Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











domingo, abril 02, 2006

Guiné Bissau, a guerra civil - a caminho da cidade

Não consigo encontrar nenhuma foto do padre Daniel. Mas não faz mal, jamais o esquecerei. Alto, gordo, loiro, sereno. O padre Daniel é um missionário italiano do PIME, uma organização da igreja católica que tem muitas missões na Guiné-Bissau.
Devo ao padre Daniel o alívio de muitas dores e o apoio desinteressado que sempre me prestou e aos que estavam comigo. Devo-lhe amizade, que é uma dívida impossível de saldar…
Tínhamos começado a caminhar de manhã cedo, em Nhacra. Fizemos a estrada do Cumeré, até ao alto de uma lomba e, depois, metemos pelo mato. Seguimos por um trilho estreito mas perfeitamente marcado, o caminho que muitos habitantes de Bissau usavam para fugir da cidade cercada. Encontrámos uma aldeia e contornámos as palhotas. Surpreendemos umas senhoras que se banhavam perto de um poço. Parecia que estávamos no caminho errado… As senhoras devem ter alertado os homens da aldeia porque, pouco depois, apareceram um velho e um miúdo que perguntaram para onde íamos. Bissau era por um outro trilho… e lá foram eles à frente. Tivemos de passar por umas bolanhas, assim se chamam os arrozais na Guiné. Fartámo-nos de andar, sem parar. De manhã, antes de começarmos a caminhada, cada um de nós comeu uma manga. Ao fim da tarde, quando finalmente chegámos à margem do Canal Impernal, não sabíamos se estávamos a morrer de cansaço se de fome… caminhávamos há 7 horas e carregados. Ninguém imagina o peso das baterias da Betacam, das cassetes de vídeo, da própria câmara, mais o carregador de baterias, o telefone-satélite, mais as canetas e os blocos de notas, mais o portátil e a máquina fotográfica, os rolos, a pouca roupa, a pasta de dentes… ao fim de 7 horas, tudo isto pesa toneladas.

a bordo da canoa para atravessar o Canal do Impernal

Na margem do canal estavam homens armados. Rebeldes. Percebemos que ali era uma das linhas do cerco de Bissau. O território de Bissau é, de facto, uma ilha. Nos anos 40, a engenharia militar do exército português construiu um aterro para ligar a ilha ao local onde estava o aeroporto, sem necessidade de construir uma ponte. A ilha transformou-se em istmo, mas por esse aterro, ou seja, pela estrada do aeroporto, não se podia passar. Era ali que se travavam os combates mais ferozes, entre os senegaleses que tentavam furar o cerco e os rebeldes que o sustentavam.
Portanto, era preciso atravessar aquele canal…

2 comentários:

Menina Marota disse...

Memórias que enriquecem quem as lê...

Grata pela partilha.

Um abraço e bom domingo

Carla disse...

Passei para ler os teus relatos, e deixar votos de uma excelente semana.

Bjx

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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