Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Sarajevo, 1994 - o colete

Chama-se Bascarsija e é o Bairro Alto de Sarajevo. Ruas estreitas, casas muito antigas, bares, restaurantes, tipicismo. Mesmo durante a guerra, Bascarsija mantinha alguma animação. Os bares permaneciam abertos, mesmo se já não tinham nada para vender, excepto café turco e rakia, a aguardente local. Mas, essencialmente, havia música e havia gente. Os habitantes de Sarajevo continuavam a ir ali, quanto mais não fosse para verificar quem continuava vivo. Claro que fomos lá diversas vezes, enquanto permanecemos na cidade. Era bom olhar para as miúdas. Mas era bom, também, caminhar por aquelas ruas cheias de história. Não era difícil abstrairmo-nos da guerra e sentir a alma daquele local especial.
No bairro existem várias mesquitas, mas também igrejas católicas e sinagogas. Há mesmo ruas onde os diferentes locais de culto são vizinhos próximos. A maior mesquita chama-se Gazi Hucerb Begs. Era um edifício imponente, bastante marcado pela guerra. No interior, a sala de orações estava escorada com andaimes de ferro, para evitar que a cúpula desabasse.
Os sérvios bombardeavam o bairro frequentemente e um dos alvos preferenciais era aquela mesquita, claro. Quando fomos para Sarajevo, levamos coletes à prova de bala da GNR. Eram umas “armaduras medievais”, pesadíssimas, que não davam jeito nenhum. Nem para trabalhar, nem para os copos… nunca os vestimos, embora andassem sempre no carro. Uma noite, um jornalista espanhol, vizinho de quarto no Hollyday Inn, pediu-me o colete emprestado. Estava com um mau pressentimento… emprestei. Nunca mais o vi. O tipo foi assaltado numa ruela de Bascarsija. O assaltante queria, precisamente, o colete e só o colete. O espanhol ainda tentou oferecer-lhe dinheiro em troca, mas o outro disse-lhe que precisava mais do colete que de dinheiro. Realmente…

5 comentários:

Anónimo disse...

Ainda se conseguem esboçar sorrisos, com as tuas histórias de guerra.

Diogo disse...

A opinião de um amigo meu, oficial que esteve em serviço na Bósnia:

Não posso afirmar que havia um plano organizado para desmembrar a ex-Jugoslávia quer por parte dos Americanos quer pelos Alemães. Desconheço a existência de um tal plano mas acredito que interesses estratégicos de uns e outros tivessem conduzido a isso.

Agora, não tenho qualquer dúvida sobre os seguintes FACTOS:
Quem primeiro reconheceu a independência da Croácia de forma prematura (sem que o assunto do fim da Federação Jugoslávia estivesse suficientemente amadurecido, discutido e acordado) foram os Alemães. Por isso, em minha opinião, foram eles os responsáveis morais pelo inicio (e pelo fim a favor dos Croatas) da guerra da Krajina (1/3 do território da Croácia onde, desde há 400 anos, habitavam sérvios).

Quem recusou o Plano Cutileiro (nosso embaixador na então CEE), foram os muçulmanos bósnios após terem sido incentivados e recebido garantias de apoio da administração americana (via embaixador na Bósnia-Herzegovina).

Este plano, que todas as partes reconheceram ser o único plano de paz justo que alguma vez foi proposto para a Bósnia, foi assinado por sérvios, croatas e muçulmanos e três dias depois rejeitado por estes últimos após os referidos contactos com o tal embaixador que trazia o "recado" da Casa Branca. Por isso, em minha opinião, os Americanos foram os responsáveis morais pela guerra intestina que se seguiu na Bósnia.

Existiu, de facto, uma campanha de propaganda dos media devidamente orquestrada contra os sérvios. O mundo sabia aquilo que as grandes agencias noticiosas queriam e nada mais.

Esta campanha apenas pecou por omissão, ou seja, aquilo que se dizia era verdade e os sérvios cometeram atrocidades que absolutamente nada poderá justificar e, muito menos, desculpar. O que nunca passou para fora foi o que fizeram os croatas e muçulmanos. A hipocrisia reinou e ainda reina a avaliar pelas noticias que vamos tendo do tribunal fantoche de Haia, patrocinado pelas NU!?

JPN disse...

Viva, Carlos Narciso, gostei de te encontrar por aqui. Assim.

Isabela Figueiredo disse...

Este texto e o anterior, histórias aparentemente diferentes, estão subordinadas uma mesma temática: deu Deus nozes a quem já tem tantas!
Eu também teria roubado o colete. Mais, eu teria roubado coletes para a família toda!
Já viveste a guerra sem ser como jornalista, sem ser um elemento exterior a ela? Não é pergunta retórica. É mesmo curiosidade minha. Se puderes escrever sobre isso, se quiseres, se tiveres tempo, fala-nos sobre isso. Qualquer dia. Um abraço.

Manel do Montado disse...

Aqueles de placas cerâmicas? Usga-se que pesam mais do que uma mochila cheia de sacos de areia molhada. Eu andava com um de kevlar...só na cidade...no "mato" não valia a pena porque aquela merda desidrata mais do que ajuda, mesmo os de Kevlar.
O sofocleto anda a roçar a verdade...

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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