Da aldeia de Bili até ao acampamento, eram uns longos 50 quilómetros. Mais de 4 horas aos saltos em cima do velho Land-Rover, isto se tudo corresse bem, o que nem sempre era o caso. Houve um dia que se partiu o semi-eixo da carripana. Estávamos a meio caminho, entre a aldeia e o acampamento. Foi preciso alguém voltar a Bili, a casa de Niko, o grego, onde havia um outro semi-eixo utilizável. Dessa vez, os 50 quilómetros levaram um dia inteiro a percorrer. Quando nos instalámos no acampamento, recebemos a visita do chefe tribal e do curandeiro. Os dois andaram mais de 20 quilómetros para nos cumprimentar. Mas, também, para benzer o terreno, afastar os maus espíritos e lançar o “wene ngua”, a boa magia, para que os esforços dos homens brancos fossem bem sucedidos. Um ritual que seguimos com todo o respeito, até porque mesmo não acreditando, nunca se sabe… O chefe, Selassié, deu início à cerimónia, utilizou um ramo de uma determinada árvore, um balde com água e uma oração. Aspergiu o chão do acampamento, as tendas, as nossas coisas, com aquela água. Depois, foi o curandeiro, Boro Ngua, que utilizou uma vela e umas rezas. Bateu palmas e assobiou. Foi um ritual curioso… enfim, quanto mais não fosse porque foi estranho ver cientistas meio encabulados, alguns até impressionados, com aquele ritual espírita. Paradoxal. Embora tivesse decorrido no sítio certo. Nós é que éramos corpos estranhos.
Depois do ritual, fomos convidados para assistir e participar na festa que ia acontecer na aldeia, em nossa honra. Como não se consegue dizer não a um convite destes, lá fomos no domingo assistir às danças tradicionais, aos batuques, às exibições dos adivinhos e a uma missa mais cantada do que rezada, como manda o rito zairense da igreja católica-apostólica-romana. A festa decorreu em Badai, uma aldeia que não vem no mapa. Está situada na antiga estrada colonial belga que ligava Kisangani, no leste do Congo, à cidade de Zémio, na República Centro Africana. A estrada já quase não existe e as condições de vida da população regrediram tanto que devem ser, hoje, comparáveis às condições de vida de há 100 anos. Lembro-me de ter imaginado o que pensaria hoje o explorador belga Le Marinel, que em 1890 andou por aquelas paragens e cuja expedição recolheu os primeiros crânios de um gorila que, hoje, não se encaixa em nenhuma classificação científica. O tal gorila, cuja existência estávamos nós a tentar comprovar…
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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quinta-feira, fevereiro 16, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
2 comentários:
África perdida dos deuses esquecidos...ou quase...esse é o trilho que o Abatá Afefê pisa...abraços...
Continuo sem perceber... isto é um livro?
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