Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











terça-feira, janeiro 31, 2006

Carta de Manila, 5ª parte (e última...)

A minha experiência. Chegado aqui a Manila tive que começar a trabalhar. O colega que estava a dirigir a revista World Mission tinha que voltar para Macau, para substituir outro colega português destinado à rotação em Portugal.
Não houve tempo para grandes adaptações à realidade, nem para estudar a língua. Que é o que mais falta faz. O inglês tem vindo a perder importância por aqui desde a década de oitenta. O meio de instrução mudou e a malta jovem cada vez tem mais dificuldade em exprimir-se em inglês. É comum telefonar para instituições onde a telefonista não sabe responder em inglês. Enquanto os países vizinhos asiáticos estão a fazer um esforço para aprendê-lo, os filipinos estão a esquecê-lo! Embora a revista seja em inglês, seria importante saber tagalog, a principal língua nacional, para comunicar e penetrar melhor na cultura e na vida das pessoas.
Os filipinos dizem-se acolhedores. Naturalmente, segundo cânones diferentes dos nossos. Na realidade são asiáticos e não é fácil entrar nas suas casas, quanto mais nas suas vidas. Parece que é preciso conquistar cada amizade com dedicação ao milímetro. Para eles conta muito a imagem, as aparências. O sorriso é uma espécie de espelho que não deixa ver o que está do lado de lá, de dentro. Muitas vezes dizem «sim», mas já decidiram que é «não».
Uma das piores experiências a este respeito foi com um bispo, muito popular e que conhece bem os combonianos. Telefonei-lhe a pedir um texto para a revista. Fiquei admirado porque acedeu a vir pessoalmente ao telefone. Respondeu positivamente ao meu pedido e deu-me logo o seu número de telemóvel e endereço de e-mail. Pedi-lhe o texto para daí a duas semanas. Mandei-lhe logo de seguida um e-mail a resumir o pedido. Terminado o prazo dado tive a oportunidade de ir visitá-lo com um colega e participar na sua festa de aniversário. Pediu-me mais uma semana para escrever. Passado esse tempo mandei-lhe outro e-mail, que ficou sem resposta; tentei telefonar-lhe, mas depois de reconhecer o número já não atendia as chamadas; mandei-lhe duas mensagens de texto para o telemóvel com semelhante resultado. Tive de atrasar a entrega da revista e mudar de planos. Entretanto, já passaram três meses, e ainda nem uma explicação tive, dele ou de algum secretário! Certamente, não sou tonto ao ponto de me deixar enganar mais alguma vez por ele!
Ainda não percebi o que esperam de nós, missionários. Num breve curso de introdução à realidade em que participei alguns convidados responderam: «nada»; enquanto outros disseram: «carinho e compreensão, porque fomos muito enxovalhados pelos colonizadores!» Fica-se com a impressão de que a aparente auto-satisfação e segurança é uma forma cultural de encobrir a fragilidade e a deficiente auto-estima.
O trabalho na revista é exigente. Em geral, quando vos levantais já eu tenho feito um dia de trabalho (depois da mudança da hora, andamos oito horas adiantados)! Para me ajudar, tenho uma secretária (que também corrige provas) e um paginador, ambos a part-time. O administrador e o difusor da revista também são combonianos portugueses. Os superiores lá terão percebido que isto estava a precisar de uma equipa de gente trabalhadora e de iniciativa. A tiragem anda à volta dos oito mil exemplares. O nosso sonho é torná-la auto-suficiente. O que implicaria um certo crescimento. Vamos lá ver se conseguimos torná-lo realidade.
Quero dizer-vos que vos lembro a todos com muita amizade e gratidão. Peço a Deus que vos cumule dos seus dons, a começar pelo da saúde.

José António M. Rebelo

nota final: publiquei esta carta em cinco partes. Poderão consultá-la a partir destes links: dia 25, dia 26, dia 27 e ontem. Visitem também o link que está no início deste post, para ficarem a conhecer o trabalho deste meu amigo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Adorei estas cartas... Vi um país que desconhecia e certamente numa perspectiva que creio que seria dificilmente apercebida por um jornalista que o visitasse... obrigado...

Fernando Ribeiro disse...

Em finais dos anos 80, assisti em Viena a uma peça de teatro em inglês por uma companhia das Filipinas, que tinha por finalidade explicar de uma forma sugestiva a evolução política recente naquele país. O Ferdinando Marcos tinha sido deposto há relativamente pouco tempo e a Corazón Aquino era então a presidente.

A sala estava completamente cheia de filipinos. Nunca imaginei que houvesse tantos em Viena. Eu era dos poucos que estavam na sala que não eram filipinos.

Eles estavam todos esperançadíssimos num futuro melhor para o seu país -- tal como nós a seguir ao 25 de Abril --, embora a peça não fosse muito optimista a esse respeito.

A impressão com que fiquei dos filipinos foi que eles eram bastante calorosos e extrovertidos. Pelos vistos não são bem assim. As aparências iludem, é o que é.

Denudado

CN disse...

turistas e jornalistas, a maior parte das vezes, têm dificuldade em apreender a realidade dos paúses que visitam. permanecem nos locais relativamente pouco tempo, estão demasiado focados nos seus campos de interesse, não têm oportunidade de se desviarem de circuitos pré-concebidos. só quem vai para ficar, tem oportunidade de se ir misturando...

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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