Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











sexta-feira, março 31, 2006

É muito feio, ser-se invejoso

Não invejo muito quem é rico, ou bonito, ou alto, ou triunfante, ou jovem, ou… sei lá. Quem eu invejo é quem é feliz. Descobri, agora, que tenho inveja de António Guterres, imagine-se…
Não por ele, ontem, ter recebido o Prémio Personalidade do Ano 2005, outorgado pela Associação de Imprensa Estrangeira, evento que a foto documenta.

foto da Lusa

Não é por isso. É por aquilo que ele disse, na ocasião. Disse ele que “não estava de todo à espera, na verdade, para mim já é um prémio suficiente estar a fazer aquilo que estou a fazer, que era exactamente aquilo que queria fazer nesta fase da minha vida e que tenho imenso gosto em fazer". É disto que tenho inveja.

Guiné Bissau, a guerra civil - passar a fronteira

Para passar aquela fronteira precisávamos de duas coisas: um visto para a Guiné-Bissau e uma autorização especial da Polícia de Segurança do Estado senegalesa. Pareciam coisas impossíveis de obter. Mas não foram... no consulado da Guiné-Bissau deparei com um funcionário em fuga, a arrebanhar papéis à pressa. Para ele, representámos apenas uma fonte de rendimentos. Carimbou os vistos e desandou com o dinheiro na mão. Fomos os últimos clientes daquele consulado por muitos meses. Depois, por mero acaso, encontrámos o 1ºsecretário da embaixada portuguesa em Bissau, um diplomata muito pouco convencional apesar de se chamar Magalhães…apanhado desprevenido pela guerra enquanto gozava uns dias de férias em Cap Skiring, uma belíssima estância de praia na costa atlântica de Casamança. Ora, foi esse diplomata quem nos levou à "securité" e que convenceu aquele tipo de óculos escuros a dar-nos um salvo-conduto para passar a fronteira senegalesa. Foi assim que entrámos na Guiné-Bissau, ao 8ºdia de guerra. De Ziguinchor a Bissau são 400 quilómetros, apenas. Levámos dois dias a percorrer essa distância. Os últimos 50 quilómetros foram feitos a pé, contra a corrente humana dos que fugiam de Bissau. Foi uma experiência tremenda, tanto mais que toda a gente dizia que "os brancos estão malucos". Pois se eles fugiam...

Angola, 1986...

Quando escrevo de memória, sem rede, isto é, sem recurso a anotações, corro o risco de escrever asneiras. E há coisas que já se passaram há tanto tempo que esse risco é quase uma certeza...
Li agora, no Africandar, uma correcção a um dos meus posts. Escreve o Leston: "Uma vez que foram "os meus" Bosquímanes a suscitar esta recordção ao CN, é bom esclarecer que aquele grupo de homens semi-nus não eram Bosquímanes. Só podiam ser Mucubais. Já agora, a propósito do texto do "Escrita em Dia", recordo aqui este povo, guerreiro e pastor , que mantém a respeito do seu "território" um sentimento de pertença muito acentuado. Daí a minha conclusão, relativamente ao grupo que travou o CN e a sua escolta militar." Confesso que sempre tive dúvidas sobre quem seriam eles, de facto. Lembro-me que falavam um estranhíssimo dialecto com sons de estalido de língua no céu da boca. Eram magros, esfíngicos. Lembro-me de ter ficado fascinado com as facas de osso que usavam na cintura, presa na tanga de pele com que se tapavam. Tinham umas lanças altas, com ponta feita de osso, também. Mas, mucubais ou bosquímanos, o que me interessou realçar nesse texto foi a distância enorme que existia entre eles e os soldados do exército angolano e, por contraste, a proximidade em relação ao branco que também falava com estalidos.

quinta-feira, março 30, 2006

Israel, 1989 - na primeira Intifada - a rua Ben Yehuda

Em Jerusalém, a Rua Ben Yehuda é a mais visitada pelos turistas. É um local alegre com muitos cafés e lojas de souvenirs. À noite, principalmente após o Shabat, há música na rua, o passeio fica repleto de gente, quase todos jovens e turistas também, quando a situação política permite. Ainda assim, o turismo religioso mantém-se, principalmente porque os cristãos não desistem de ir a Jerusalém ver o Santo Sepulcro, pisar a calçada da Via Sacra, não desistem de ir a Belém à Igreja da Natividade, edificada por cima da gruta onde se pensa que Jesus nasceu. Enfim, há inúmeros locais de culto para os cristãos e são eles que sustentam o turismo israelita.

