O Hospital Francês de Sarajevo tinha 13 andares. Todos os andares estavam destruídos por bombardeamentos assassinos. Fizeram tiro ao alvo ao edifício, mesmo sabendo que era um hospital. Porque prestava assistência a soldados feridos… naquele tempo, só funcionava no rés-do-chão e cave e, mesmo assim, com geradores e sem água canalizada. Os corredores transformados em enfermarias entupidas de gente deitada pelo chão e em algumas macas. Era um mar de corpos, uns vivos, outros mortos. Fomos lá para filmar uma extracção de bala da perna de uma senhora, alvejada no dia anterior por um sniper. Esperávamos autorização para entrar no bloco quando ouvi, mesmo ao meu lado, um som estranho. Parecia uma coisa a despegar-se… olhei e vi uma mulher, ainda jovem, deitada na maca, de mãos crispadas agarradas ao rebordo da maca, olhos muito abertos virados para o tecto, de pernas abertas, destapada… e vi o miúdo a nascer. Sozinho. Tudo num estranho silêncio. A mãe de lábios cerrados, a criança a nascer num esforço solitário. Chamei uma enfermeira. A parturiente foi levada e o bebé acabou o esforço de nascer já assistido por outros seres humanos. Estava vivo mas teimou em não chorar. Quando tentaram pô-lo no peito da mãe, foi rejeitado, silenciosamente.
Aquele bebé era resultado de violações repetidas sofridas pela mãe às mãos de soldados inimigos. Jamais seria aceite pela mulher que o pariu.
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
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sexta-feira, fevereiro 10, 2006
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Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
3 comentários:
Meu Deus.
Infelizmente, o fardo de ser mãe daquela criança não deixa que muitas delas os abandonem. Temo pela forma que olham, mas mãe é ter um sentimento único. Como será esse amor?!
Nascer órfão, de facto. Não consigo imaginar o que vai na cabeça duma mãe em tais circunstâncias. Mais duas vítimas da guerra.
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