“Um dia disseram-me para não apertar a mão a ninguém. «Por precaução, nunca se sabe!... O vírus Marburg é mortal. É melhor usares alcoól para desinfectar.» Naquela tarde, quando cheguei ao Museu, o David esperava-me no pátio. Estendeu-me as duas mãos, uma sobre a outra em posição perpendicular (sem se tocarem no espaço reservado à minha mão que ele nem repara diferente); o seu gesto habitual de respeito aprendido na tradição. Não tive coragem de pensar no vírus. Deixei-me cumprimentar, como habitualmente, pelo meu amigo de há muito tempo. Não limpei as mãos com álcool.Sobre os Tucokwe , ele sabe (quase) tudo. Sobre o vírus, apenas sabemos que mata”, assim escreveu Pwo e, como já aconteceu antes, as suas palavras levaram-me no tempo. Aterrei numa Casa Amarela, ali para os lados do Campo Grande. Moravam lá pessoas escorraçadas, gente que ninguém queria. Nem a família, nem amigos, ninguém. Estavam infectados. Tinham SIDA. Na época, só pensar na palavra matava… fui lá pedir autorização para fazer uma reportagem. Eles deixaram. Também já não tinham nada a perder…
Levei dois dias, dentro daquela casa. No primeiro, apenas andei por ali, conversei com eles, habituei-os à minha presença. Quase não filmámos…
No segundo dia, foram eles quem me testaram. Convidaram-me para almoçar. Olhei para a enfermeira e ela abanou a cabeça, para que aceitasse. As minhas paranóias foram levadas ao limite… comi da comida deles, nos pratos deles, com os talheres deles. Quando veio o café, notei um dedinho no rebordo da chávena. Quando terminei, levantei-me e fui fumar para a rua. Vomitei tudo.
Levei dois dias, dentro daquela casa. No primeiro, apenas andei por ali, conversei com eles, habituei-os à minha presença. Quase não filmámos…
No segundo dia, foram eles quem me testaram. Convidaram-me para almoçar. Olhei para a enfermeira e ela abanou a cabeça, para que aceitasse. As minhas paranóias foram levadas ao limite… comi da comida deles, nos pratos deles, com os talheres deles. Quando veio o café, notei um dedinho no rebordo da chávena. Quando terminei, levantei-me e fui fumar para a rua. Vomitei tudo.
4 comentários:
Quando uma "missão" nos chama, devemos estar conscientes dos "riscos" que corremos. Só os assumimos porque queremos. E nós fizemos a nossa opção. É certo que algumas consequências são imprevisíveis.
Carlos, nunca tiveste a sensação de que determinada entrega nunca te poderia trazer nada de mal, por tão sublime ser?
Imprudência?...
Abraço
Pwo, demasiadas vezes... mas sempre soube que se tratava de uma imprudência. A não ser que te queiras envolver com coisas do divino...
Costuma acontecer-me o mesmo quando me vejo sujeita a experiências emocionais violentas. Costuma acontecer-me isso quando leio uma reportagem bem escrita sobre um assunto incómodo, por exemplo.
Entendo a situação, por estares diante do problema, declaradamente, escancaradamente. No entanto, terias de vomitar a cada vez que comes alguma coisa fora de casa, onde muitas e muitas pessoas passsam e não sabemos o que elas trazem em suas bagagens microbiológicas... Sei que quando vemos, é difícil não nos afetarmos, mas esse é o momento de menos riscos, por ser quando mais cuidados tomamos. E quando o risco continua existindo e com a diferenças de não ser declarado???
Beijo!!!
ò,ó
Enviar um comentário