O separatismo dos povos de Casamança tem várias motivações, a primeira das quais não será a questão cultural, embora este seja um factor importante. Realmente, em Casamança ainda há quem fale o crioulo lusófono e, com relativa facilidade, encontramos quem se chame "José" ou "António" ou "Francisco". Mas o factor que impulsiona, que continua a dar força aos resistentes, é o petróleo, que existe em reservas ainda totalmente inexploradas, no offshore de Casamança, numa zona de fronteira marítima nunca definida pelas potências colonizadoras, facto que potencia um mau relacionamento entre os dois países. A questão de Casamança tem servido de peão nessa guerra de interesses, de resto alimentada à vez pelas companhias internacionais de exploração petrolífera francesas e norte-americanas. Nos últimos anos, embora de modo muito discreto, a Líbia tem também movido os seus interesses na região, nomeadamente através da influência dos missionários islâmicos. Ao longo dos anos, vários acordos de paz já foram assinados entre Dacar e a resistência de Casamança, mas nenhum com resultados práticos duradouros. Por uma razão ou por outra, as tréguas acabam sempre quebradas e a guerra não pára. É uma guerra de baixa intensidade, caracterizada por acções pontuais de guerrilha e contra-guerrilha. Dacar sempre insistiu que nunca cederá nem alienará qualquer parte do território, abrindo, contudo, as portas a uma autonomia alargada para Casamança, ideia rejeitada pelas alas mais radicais da resistência, mas que é encarada como uma possibilidade pelas mais moderadas.
Resta dizer que a resistência de Casamança encontra um santuário em território da Guiné-Bissau. São os laços tribais e familiares a funcionar. Só para terem uma ideia, posso garantir que há pelo menos sete etnias comuns às regiões de Casamança e Guiné Bissau, pelo menos estas sete: Balanta, Mancanha, Malinké, Felupe (Diola), Mandinga, Fula e Manjaco. É a realidade social que a tal fronteira delineada pelos colonizadores nunca conseguiu fazer desaparecer. Acontece que, muitas vezes, o exército senegalês viola a fronteira com a Guiné-Bissau. Há inúmeros testemunhos, tanto do povo como dos missionários católicos europeus, que garantem ser muito frequentes os combates e os bombardeamentos em território guineense entre "o exército dos Wolof" e os guerrilheiros de Casamança.
Viajar na estrada que bordeja a fronteira senegalesa é uma experiência curiosa. Os felupes, a etnia da região, são extremamente desconfiados e não gostam de visitas inesperadas. Eles lá sabem…
Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.
Hakuna mkate kwa freaks.
domingo, março 12, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Arquivo do blogue
-
▼
2006
(386)
-
▼
março
(60)
- É muito feio, ser-se invejoso
- Guiné Bissau, a guerra civil - passar a fronteira
- Angola, 1986...
- Israel, 1989 - na primeira Intifada - a rua Ben Ye...
- Guiné Bissau, a guerra civil - na fronteira senega...
- Israel, 1989 - na primeira Intifada - o embarque
- O cabeleireiro de Kabul
- Guiné Bissau, a guerra civil - o inquérito
- Combates na Guiné Bissau (6)
- Guiné Bissau, a guerra civil - os primeiros tiros
- Combates na Guiné Bissau (5)
- Angola, 1986 - uma questão de soberania
- O Reptilário (3)
- Congo, 2001 - A Expedição, o fim
- Provedores
- Congo, 2001 - A Expedição, Nganga
- Combates na Guiné Bissau (4)
- Congo, 2001 - A Expedição, os gregos
- Combates na Guiné Bissau (3)
- Congo, 2001 - A Expedição, de mota
- Combates na Guiné Bissau (2)
- Congo, 2001 - A Expedição, mais testemunhos
- Os pesos e as medidas
- Congo, 2001 - A Expedição, testemunhos
- Combates na Guiné Bissau
- O Poder da Arte (15 e último)
- O Poder da Arte (14)
- Guiné Bissau, a guerra de 89 (5)
- Congo, 2001 - A Expedição, a escola
- O Poder da Arte (13)
- Guiné Bissau, a guerra de 89 (4)
- O Poder da Arte (12)
- Congo, 2001 - A Expedição, os pequenos monstros
- Guiné Bissau, a guerra de 89 (3)
- Congo, 2001 - A Expedição, água
- O Poder da Arte (11)
- Os fundamentais
- O pontapé na lata
- O Poder da Arte (10)
- Pedreira dos Húngaros (3)
- O Poder da Arte (9)
- Pedreira dos Húngaros (2)
- O Poder da Arte (8)
- Guiné Bissau, a guerra de 89 (2)
- O Poder da Arte (7)
- O Poder da Arte (6)
- Congo, 2001 - A Expedição, caçar para comer
- Guiné Bissau, a guerra de 89 (1)
- O Poder da Arte (5)
- Congo, 2001 - A Expedição, a floresta Makulungo
- Contágios
- Tamiflu
- O Poder da Arte (4)
- Congo, 2000 - Gbadolite
- O Poder da Arte (3)
- Congo 2001 - A Expedição, palmilhar a floresta
- Comentário ao comentário
- Ashes and snow, fotografar sonhos
- O Poder da Arte (2)
- Kosovo, 2001 - Bondsteel
-
▼
março
(60)
Acerca de mim
- CN
- Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média
4 comentários:
Se o Carlos Narciso não achar a ideia insensacta, que tal, quando a oportunidade chegar, contar aquele episódio de teatro de guerra do qual você foi o protagonista principal, e que se traduziu de vc escolher no fim de uma longa caminhada pelo mato, uma mina antipessoal para visualizar melhor o horizonte?
A expressão "guerra de baixa intensidade" causa arrepios. Imagino os nervos miúdos, os dentes cerrados, ... Mas no meio de qualquer sofimento, ainda encontramos sorrisos.
caro mgomes, está a confundir histórias... a história da mina anti-carro já a contei e está aqui: http://blogda-se.blogspot.com/2006/01/angola-1999-campo-de-minas_31.html
enfim, está no arquivo, dia 31 de Dezembro, se quiser procurar...
um abraço
Sabe, foi talvez a segunda ou terceira vez que visitei o seu Blog e da última vez que o fiz, lembrei-me de ter visto há uns tempos atrás na RTP2 ou RPT1, o Carlos Narciso contar o episódio da mina anti carro (e não antipessoal), daí me ter lembrado de lhe endereçar o comentário de 12 Março de 2006. Não sabia que já tinha contado a história e a tivesse publicado no último mês de Dezembro. De qualquer das maneiras agradeço-lhe a disponibilidade que emprestou ao esclarecimento.
Um Abraço
Enviar um comentário