Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, janeiro 25, 2006

Sudão, os Nuba (3)

Nas Montanhas Nuba, no Sudão, fui testemunha do milagre da multiplicação… das galinhas.
Num dos locais onde parámos para retemperar forças havia uma espécie de hospedaria. Era uma palhota de pau a pique, sem paredes. Tinha uns muros baixinhos que dividiam a casa nas várias salas. E tinha uma zona onde se cozinhava, numa fogueira de lenha.
Ficámos ali quase 24 horas. As bolhas nos pés estavam a matar-nos… De modo que vi aquela senhora cozinhar para muitas pessoas.

Vinham aos grupos familiares, era gente que se tinha deslocado da aldeia onde viviam até aquele mercado. Por causa da guerra, os Nuba não têm mercados junto às aldeias. Normalmente, os mercados ficam em locais equidistantes de várias povoações. Assim, tentam evitar grandes aglomerações de pessoas e limitam a tendência para a formação de grandes aglomerados habitacionais. Com esta medida, minimizam o efeito dos bombardeamentos aéreos governamentais. As pessoas, quando precisam de trocar produtos, deslocam-se a um desses locais. Não há dinheiro em circulação, de modo que é preciso carregar alguma coisa que valha para a troca com aquilo de que se necessita. Moeda forte, por lá, são “pepitas” de sal e roupa. O sal é raríssimo e chega em caravanas que conseguem furar o bloqueio que o exército do governo faz às Montanhas Nuba. A roupa, só mesmo a que chega nos voos clandestinos das ONG humanitárias ou do padre Renato Kizito.
Então, nessa hospedaria, a senhora tinha uma galinha, pronta a ser cozinhada. Vi essa galinha ser fervida umas 15 vezes, ao longo desse dia. A mulher, por cada fervura, juntava na panela umas verduras e sementes de sésamo. Servia o caldo, mas guardava a carne que, depois, voltava a ferver para os clientes seguintes. Por cada fervura, a galinha ia soltando alguma carne, até que desapareceu por completo. Mas, deste modo, uma galinha ajudou a alimentar dezenas de pessoas.

4 comentários:

Isabela Figueiredo disse...

Rodeamo-nos de muitos acessórios, acepipes, mas sabemos que não precisamos de muito para manter a vida: uma garrafa de água,um naco de pão, uma lata de comida para cães... Tiramos excessivo gozo do que comemos e bebemos. Sei lá se é excessivo... que se leve alguma daqui, caramba, que isto, às vezes, custa!
Uma galinha que aguenta 15 ferveduras é um animal sagrado!

Fernando Ribeiro disse...

Com certeza que o amigo Carlos se fartou de ouvir falar na Leni Riefenstahl, a cineasta e fotógrafa nazi que foi viver para o meio dos nuba (não confundir com núbios), onde ninguém sabia quem ela era, nem sequer sabia que coisa tinha sido o nazismo.

Convido-o a vencer o nojo que possa sentir por essa personagem e a visitar o sítio que lhe é dedicado, o qual tem muitas fotografias de nuba tiradas por ela e onde se verifica que ela nutriu uma enorme afeição por esse povo sudanês negro. No fim, talvez acabe por sentir uma certa admiração por essa fulana, que foi, sem dúvida nenhuma, uma mulher fora do comum.

O endereço do sítio é http://www.leni-riefenstahl.de/

Denudado (A Matéria do Tempo)

CN disse...

obrigado pela indicação do site, Desnudado.
conheço, embora não profundamente, a obra da Leno Riefenstahl, nomeadamente a sua filmografia de propaganda ao nazismo.
já vi várias fotos do trabalho dela sobre os Nuba, mas terei todo o prazer em conhecer melhor essa mulher, realmente, única.
um abraço.

Anónimo disse...

Esta história da galinha que deu 15 canjas é absolutamente mágica. Bem Haja por a contar
Maria João Carvalho

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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