólares, ele lá foi. Andou dois dias em cima de um blindado e filmou combates de artilharia, casas a arder, cadáveres na beira das estradas e até um fuzilamento sumário de um prisioneiro.Nós ficámos na cidade, filmámos cenas de outro tipo de violência. Tudo junto, deu um documentário esmagador (intitulado Cuíto, simplesmente, exibido no programa da Margarida Marante), que o José Alberto Carvalho anunciou, no Jornal da Noite, como sendo “a reportagem mais violenta da história da televisão portuguesa”.
quarta-feira, junho 28, 2006
Novidades
Já lá fui e encontrei logo uma notícia relacionada com um dos temas que tenho abordado aqui no blog: a provável existência de uma nova sub-espécie de gorila ou chimpanzé nas florestas do norte do Congo, nas regiões de Bili e Bondo. Quem me lê, sabe que participei numa expedição científica que pretendia deslindar esse mistério, alimentado por testemunhos de quem jura ter visto o animal e vestígios deixados por ele, tais como pegadas, fezes e camas.
o grupo expedicionário, no acampamento, na floresta Makulungo, Bili
Pois, ao ir ao http://www.accoona.eu/ descobri isto…
Congo, ano 2000. Claudino
Vou tentar falar dele, nos próximos dias.
terça-feira, junho 27, 2006
Sudão, petróleo vermelho de sangue
Bom, escrevo de memória e, portanto, corro o risco de ser pouco rigoroso. Depois de ter sido interpelado por esta presumível imprecisão, fui verificar. Inseri duas palavras no motor de busca do Google: “Sudan oil”. Apareceu-me uma chuva de textos e uma catadupa de nomes de empresas petrolíferas, a saber:
1- ONGC Videsh, da Índia
2- CNPC, da China
3- Talisman Energy Inc., do Canadá
4- Petronas, da Malásia
5- Gulf Petroleum, do Qatar
6- IPC, da Suécia
7- OMV, da Áustria
8- Total/Fina/Elf, consórcio europeu
9- Royal Dutch, da Holanda
10- Shell, dos EUA
11- Chevron Oil Co., dos EUA
12- Arakis Energy Co., do Canadá
Ora, sabia que a Chevron e a Shell estavam no Sudão desde a década de 70, mais ou menos quando se reiniciou a guerra civil entre os do norte (arabizados) e os do sul (negros). E sabia que as empresas ocidentais tinham sido bastante criticadas pela opinião pública, devido a essa colaboração com o regime sudanês. Boa parte das receitas da exploração desse petróleo foi encaminhada para a compra de armas, o que significa que também as empresas de armamento ocidentais lucraram com a situação.
Aprendi, agora, que boa parte dos interesses ocidentais na exploração petrolífera no Sudão foi, realmente, adquirida pela CNPC da China.
O súbito desenvolvimento industrial chinês transformou uma sociedade rural num imenso consumidor de recursos naturais e, assim, a China virou-se para África, o continente onde esses recursos e a corrupção existem ainda em abundância.
A China e o Sudão são, hoje, fortes aliados comerciais e políticos. O Sudão é, de resto, beneficiário do maior investimento externo chinês, maior mesmo que o que está a ser realizado em Angola. Depois da Guerra Fria, África volta a estar no centro da disputa entre duas super-potências, desta vez com a China a substituir a extinta URSS no confronto com os EUA.
A China é o principal fornecedor de armas do Sudão (alguns exemplos estão patentes nas fotos deste texto). Há meia dúzia de anos atrás, o Sudão não tinha nenhum batalhão de blindados ou sequer mecanizado, não tinha aviação nem artilharia de longo alcance. Hoje, as forças armadas sudanesas dispõem de tanques, caças bombardeiros, helicópteros, lança mísseis e sei lá o que mais, tudo Made in China, como as t-shirts da Zara…
segunda-feira, junho 26, 2006
Sudão, o velhaco Omar
O voo era clandestino, porque estava proibido pelo governo sudanês que, já há anos, tinha o espaço aéreo fechado inclusivamente para voos humanitários.
