Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











terça-feira, janeiro 24, 2006

Somália, 1992 - uma garrafa de água

A RTP chegou a Mogadíscio num avião fretado em exclusivo. Era uma equipa numerosa, parecia até uma televisão rica… o chefe da missão era Artur Albarran, mas havia um outro redactor, mais um repórter de imagem. Uma montanha de caixotes com algum equipamento e muita água e comida. Os tipos iam prevenidos…
Quando soube que eles tinham chegado, fui à procura deles. Sabia que estavam alojados nas instalações da UER (Union Européenne de Rádio-Télévision). Era uma situação de luxo, já que estavam alojados no mesmo local onde trabalhava uma das mais importantes pools de recolha de imagens… e de onde se faziam os envios para o satélite. Estranhamente, iam editar no Kilometer Seven, no mesmo local que eu e, curiosamente, com o mesmo editor, Sean, um irlandês meio chanfrado que acabou por ficar meu amigo.
Encontrei-os ainda a desfazer as malas… da equipa, só conhecia Albarran. Os outros já tinham entrado na RTP depois de eu ter saído para a SIC. Albarran é daqueles tipos que exibe o sorriso mais caloroso mas não perde a frieza de cálculo. Conversámos durante algum tempo, trocámos algumas impressões, dei-lhe algumas dicas sobre o ambiente e as dificuldades de trabalhar num sítio daqueles e, depois, olhando para os caixotes de comida, perguntei-lhe se tinha garrafas de água que me pudesse dispensar… “trouxemos poucas”, disse-me. Mas prontificou-se a dispensar-me uma, de litro e meio. Foi a outra sala, onde estavam guardadas as paletes de garrafas de água, tirou uma. Vi-o entrar de novo na sala onde tinha ficado à espera… vi-o dar três passos na minha direcção… e vi a garrafa escapar-lhe da mão e cair… e vi a garrafa de plástico a rebentar… e a água mineral a derramar-se… ainda consegui agarrar o fundo da garrafa e salvar 1/10 do conteúdo. Ficámos a olhar um para o outro. Eu, com o resto da garrafa na mão. Encolheu os ombros, percebi que não haveria segunda garrafa. E não houve, mesmo.

5 comentários:

para mim disse...

Pois... Mas, também, como é que ele iria depois tirar a pasta de dentes da boca?!

Anónimo disse...

Por alguma razão tu continuas a ser Jornalista e não, como outros, produtor de conteúdos.

Orlando Castro

Isabela Figueiredo disse...

Estas pessoas existem nas outras profissões.
Num cenário de guerra, quando a sobrevivência pode depender de uma garrafa de água, e pode, é indizivelmente grave.
Mas, vindo de onde vem, não surpreende.
O que raio faz um produtor de conteúdos? Edita?

CN disse...

um produtor de conteúdos é... a Teresa Guiherme. Ok?

Isabela Figueiredo disse...

Laughing out loud!
Percebi... mas, no género, a Teresa Guilherme sai-se muito melhor!

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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