Em Zanzibar existe um monumento perturbador. Um rectângulo escavado no solo, com várias estátuas de homens agrilhoados lá dentro. Evoca a escravatura, esse empreendimento levado a cabo por capitalistas esforçados de séculos passados.
A escravatura, é um facto, sangrou África de milhões de seres humanos que, levados para outros continentes, foram obrigados a contribuir com o seu trabalho esforçado para o crescimento económico dessas terras.
Foi um crime horrível, sem dúvida. Já levou a que alguns dirigentes africanos actuais alvitrassem que o Ocidente deveria pedir desculpa pelo mal que provocou aos africanos. Penso que sim, que não nos ficava nada mal a expiação desse pecado. Mas, com isto, quero também dizer que os europeus não deveriam ser os únicos a pedir desculpa… a escravatura não se fez contra todos os africanos, já que muitos deles eram comparsas assumidos nesse negócio.
Além disso, a escravatura não foi, sequer, inventada pelos europeus. Muito antes dos portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses terem dado início ao negócio, já os árabes o faziam há séculos.
A escravatura, em África, era uma questão interna (os africanos escravizavam-se uns aos outros) e transariana, com os árabes a traficarem seres humanos para o Norte de África e para a Arábia.
Aliás, convém não esquecer, que na Arábia Saudita a escravatura só foi abolida em 1962 e na Mauritânia (um Estado árabe do Sahel) foi abolida em 1980…
Mesmo em Zanzibar, a escravatura perdurou até ao início do século XX, embora de modo ilegal. Zanzibar foi, até muito tarde, entreposto de escravos capturados no interior do continente e que, na ilha, esperavam transporte para a Arábia. Os ingleses, que colonizaram Zanzibar nesse período, pouco ou nada fizeram para terminar com o tráfico.
Aliás, em Zanzibar existem muitos vestígios dessa actividade, como casas como esta que vos mostro (última foto), construídas com coral retirado do mar, semienterradas no chão, onde os escravos eram mantidos enquanto não eram transportados para o destino final, ou fatal.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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terça-feira, janeiro 09, 2007
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
9 comentários:
É verdade, os equívocos. Aliás, a história parece ser feita mais deles do que de outra coisa. Fico impressionada com os dados, não imaginava que houvesse escravidão consentida/legal tão tarde no século XX. É sabido que no Brasil ainda há, pelo menos houve, recentemente, casos de trabalho escravo descoberto, não faz muito tempo, mas sempre ilegal. Teu texto tá fantástico, e as fotos, bem, a tal casa impressiona.
Só uma observaçãozita: afinal, quem são os do grupo das vítimas e quem os do grupo dos algozes. Difícil separar, não é? E quanta hipocrisia de ambos os lados. Lembrei-me de todos os problemas políticos e diplomáticos originados na "idônea" ação da Inglaterra para forçar Portugal a interromper tráfico e escravatura no fim do século XIX, início do XX. Lembrei-me também do Sousa Tavares e seu "Equador". E aquele Luis Bernardo, tão inverossimelmente decente. Ou, talvez, nada seja inverossímil.
Impressionante ler o artigo, assumir esta realidade.
Nos dias de hoje continua a haver, embora escamoteada, diversas outras formas de escravatura legais. É a condição humana, no seu pior, conforme o ÂNGULO e TEMPO.
MMN
E não esquecer que zamzibar ainda é governada segundo as leis árabes. O líder das duas ilhas, que forma com a Tanganica a República Unida da Tanzânia, continua a se chamar de sultão/presidente já tendo, não poucas vezes, ameaçado com a secessão do Continente, precisamente por causa do modo como "gere certa economia".
Mas não deixa de ser sintomático que este "equívoco histórico" como realça é muitas vezes fomentado por aqueles que até há pouco tempo mantinham - ou mantém - a escravatura: árabes e negros islamizados; Mauritânia, Mali, note da Nigéria e Níger, Iémen, enfim alguns quantos que estão referenciados nas NU.
Cumprimentos
EA
Museu da Inconfidência
Carlos Drummond de Andrade
São palavras no chão
E memórias nos autos.
As casas inda restam,
Os amores, mais não
E restam poucas roupas,
Sobrepeliz de pároco
E vara de um juiz,
Anjos, púrpuras, ecos
Macia flor de olvido,
Sem aroma governas
O tempo ingovernável.
Muitos pranteiam. Só.
Toda a história é remorso.
Caramba se entramos nessa das desculpas não fazemos porra nenhuma, ao longo dos últimos 3 milhões de anos toda a gente já escravizou e já foi escravo, portanto deixem lá essa treta do politicamente correcto, que mania irritante que se criou agora, ai coitadinhos dos pretos, ai coitadinhos dos brancos, ai coitadinhos dos azul bebé. Chiça coitado é de mim que ganho 80 contos e estou a contratos há 10 anos. Desculpe a lenga lenga, mas essa treta das desculpas históricas deixa-me com azia. Boa semana.
E eu a insistir que a História tem destas... (in)conveniências(?).
Há um texto de Mia Couto a propósito dos vários contextos e "culpados" pelas escravaturas.
Em África, e particularmente em Angola, não esquecer o "vandalismo" e a brutalidade das migrações bantu (futuros escravos de europeus) durante a ocupação do território, assassinato e expulsão dos povos autóctones. Lembro-me agora dos !Nkung (Khoi e San), ou dos Vátwa, por exemplo.
Pois é... manipular, escamotear, branquear. Assim é a.... História.
(Alguma, ok.)
O facto de haver muitos assassinos não retira nem um mínimo de gravidade ao crime de matar outra pessoa.
O facto de que outros também escravizaram não retira nem um átomo à responsabilidade histórica que a Portugal cabe num tráfico negreiro que atingiu proproções nunca igualadas na história da humanidade. Dizer que não foram só os portugueses não pode servir de desculpa nem de atenuante.
Prezado Carlos,
o Bismarck quis conquistar e colonizar terrenos em Africa, também em Tanzania.
Felizmente o Sultao de Sansibar tinha privatizado varios serviços e entregue a uma empresa alema.
Para convencer os Alemães em geral e no Parlamento -onde ele sendo um grande inimigo da igreja precisava dos votos dos partidos catolicos- Bismarck descobriu o tema "escravatura".....
Pediu "detalhes horrorosas de tortura"...mas não havia nada...os arabes tratavam muito bem o "investimento" e "os bens" deles.
Mesmo assim a "escravatura" tornou-se tema principal da propaganda do Bismarck:
- a igreja (Padre Lavigeries)quis lutar contra o islamismo
- investidores alemães e ingleses precisavam de mão-de-obra barata (e a escravatura era concorrência "desleal")
Agradeço-lhe muito as fotografias de Sansibar !
-utilizei-as no meu post-
No ano 1889 havia a revolta dos arabes - muitos alemães morreram lutando contra a escravatura.
As estatuas monstram "pessoas criminosos" -ou soldados capturados- mas com certeza não "escravos".
Tudo propaganda dos politicos ontem e hoje !
Ralf (Konrad)
Thanks, Thanks, Thanks
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