Já naquela altura, em 1999, o governo sudanês proibira todas as agências humanitárias, mas todas mesmo, de actuarem nas Montanhas Nuba. Um governo que age assim, não se importa que o povo morra de fome, doença ou violência. A proibição decretada agora, para a região do Darfur, não é novidade, portanto. O pretexto de que as Nações Unidas transportaram um líder rebelde e que, com isso, teriam violado a soberania sudanesa, é mais uma vergonhosa chantagem de um governo que apenas pretende manipular politicamente os factos e usar as necessidades prementes do povo como moeda de troca.
É nojento que a ONU tenha de negociar com bandidos deste calibre e é nojento que a comunidade internacional reconheça a um governo destes qualquer tipo de legitimidade institucional.
Há no Darfur, segundo estimativas da ONU, mais de 2 milhões de refugiados, extremamente dependentes da ajuda humanitária. Podemos somar mais 1 milhão de Nubas e mais algumas largas centenas de milhar no sul do Sudão, e temos a maior crise humanitária em curso no Mundo a ser manipulada cinicamente por um poder enriquecido pelas expropriações dos territórios tradicionalmente pertença das comunidades tribais negras e pelos negócios do petróleo, nas mãos das empresas petrolíferas norte-americanas.
Porque será que impedir a ajuda humanitária a populações carentes não é crime? A decisão do velhaco Omar el Bashir provoca centenas de mortes por dia.
domingo, junho 25, 2006
Para memória futura
O memorial será composto por um passeio com pedras brancas, onde vão figurar os nomes dos jornalistas que, desde 1944, foram mortos um pouco por todo o mundo. A recolha da informação está a ser feita pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Para que seja prestado um tributo ao maior número possível de jornalistas, a RSF apela a quem tiver informações sobre jornalistas mortos (nome, local de trabalho, data e local onde ocorreu a morte) para que as envie para o e-mail memorial@rsf.org. Os dados recebidos serão confirmados antes dos nomes serem inscritos nas pedras do memorial.
sábado, junho 24, 2006
Congo, ano 2000. Philippe
Fiz-lhe uma pequena entrevista, que já não me lembro se incluí no documentário realizado para a SIC, mas que publiquei na revista dos missionários Combonianos, a Além Mar. Foi uma conversa curta e, portanto, lê-se em dois minutos… lembrei-me, agora, que esta entrevista que vos convido a ler, serve de resposta a uma questão que me colocaram no passado dia 4 de Fevereiro, num comentário a um texto: "Estes homens e mulheres estão espalhados por toda a África. A igreja católica tem desempenhado um papel útil, em África, a meu ver, em tempos ferozes...Quero lá saber se vêem na Senhora de Fátima uma entidade animista, o que era bom é que ela servisse para de alguma forma unir povos. Tens tido imenso contacto com estes missionários, por todo o lado, já percebi. Gostava de saber a tua opinião sobre isto; sobre o papel que poderiam desempenhar numa espécie de pedagogia da união, se é que isso faz algum sentido." Pois, a resposta está, realmente, na entrevista que podem ler nos arquivos da Além Mar.
Philippe Nkiere Kena tem uma grande dimensão humana. A igreja reparou nisso, obviamente, e já tratou de o promover. Se, um dia, houver um papa negro há-de ser alguém como este Philippe.
sexta-feira, junho 23, 2006
Congo, ano 2000. O lar em Bondo
Quando me deitava, à noite, punha os sapatos em cima da cama, por cima do lençol, porque tinha medo que se ficassem no chão alguma aranha poderia considerá-los uma boa residência e, de manhã, ao enfiar o pé… a bicada mortal! Além disso, tentava prender o mosquiteiro por debaixo do colchão, de modo a proteger-me melhor de alguma aranha que quisesse escalar a cama.
Enfim, um tormento. Levei muitos dias a habituar-me aquela convivência.
quinta-feira, junho 22, 2006
Congo, ano 2000. A vida em Bondo
quarta-feira, junho 21, 2006
Congo, ano 2000. Bondo
terça-feira, junho 20, 2006
Nino. Alguma coisa correu mal...
Ou o relato do senhor Augusto Veiga da Cunha, no Correio da Manhã de ontem, não é fiel aos factos?
