Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











segunda-feira, maio 29, 2006

Angola, 1999. Lágrimas de crocodilo

A última vez que regressei de Angola foi em Janeiro de 1999. Tinha feito uma viagem relâmpago, com o Renato Freitas camera-man. Na bagagem trouxemos as imagens do Cuíto cercado, na derradeira ofensiva da UNITA. Tínhamos “belos bonecos” da contra-ofensiva governamental, com imagens de combates tiradas à boleia de um dos blindados do governo. Numa dessas sequências, via-se de relance, mas via-se, um soldado da UNITA que se tinha rendido a ser interrogado e, logo a seguir, sumariamente fuzilado.
Essa sequência fechou a reportagem. Era um soco no estômago e a resposta a uma pergunta que já tinha feito inúmeras vezes e a que nunca me tinham respondido. Era por “aquilo” que não havia campos de prisioneiros de guerra… os únicos prisioneiros poupados eram os oficiais superiores, os que poderiam ter informações úteis quanto às tácticas do inimigo e saber dos pensamentos íntimos dos chefes. É verdade que nem todos os soldados rasos eram mortos. Alguns safavam-se, por algum prurido do inimigo, desde que passassem a combater contra o outro lado. Os angolanos sofreram coisas indizíveis, nessa guerra longa…
Enfim, tudo isto para vos dizer que soube, no dia seguinte à exibição da reportagem, que o Presidente da República tinha ficado muito incomodado com “aquilo” (eventualmente, verteu alguma lágrima) e que iria promover uma discussão pública para denunciar aqueles horrores. A informação tinha chegado por um dos assessores presidenciais que antes tinha trabalhado na SIC. Imagino que Sampaio tenha sido melhor aconselhado, mais tarde, porque nunca mais ouvi falar no assunto.

3 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente na guerra e na pobreza o bicho Homem tem uma elasticidade estontiante. Talvez este seja o caracter que nos torna mais proximos de todos os outros bichos, e nos pinta exactamente com as mesmas cores que o resto da natureza.

Anónimo disse...

Mundo de rupturas, ambições, cultura do ódio e da morte ao outro - se impõe. Tudo tão impermeável à humanidade imaginada por nosotros.

“Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias”.


“Não percebes […]
Que há uma luz que nasce da blasfêmia
E amortece na pena?”

Um fragmento poético de Hilda Hilst.

Para quem tem o olhar dos Homens que Acreditam.

125_azul disse...

Os olhares e as lágrimas do poder e os crocodilos que só matam para comer. Abraço

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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