Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, abril 19, 2006

Guiné Bissau, a traição

Como seria de esperar, o exército guineense acabou por conseguir desalojar os rebeldes de Casamança das aldeias fronteiriças. Como também seria de esperar, não conseguiram capturar ou eliminar os principais dirigentes da rebelião de Casamança. São guerrilheiros que sempre viveram no mato e que sabem como se esconder, principalmente quando podem contar com a solidariedade das populações.
Tagma Na Waie, CEMGFA

O que mais me surpreendeu, nesta acção militar da Guiné-Bissau, foi a atitude assumida por Tagma Na Waie, o actual Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, um homem que combateu ferozmente contra Nino Vieira, durante a guerra civil e que, nessa luta, liderou vários guerrilheiros de Casamança que foram ajudar no cerco a Bissau. Espanta-me a traição de Tagma a quem o ajudou no combate contra Nino. Porque Tagma é um dos militares de etnia balanta que mais sofreu às mãos da polícia secreta, durante a vigência do “primeiro regime” de Nino Vieira. Tagma esteve preso, foi torturado selváticamente, condenado à morte e deportado para a Ilha das Galinhas, uma ilha-prisão nos Bijagós, onde penou 9 anos até ser perdoado. Quando Ansumane Mané se sublevou, Tagma vivia como um indigente, esmolando caridade… Disse-me, numa conversa que tivemos durante a guerra, que sonhava com a hora de furar o peito de Nino com as balas da sua kalashnikovQuem conhece a história contemporânea da Guiné-Bissau sabe que alianças e traições são o quotidiano da política guineense. Foi assim que Amílcar Cabral foi morto, foi assim que Luís Cabral foi deposto, foi por isso que liquidaram Ansumane Mane, foi por isso que assassinaram Veríssimo Seabra. Nino e Tagma já se atraiçoaram mutuamente e combateram um contra o outro. Hoje estão amigos e aliados. Mas se, um dia destes, um deles não acordar, não me surpreende. Acho difícil que um homem a quem arrancaram os testículos consiga perdoar ao algoz. E acho ainda mais difícil que o carrasco acredite que foi perdoado.

12 comentários:

Isabela Figueiredo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Isabela Figueiredo disse...

Não é impossível que o homem sem testículos venha a ser o próximo presidente. Não está esquecido, claro. Espera melhor oportunidade. Sabe esperar.

aRMAS disse...

Eu estava tentado a fazer alguma piada fácil, com o facto dele não ter testículos e portanto não se revoltar.

Mas depois reflecti um bocado melhor sobre essa situação. Sobre essas traições.

A conclusão fácil é que nessas pessoas não existe espaço para a honra. Todas têm um preço, e pelos vistos o preço é bastante baixo.

Outra conclusão possível, é a da fé nas pessoas. Acreditar que por razões de força maior neste momento é necessário agir dessa forma.
E que essas razões de força maior dizem respeito ao povo, e não a um punhado de "pessoas".

Muito "poético" isto. Mas sinceramente, não sei qual conclusão devo tomar para mim.
Se devo guardar na memória a má referência, ou a boa.

125_azul disse...

Achas que um dia eles se cansam???

isabel mendes ferreira disse...

com essse percurso recuso-me a acreditar que ainda se espante...:)embora saiba por experiencia que o espanto ainda é uma das armas possíveis para alcançar a generosidade...


__________________um post à sua medida...
_________________abraço.

escrevi disse...

Concordo com o comentário que fizeste no meu blog. Mas...
Às vezes ainda me dou ao luxo de sonhar...

Um beijo.

aquiperto disse...

Coitados dos guineenses... terem que suportar de novo esse grande amigo do Major Valentão... Será que o Nino também lucrou com o "negócio das batatas" no tempo da guerra colonial? Mas o que acho mesmo estranho, é que nos "nossos media" nem sequer seja referida esta guerra de Casamança... Porque será? Será que o Carlos Narciso, que conhece o "milieu" me poderá responder?

CN disse...

Aquiperto, são várias as razões:
1- o governo guineense não deseja muito barulho à volta deste assunto;
2- os patrões dos media portugueses não querem gastar dinheiro com enviados-especiais;
3- a Guiné Bissau não "vende" papel nem espaços publicitários, de modo a tornar aliciante um eventual investimento na cobertura do tema;
4- as redacções estão cada vez mais amorfas e submissas aos ditames do patronato que, assim, se imiscue nos assuntos editoriais dos media que controlam.
É capaz de haver mais umas quantas razões, mas estas chegam para se entender o problema.

aquiperto disse...

Era o que eu suspeitava, meu caro Carlos Narciso... Felizmente, que vão existindo uns blogs, como o seu, para que a Informação exista... Bem Haja a Blogsfera.
1 @braço,
JP Peixoto

jodisama disse...

Boas Carlos Narciso.
Eu sou daqueles que passou o 7 de junho no Vidigueira.
Um abraço

ELCAlmeida disse...

Meu caro Carlos Narciso
Quase três anos depois tudo se consumou.
Esperemos que agora a Guiné-Bissau possa começar a respirar um pouco melhor.
Abraços
Eugénio Almeida

Thandive Sila disse...

"Nino e Tagma já se atraiçoaram mutuamente e combateram um contra o outro. Hoje estão amigos e aliados. Mas se, um dia destes, um deles não acordar, não me surpreende."
Engraçado como conseguiu prever o acontecimento.
Pessoalmente, nao sabe a dor que sinto ao ver o meu país como palco de atrocidades toda a hora, o país tem potencialidades, mas voltar para lá para tentar mudar o sistema significa no minimo dos mínimos perda de anos da nossa vida em vão , e no máximo perseguição e perda da própria vida. É a realidade, debato me com isso diariamente e o meu coracao encontra se cada vez mais amargurado.
Todavia, dou lhe os parabens pelo site e pelas matérias. Gostei muito do site.
Respeitosamente,
T.R.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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