“…No final dos anos 40, quando estudava em Bissau, na Guiné natal, o seu companheiro de carteira era nada mais nada menos do que João Bernardo Vieira, o mesmo que durante a luta pela autodeterminação da Guiné-Bissau veio a ganhar a alcunha de guerra de ‘Nino’ – e que mais tarde chegaria a chefe de Estado, primeiro pela força das armas e, mais recentemente, em eleições legitimadas pela comunidade internacional. Um miúdo, na altura – mas um miúdo em quem era já possível encontrar o esboço do líder em que mais tarde viria a tornar-se”.
em Bissau, 1998
O relato passa a discurso directo: “Eu era de Nova Lamego, actualmente chamada Gabú, na região de Bafatá. O meu pai, que nascera em Amarante, trabalhava lá como farmacêutico desde os anos 30. E eu gostava de África. Passava parte do meu tempo em Portugal, mas quando estava na Guiné acompanhava sempre os negros. Dava-me muito bem com eles, não havia diferença entre nós. Foram os melhores anos das nossas vidas, como a minha mãe sempre dizia, e quando fui para a escola, ‘Nino’ Vieira ficava ao meu lado. Era um bom aluno, muito respeitador dos professores e dos colegas. Ficávamos nas filas da frente e os professores davam-nos mais atenção a nós do que aos outros rapazes. E ‘Nino’ já revelava uma certa personalidade. Um carácter forte, determinado, sem racismo nenhum. Quando me vim embora, ele, como outros, pediu-me várias vezes que não viesse, que ficasse ali a viver com eles.”
segunda-feira, junho 19, 2006
Ainda sobre os mais velhos
Só nas sociedades nómadas e nas industrializadas, os velhos se tornam empecilhos. Nos nómadas, porque não conseguem acompanhar o andamento do grupo. Nas industrializadas, porque convencionou-se que o tempo é dinheiro e, assim, como a maioria de nós não tem dinheiro, acabamos por não ter tempo para os nossos velhos. E porque pensamos que não temos nada para aprender com eles.
domingo, junho 18, 2006
Esta tarde, no Martim Moniz
sábado, junho 17, 2006
Homens Grandes (continuação do post anterior)
sexta-feira, junho 16, 2006
Stringers
No Iraque, por exemplo, a maioria dos jornalistas mortos ou feridos em reportagem têm sido stringers. Quase todos iraquianos, camera-men mais ou menos improvisados, que trabalham para a CNN, a BBC, a NBC, a CBS e todas as grandes networks que tenham dinheiro para lhes pagar.
O problema dos stringers é que são tipos sem deontologia profissional. São capazes de qualquer coisa para trazerem a tal história. Ética? Encolhem os ombros… São estes tipos quem, porventura, mais facilmente se conluiam com agências de informação e organizadores de espectáculos para encenações como esta, para a qual Sofocleto me chamou a atenção há uns dias.
Por outro lado, os stringers locais tem muito mais facilidade em estar em determinados locais e em perceber o que se passa. Em países de línguas mais estranhas, eles falam a língua, conseguem ler jornais e perceber o que se diz na rádio, coisas que os estrangeiros dificilmente conseguem.
Utilizei stringers duas vezes na vida, até hoje. A primeira vez foi na Guiné-Bissau. Rendo, aqui, homenagem a um homem chamado Néné Marcos Lopes, o tipo que filmou muitas das imagens gravadas durante combates ferozes do cerco de Bissau e que eu utilizei nas minhas reportagens. Néné era amigo do capitão Bubo Na Tchuto, um dos comandantes do cerco, que liderava um pelotão entrincheirado na zona do poilão de Brá e que susteve alguns dos ataques mais violentos da tropa senegalesa que tentava quebrar o cerco à cidade. Essa amizade era a condição que lhe permitia estar lá. Por outro lado, Bubo não se preocupava muito se Néné podia levar um tiro e morrer. O mesmo não se passava quanto a nós. Se algum de nós levasse um tiro, ele poderia ter problemas com outros chefes militares e isso ele evitava. Por outro lado, Néné ajudava nos combates, enquanto filmava. Levava recados, transportava munições, era quase um combatente, coisa que nós jamais seríamos.
