Em Lisboa tinha tido uma conversa com Issam Besseiso, o delegado da OLP em Portugal. Pedi-lhe ajuda para me facilitar um contacto com alguém na Cisjordânia que pudesse ser nosso guia. Perguntarão, porquê a opção pela OLP? Que isenção é essa? Resposta: numa terra como aquela, onde as pessoas falam diversas línguas, mas nenhuma acessível, onde nem sequer se consegue ler um letreiro porque os caracteres alfabéticos são gatafunhos incompreensíveis, é obrigatório ter alguém que nos leve aos sítios, que nos traduza as conversas, que saiba ler o jornal. Num conflito como o israelo-árabe, não vale a pena ter a esperança de encontrar alguém isento, um guia que não esteja comprometido com um dos lados em conflito. Assim, é essencial optar. A opção é uma escolha política? É. Mas, também, deve ser uma escolha ponderada em termos pragmáticos. Quem nos dará a melhor história? O mais forte ou o mais fraco? Eu acho que é sempre o mais fraco, o que mais sofre, o que vive no lamaçal, o que representa o papel do oprimido… por isso escolhi ter um guia da OLP. Antes de apanhar o avião para Ben Gurion, o delegado da OLP garantiu-me que alguém iria ter comigo. Em algum sítio, no hotel, na rua, num restaurante, alguém nos iria abordar e estabelecer o contacto. Quem, ele não sabia. Alguém. Que podia ir descansado.
Nos primeiros três dias, em Jerusalém, ocupámos o tempo com as burocracias inerentes à credenciação, fomos entrevistados por um funcionário governamental, tivemos que assinar um documento em que nos comprometíamos a submeter todas as imagens gravadas à censura militar. Dissemos que sim a tudo, querendo dizer não. E esperávamos que, nalgum sítio, em alguma altura, alguém da OLP estabelecesse o contacto prometido. Durante três dias, nada aconteceu. Mas ao terceiro dia, estávamos na Porta dos Leões da Cidade Velha a filmar banalidades do quotidiano, quando um tipo meteu conversa connosco, queria saber se estávamos interessados num guia árabe… seria aquele o tal contacto da OLP? Como ter a certeza? Há coisas impossíveis de perguntar… o tipo até podia ser um polícia israelita… Respondemos que sim, enfim, talvez, que íamos pensar, amanhã daríamos uma resposta. Como mais ninguém apareceu, decidi arriscar e aceitar aquele gajo como nosso guia. Se era ou não da OLP, jamais saberei. Ele dizia que sim… e funcionou como tal.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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sábado, abril 01, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
2 comentários:
Ainda não fui a Israel. Temo o que vou encontrar. Sei que o estado de Israel, como é hoje, não é nem nunca poderá ser a Terra Prometida e, por isso, não sei se o quero ver assim, comandado por forças exteriores a ele e cheio de guerra. Por outro lado, tenho de ir lá, um dia. E é, para mim, indiferente os homens que vou encontrar. Todos temos o sangue vermelho e as mesmas dores.
A minha avó dizia: D-us é sempre o mesmo, são os homens que o complicam e lhe dão nomes diferentes.
Cantinho muito interessante e informativo.
Bom fim de semana
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