Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











terça-feira, janeiro 17, 2006

Mauritânia, 1985 - para além da reportagem (1)

A Mauritânia é, hoje, governada pelo coronel Ely Uld Mohammed Vall que tomou o poder, há pouco tempo, através de um golpe de estado que derrubou do cadeirão Maaouyia Uld Taya.
Quando por lá andei, Taya tinha acabado de derrubar o antecessor, de modo que, desde 1984, pouco mudou no “país dos homens azuis”.
A história que vou aqui contar nunca foi “oficialmente” conhecida na RTP. Na época, a inexistência de comunicações telefónicas via satélite levava a que, por vezes, estivéssemos semanas incomunicáveis. Em Lisboa, ninguém estranhava, por isso, que uma equipa de reportagem não desse sinais de vida durante muitos dias. De modo que deu tempo para nos metermos na “enrascada” e para nos “desenrascarmos” sem necessidade de pedir ajuda “ao papá e à mamã”. Cheguei à Mauritânia por mero acaso. Foi um acto de pura inconsciência, digamos. Eu e um grupo de “gloriosos malucos” constituído por António Hipólito (camera-man), José Morujo (assistente de camera) e o António Gaspar (operador de som), tínhamos saído de Lisboa a bordo de um barco da pesca longínqua. Íamos fazer um documentário sobre essa duríssima faina da pesca em alto mar. O documentário intitulou-se “O Cabo dos Trabalhos” e foi para o ar integrado na série “Linhas de Pesca”, na RTP-1.
Era uma viagem demasiado longa, quase três meses no mar. A zona de pesca era ao largo da Mauritânia. Filmámos a bordo durante umas semanas até que cheguei à conclusão de que o trabalho estava feito. E tínhamos ainda, pela frente, mais de um mês de mar…
A impaciência deu-me para ir “pedir boleia”, através do rádio do barco… às tantas, entrou um português na conversa, capitão de um outro navio de pesca, que trabalhava para uma empresa mauritana. Ofereceu-se para nos levar para terra, já que navegava por perto e estava já a caminho de Nouadhibou, o seu porto de abrigo. Aceitámos com entusiasmo. Mas esquecemo-nos que não tínhamos visto para entrar no país, esquecemo-nos que Nouadhibou estava perto da fronteira com o Sahara Espanhol, esquecemo-nos que havia uma guerra no Sahara Espanhol em que a Mauritânia participava e esquecemo-nos que tinha havido um golpe de estado no país, recentemente.
O outro navio veio ter com o nosso, mudámo-nos de armas e bagagens para o novo barco, combinámos com o nosso comandante que voltaríamos a embarcar quando ele tivesse de ir a Nouadhibou declarar a tonelagem do pescado capturado. E lá fomos de “boleia”. Chegámos 24 horas depois e, assim que pusemos pé em terra, fomos presos.

8 comentários:

para mim disse...

Desculpa lá... Três meses para fazer uma reportagem?! Era coisa a sério... Por isso é que hoje não há jornalismo...

CN disse...

não havia maneira de voltar para casa, antes do barco regressar a Lisboa. e, além disso, estou a falar de um documentário de 50 minutos, não de uma reportagem de minuto e meio para o telejornal.
hoje, continua a haver jornalismo, embora a privatização dos media tenha feito desaparecer este tipo de grandes reportagens.

Isabela Figueiredo disse...

Isso é que foi curtir, hein?! Vocês fazem-me lembrar o Indiana Jones. Até se pelam todos por uma aventurazinha inesperada com prisão e tudo!

CN disse...

invejosos...

para mim disse...

Foi por não termos tido mais destas grandes reportagens que, por exemplo, a pesca portuguesa está como está. Os jornalistas que deveriam fazer o serviço público de reportagem estão reduzidos aos cinco minutos de beijinhos de políticos nas lotas durante as campanhas eleitorais...

CN disse...

agora concordo PARA. o serviço público entrou no jogo dos media privados e deixou-se estragar. estou só a falar da obrigatoriedade de abordar determinados temas de interesse social. temas transversais à sociedade. não estou a falar de quanto isso pode custar. mas o dinheiro serve para quê?

Anónimo disse...

Pois! Também sei o que isso é pois já uma vez tentei entrar (e consegui) na Mauritânia sem visto. Foi-me concedido pelo chefão da fronteira, depois de um longo negócio, e não foi carimbado, foi escrito à mão! "Visa por monsieur Neto, vallable pour 15 jours." Assim mesmo, sem tirar nem pôr.

Anónimo disse...

Estás a fazer isto por estares ressabiado ou para publicares o livro que não tens a coragem de publicar como tal?

AddThis

Bookmark and Share

Arquivo do blogue





Acerca de mim

A minha foto
Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

Seguidores