Compilei quatro cassetes de 30 minutos cada, cheias de imagens de Néné Marcos Lopes. Paguei-lhe 1500 dólares, mais do que ele ganharia a trabalhar durante um ano, mas menos do que ele merecia, concerteza.
quinta-feira, junho 15, 2006
Tecnologia
Depois, as coisas aceleraram. O vídeo mudou tudo. Trabalhamos muito com as Ikegami, uma câmara de vídeo japonesa grande e pesada que nem um trambolho. Mas era tecnologia de ponta, a meio da década de 80.
Entrar em directo era uma coisa do além e carecia de uma preparação de 48 horas. Havia que fazer uma visita técnica ao local, ver se havia linha de vista para o retransmissor de Monsanto ou da Arrábida, montar os feixes, ligar o carro de exteriores e rezar para que aquilo tudo funcionasse. Funcionava, mas não dava para improvisar. De modo que quando em 1998, já na SIC, fomos para a Guiné-Bissau, em plena guerra civil, e levamos um “toko”, nem queria acreditar. O que é um “toko”? É um equipamento portátil que permite ligação via-satélite entre quaisquer dois pontos no Mundo. Lá arrastámos aquilo até Bissalanca, local onde montámos a nossa base. Na altura, Bissau permanecia cercada e não se podia entrar ou sair da cidade. Ficámos numa casa de dois quartos, onde dormíamos e editávamos as reportagens. Na rua montámos a antena parabólica apontada para o céu. Do outro lado da rua, num barracão, estava o gerador. Em Lisboa, antes de partirmos, o engenheiro da empresa que tinha vendido aquilo à SIC foi lá explicar-nos como se ligava o equipamento, como se introduziam as coordenadas correctas para o satélite e o equipamento parecia estar em condições. Mas, ali em Bissau, teimava em não funcionar. De Carnaxide, diziam-nos que não chegava lá nada. Foi assim no primeiro dia. E foi assim no segundo dia. Telefonámos para o tal engenheiro que nos aconselhou a fazer o re-set, isto é, a desligar e voltar a ligar a aparelhagem. Às vezes funciona, dizia ele. Mas não daquela vez… Ao terceiro dia, olhei para a maquineta que voltava a não funcionar e, quando lhe ia assentar um pontapé, reparei num autocolante que dizia “em caso de mal funcionamento, ligue para este número, serviço de atendimento permanente”… Liguei. O número era de um telefone nos EUA. Atenderam-me e expliquei o que se passava. Do outro lado, o homem perguntou-me onde eu estava e para onde queria enviar as imagens. Depois, elaborou um check-up técnico: tecla LES; selection; 002; menu-enter; LES 002, enter; select 002, enter; exit…No fim disse “agora experimente lá, com as coordenadas que vocês tinham estavam a enviar imagens para uma estação terrena na América do Norte”. A verdade é que passou a funcionar na perfeição. E não foi preciso fazer re-set… O tal “toko”, hoje já nem existe. Foi ultrapassado pelo vídeo-phone.
quarta-feira, junho 14, 2006
Manipulação
terça-feira, junho 13, 2006
A primeira vítima
Um dia, em Mogadíscio, na Somália, entre outras fantochadas, deparei com uma encenação destas, mas toda ela (aparentemente) inventada pelo jornalista. A coisa passou-se assim… Havia dois locais possíveis para editar reportagens, em Mogadíscio. Ou na UER ou na Reuters. Eu (pela SIC) editava na Reuters, porque era mais barato e porque a SIC, sendo uma estação privada, não é membro da UER (uma associação de televisões públicas europeias). Mas, porque era mais barato, também a RTP montava na Reuters as reportagens dos seus enviados-especiais. Depois de algumas semanas a frequentar o Kilometer 7, assim chamávamos ao hotel onde estava a Reuters, tratava o editor irlandês como se o conhecesse há décadas. Um dia, antes de começarmos o trabalho, tivemos este diálogo:
Ele - A tua concorrência já cá esteve, hoje.
Eu – Ah, sim? E então, uma boa história?
Ele – Sim. Melhor que a tua, de certeza.
Eu – Porquê?
Ele – Queres ver?
