Descobri uns papéis velhos. Dentro de um saco de plástico, no meio de tralha sem préstimo estavam uns papéis que têm significado. São bilhetes, rascunhos, documentos que contam histórias, embora não façam parte da História.
Hoje, vou mostrar-vos um desses papéis. É um manuscrito de letra incerta, assinado por um Barreto. Não está datado, mas sei que é de 1999, altura em que se davam os últimos tiros da guerra civil guineense. E que história conta este papel? Conta-nos o inestimável contributo das rádios da Guiné-Bissau na ajuda a centenas de milhar de refugiados. As pessoas tinham fugido de Bissau e estavam por conta própria. Não havia ONG no terreno, excepção da Igreja Católica que nunca fugiu para lado nenhum. As famílias estavam separadas, os vizinhos distantes, não havia telefones nem qualquer outro meio de comunicação à distância. Foi então que as rádios, principalmente as rádios locais, iniciaram um serviço de apoio às populações que se revelou essencial. Durante horas a fio, liam comunicados familiares, tipo este que vos mostro: “Favor comunicar à Guida, mulher do Poió, a Perpétua, Joana Carvalho, todas em Prábis possivelmente, de que devem sair porque o grupo que vai para Cabudu e Bolama pode encontrar carros em Safim…”. Era preciso que o aviso fosse ouvido ou pelo destinatário ou por alguém que pudesse retransmitir o recado. Era um tiro no escuro, mas funcionou bem muitas vezes, até porque as pessoas passavam o dia com a orelha colada ao transístor para ouvirem estes recados e para saberem as últimas da guerra.
A rádio que mais se distinguiu nesta tarefa heróica foi a Rádio Bombolon, que já não existe.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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segunda-feira, maio 01, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
5 comentários:
Estranho pensar que a guerra também é feita destas coisas. Feliz feriado
Sabes que, ao contrário do que dizes, "papelinhos" como estes são, também eles, documentos históricos?
Quando se estuda a história de um determinado país, ou época, todos os vestígios do que se passou são importantes.
Se dentro de alguns anos resolverem fazer um arquivo histórico na Guiné, cada um desses papéis é classificado, numerado, digitalizado e analizado no contexto da época em que foi escrito.
Tens realmente material que deves mostrar, contar, porque será um contributo para a história. Acredita.
(escreve o livro...)
Um beijo.
Mais um testemunho de todas estas guerras que nunca ouvimos falar.
Concordo em absoluto com o escrevi.
Tanto livro sem interesse que se publica neste país...
Publique,homem!
Cumprimentos
Publique. Acima de tudo faltam livros assim, que contem estórias que escapam por completam à história. Já lhe disse: O Carlos conta e eu escrevo. :-)
PS: no jornalismo fala-se muito "do lado humano". Mas depois, o que, regra geral se vê, é um aproveitamento barato e feio, muito feio, dessas estórias. Não é o seu caso. Publique!
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