E mostrou-me a peça já editada e que seria enviada por satélite para Lisboa dali a pouco. Era uma reportagem cheia de acção. A equipa de reportagem tinha sido apanhada num fogo cruzado, o carro estava danificado, uma bala tinha furado o radiador, o motorista tinha perdido o controlo e embatido num muro. A reportagem era feita à volta daquele cenário, com os repórteres de joelhos, abrigados do tiroteio pela carcaça do veículo. Muitos tiros, ta-ta-ta-tra-ra-ra-ra-ta-ta!!! Gritos. Fiquei derrotado. Naquele dia eram 10 a zero.
Depois, o irlandês contou-me aquela história de outra maneira. Os outros tipos tinham apenas tido um acidente, o carro tinha-se despistado e não havia modo de sair dali. O intrépido repórter magicou aquela cena, rastejou por ali e contou uma história que nunca aconteceu. Na montagem, meteu o som do tiroteio… et voilá!Muitos anos depois, no Sudão. A história que eu perseguia era uma denúncia feita por várias organizações da extrema-direita católica norte-americana, da existência de mercados de escravos negros em zonas controladas pelas milícias arabizadas, conhecidas por janjaweed (palavra árabe que significa “pistoleiro”, mas que em vários dialectos tribais do sul do Sudão significa “diabo a cavalo”). Tentei começar a reportagem pelo lado das vítimas. Falei com dezenas de pessoas que o SPLA me trazia. Quase todas mulheres, convenientemente. Nunca encontrei ninguém com quem pudesse ter uma conversa a sós, olhos nos olhos. Era sempre através de intérprete. Não consegui nunca ter a certeza de que ele transmitia as perguntas que eu fazia, nem nunca consegui perceber se a tradução das respostas era ou não manipulada. A verdade é que muitas pessoas davam respostas curtas, às vezes monossilábicas, e a tradução era sempre um arrazoado longo sobre violações e torturas. Naquelas condições, não quis continuar a reportagem. Embora seja solidário com a causa dos negros sudaneses.
segunda-feira, junho 12, 2006
Guiné Bissau, a guerra civil. O último massacre
Salvo raríssimas excepções, de que o presidente interino Henrique Rosa foi exemplo raro, os dirigentes guineenses pouco ou nada se têm preocupado com a união dos povos da Guiné-Bissau. De facto, não são “ramos do mesmo tronco”. Muito do que se passou na guerra civil, só foi possível porque, realmente, o povo lhes interessa muito pouco.
O último tiro dessa guerra fraticida foi disparado em 7 de Maio de 1999. Quando já nada havia a fazer para salvar o regime, Nino e Ansumane ainda mandavam disparar.
O último obus caiu no pátio de uma escola dos missionários do PIME. O local estava apinhado de populares, que ali se tinham refugiado do tiroteio nas ruas de Bissau.
Aquela multidão de homens, mulheres e crianças ouviu o assobio do voo do obus, um som cada vez mais agudo. No último segundo devem ter adivinhado o que se ia passar.
Mas já não havia tempo… Estas fotos foram-me mostradas pelo padre João, que as tirou com a raiva de denunciar esta barbárie. Na altura, fiz uma reportagem à volta destas imagens. Quarenta morreram logo no local. O depauperado Hospital Simão Mendes recebeu mais de 280 feridos. Muitos morreram aí nos dias seguintes, devido à gravidade dos ferimentos e à míngua de tratamento médico capaz de debelar infecções oportunistas. Foi o último tiro daquela guerra. Um tiro demasiado cruel e inútil.
domingo, junho 11, 2006
Do meu caderno de notas, contributos para a História da Guiné-Bissau
O coronel Buotha N`Mbatcha passou seis anos na cadeia, onde jura que foi torturado, foi condenado à morte e perdoado magnanimamente no derradeiro minuto. Até aqui, a história de Buotha N`Mbatcha não é muito diferente de milhares de outros guineenses enredados na trama política de Bissau.
Estes antecedentes levaram-no, claro, a alinhar na revolta de Ansumane Mane que culminou no derrube de Nino. No dia 7 de Maio de 1999, Nino caiu. Para evitar ser capturado, o ditador andou fugido pelas ruas de Bissau. Procurou esconder-se na casa do bispo, depois pediu abrigo no Centro Cultural francês. Tudo isto já foi aqui relatado, antes.
Nesse dia 7 de Maio de 99, os caminhos de Buotha N`Mbatcha e Nino Vieira voltaram a cruzar-se.
“Aderi à Junta Militar pela justiça, porque quero que todo o Mundo, principalmente o povo da Guiné-Bissau, saiba que Nino nunca falou verdade. Por isso quero justiça. Eu podia tê-lo morto no dia 7 de Maio. Fui eu que o fui buscar ao sítio onde ele estava e o levei para a embaixada. Tinha a minha pistola. Se quisesse vingança, tinha-o morto. Fui eu próprio. Peguei nele, não lhe fiz nada, levei-o para a embaixada. Espero apenas que se faça justiça e se conheça a verdade” (do meu caderno de notas).
sábado, junho 10, 2006
Congo, ano 2000. Meninos sem aniversário
O quartel-general do MLC, em Gbadolite, estava guardado por crianças soldados.
Era um grupo de meia dúzia de miúdos, o mais novo andava pelos doze anos e pouco mais alto era que a kalashnikov que carregava nos braços.
O recrutamento de crianças para combater é velho como o Mundo. Mas, hoje, é uma prática condenada pelo Direito Internacional. E, no entanto, os senhores da guerra que continuam a incentivar essa prática nunca foram incomodados por esse facto.
menino-soldado do MLC, em Bondo
A organização católica PIME, que tem muitas missões em África, diz que “as meninas representam 40% dos 300 mil menores envolvidos em conflitos armados em todo o mundo. Estas centenas de milhares de meninas e meninos são obrigados a servir, a trabalhar como espiões, como escravos sexuais, e a morrer no campo de batalha”.
Em documentos da União Europeia, pode-se ler que “no último decénio, os conflitos armados custaram a vida a mais de 2 milhões de crianças, mutilaram 6 milhões, tornaram órfãs 1 milhão e deram lugar a cerca de 20 milhões de crianças deslocadas ou refugiadas. As estimativas actuais falam da existência de cerca de 300 000 meninos-soldados no mundo. Entende-se por meninos-soldados os rapazes e raparigas com menos de 18 anos que façam parte de um exército regular ou de um grupo armado, mesmo que não usem armas. A idade média de recrutamento das crianças-soldados situa-se em redor dos dez anos.”
O Tribunal Penal Internacional considera crime de guerra a participação activa de crianças com menos de 15 anos em hostilidades, bem como o seu recrutamento no exército.
Mas nada disto impediu que a comunidade internacional aceitasse Jean Pierre Bemba como parceiro válido e legítimo para discutir o futuro do Congo e agora, até, para ser candidato à presidência da república. Por outro lado, Bemba é apenas um entre muitos que utilizam desse modo os recursos humanos à sua disposição. Porquê condená-lo? Talvez porque não fosse má ideia começar por algum lado…
sexta-feira, junho 09, 2006
T.P.C.
Quando a professora deixar de passar trabalhos de casa, como irei fazer para perceber a progressão escolar da Sara? Obrigo-a a fazer mais trabalhos, além daqueles que ela já fez na escola?
Percebo a intenção da ministra, percebo a preocupação de tornar a escola mais igualitária e democrática. Mas acho que se devia começar pela obrigatoriedade do uso da bata escolar nas escolas públicas (o que não acontece na escola da Sara). O uso da bata esbate as diferenças sociais. As crianças ficam mais iguais entre si, mesmo se por baixo da bata umas vestem roupa de marca e outras roupa do supermercado. Essa talvez devesse ser a primeira medida.
Quanto ao resto das medidas anunciadas ultimamente, no âmbito do Plano de Enriquecimento Curricular do 1ºciclo, agrada-me a introdução das actividades desportivas e do ensino musical, embora note que existe uma contradição com as intenções democratizantes da ministra. É que se as novas actividades, tal como o inglês, não fizerem parte do currículo escolar, só alguns terão acesso a elas: os filhos dos mais ricos. Além de que não percebo como se podem obrigar as escolas a proporcionar actividades extracurriculares.
quinta-feira, junho 08, 2006
Paquistão, Peshawar, 2001. Hospitalidade
quarta-feira, junho 07, 2006
Dignidade
A foto em baixo é de Leni Riefensthal.
terça-feira, junho 06, 2006
Pedro Sousa Pereira
Vem isto a propósito da saída de Pedro Sousa Pereira da SIC para a Lusa. Bom, a agência noticiosa fica a ganhar um excelente repórter, um fantástico contador de histórias e, creio eu, um tipo íntegro.
Para quem não conhece o Pedro e gostaria de ficar a conhecer, vão à Feira do Livro e folheiem “Paralelo 75 ou o Segredo de Um Coração Traído”. A prosa é do Jorge Araújo, outro excelente repórter, e as ilustrações são do Pedro. É o terceiro livro desta dupla que, curiosamente, se conheceu em plena reportagem em Timor Leste. Pedro Sousa Pereira estava abandonado na SIC. Vivia uma espécie de exílio na sua própria redacção. Agora, os senhores directores vão poder dizer ao patrão que já conseguiram economizar mais mil e quinhentos euros por mês. O patrão vai ficar todo contente e os senhores directores talvez tenham um up grade na próxima renovação da frota automóvel. Que bom. É assim mesmo que se faz televisão.
segunda-feira, junho 05, 2006
Paquistão, Peshawar, 2001. Outra Heroína
A heroína desta história chama-se Parveen Khan. Sim, é uma mulher. Coisa rara no mundo islâmico, ver uma mulher à frente seja do que for, não é? Andei meses à procura de uma fotografia dela, para vos mostrar, mas não encontrei. Mas o que interessa é saber que ela existe e que tem uma obra para mostrar. E interessa, também, saber que precisa de ajuda, como não podia deixar de ser. Quem puder, quem quiser, pode procurar contactá-la através do link que coloquei logo no início deste texto.
A tarefa de Parveen Khan não tem fim. O ópio e a heroína, no Paquistão, são baratíssimos. Uma dose custa menos que uma garrafa de água mineral. Os paquistaneses fumam, injectam e snifam heroína e ópio. Em Peshawar, os drogados são uma multidão dispersa em pequenos grupos pelas ruas da cidade. Reúnem-se à volta de pequenas fogueiras, onde preparam os cachimbos ou o “caldo”.
A polícia raramente actua. Parveen Khan disse-me que há fortes suspeitas da existência de relações próximas entre a polícia, os políticos e os traficantes da droga que, quase toda, vem do Afeganistão.
Naquela altura, em que conheci Parveen Khan, havia problemas de abastecimento nas ruas de Peshawar. Por causa da invasão americana, dos bombardeamentos, as aldeias tinham ficado desertas e os campos de papoilas abandonados. Mas, hoje, tudo voltou ao normal. O trabalho agrícola, a indústria transformadora e a comercialização do produto. Os americanos não mudaram nada.
domingo, junho 04, 2006
Paquistão, Peshawar, 2001. Heroína
Arquivo do blogue
-
▼
2006
(386)
-
▼
junho
(30)
- O segundo stringer
- Novidades
- Congo, ano 2000. Claudino
- Sudão, petróleo vermelho de sangue
- Sudão, o velhaco Omar
- Para memória futura
- Congo, ano 2000. Philippe
- Congo, ano 2000. O lar em Bondo
- Congo, ano 2000. A vida em Bondo
- Congo, ano 2000. Bondo
- Nino. Alguma coisa correu mal...
- Ainda sobre os mais velhos
- Esta tarde, no Martim Moniz
- Homens Grandes (continuação do post anterior)
- Stringers
- Tecnologia
- Manipulação
- A primeira vítima
- Guiné Bissau, a guerra civil. O último massacre
- Do meu caderno de notas, contributos para a Histór...
- Congo, ano 2000. Meninos sem aniversário
- T.P.C.
- Paquistão, Peshawar, 2001. Hospitalidade
- Dignidade
- Pedro Sousa Pereira
- Paquistão, Peshawar, 2001. Outra Heroína
- Paquistão, Peshawar, 2001. Heroína
- Uns tabefes em público
- A mão na Bolsa
- Ai Timor...
-
▼
junho
(30)
Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média