Igreja do Santo Sepulcro

É fácil distinguir um judeu de um não judeu. O judeu traz, quase sempre, uma arma à tiracolo. Sempre achei curiosa a simbiose existente entre cidadão e arma, em Israel. Usam-nas como nós usamos canetas no bolso. Até nas discotecas. Lembro-me de ter estado numa madrugada de sábado, numa discoteca de Jerusalém, a admirar aquela malta a dançar à volta de uma pilha de metralhadoras. De copo na mão, os israelitas divertem-se, namoram, mas sempre com a arma por perto. Era assim, pelo menos, em 1989.

Rua Ben Yehuda

A Rua Ben Yehuda… tem sido palco de muitos atentados bombistas. Não sei dizer quantos, mas tenho a certeza que foram muitos já. Sempre que leio mais uma notícia dessas, lembro-me da alegria e da aparente descontracção que ali senti. Lembro-me dos sorrisos e dos olhares que deitei às mulheres, lindas, que povoam aquelas esplanadas da Ben Yehuda. Estranhos paradoxos, não é?

quarta-feira, março 29, 2006

Guiné Bissau, a guerra civil - na fronteira senegalesa

Em Junho de 1998, para o Senegal, a guerra civil parecia ser um cenário ideal. Eliminava a retaguarda dos guerrilheiros de Casamança, e fornecia a oportunidade de jogar uma cartada hegemónica na área petrolífera.
O Senegal entrou nesta guerra para passar a dominar a Guiné-Bissau, e porque, penso eu, acreditava nas acusações lançadas por Nino Vieira contra Ansumane Mané. No dia 14 cheguei a Ziguinchor, num carro alugado em Dakar. Deparei com a fronteira fechada. Os soldados senegaleses não deixavam passar ninguém. Para entrar na Guiné só havia eu, o Carlos Aranha e os dois enviados do jornal Público, Pedro Rosa Mendes e Bruno Rascão. Mas para sair, acotovelavam-se no outro lado da fronteira milhares de pessoas.
Passar aquela fronteira pareceu-nos virtualmente impossível. Do ponto de vista senegalês, do lado de lá estava um duplo inimigo: os guerrilheiros de Casamança e a rebelião de Ansumane Mane. Para mim aquilo era uma espécie de reprise de um filme já visto anteriormente...

terça-feira, março 28, 2006

Israel, 1989 - na primeira Intifada - o embarque

Naquele tempo, havia voo da El Al de Lisboa para Tel-Aviv. O voo tinha uma escala em Marselha e, logo a seguir, o avião era acompanhado por dois caças israelitas que garantiam a segurança do aparelho, num trajecto demasiado próximo de espaços aéreos inimigos: Tunísia, Síria, Egipto…
A segurança era tremenda, de resto. Qualquer outra companhia aérea encontrava-se a anos luz dos esquemas securitários da El Al. Logo no aeroporto de Lisboa, ainda antes do check-in, todos os passageiros tinham de ultrapassar duas barreiras de interrogatórios e vistoria da bagagem.
O primeiro interrogador queria saber coisas díspares, tipo como se chamava o meu pai, onde tinha nascido, em que dia, que profissão tinha eu, quem conhecia em Israel, onde ia ficar alojado, se tinha algum animal de estimação, se gostava de ir à praia, se era casado, como se chamava a minha prima direita, qual o nome do meu chefe, o nome do presidente da república… às vezes, algumas destas questões eram repetidas, como se, por lapso, se tivesse esquecido de que já a tinha feito. Depois das respostas, viu toda a bagagem, meteu as mãos para tactear entre a roupa, abriu pomadas e desodorizantes para cheirar, tudo passado a pente fino. Depois, no segundo interrogatório, feito por outra pessoa, as perguntas eram as mesmas e a bagagem voltava a ser revistada minuciosamente. No final, os dois interrogadores conferenciavam e, só depois, foi possível fazer o check-in… à menor inexactidão na resposta à pergunta mais insignificante, à menor mentira detectada, estou convencido que esse passageiro não seria autorizado a embarcar. Nunca me senti tão seguro na vida.

segunda-feira, março 27, 2006

O cabeleireiro de Kabul

É engraçado como coisas simples, às vezes até supérfulas, podem ganhar dimensão e importância. Caminhando, elas estão no caminho.

Guiné Bissau, a guerra civil - o inquérito

A revolta de Ansumane Mane crescia no número de voluntários dispostos a pegar em armas e crescia ideologicamente. A revolta deixou de ser vingança para passar a ser libertação. Passou a ser uma luta contra um ditador que sempre quis eternizar-se no poder, um homem sem dó nem piedade com os adversários políticos. Mas, essencialmente, a luta contra Nino, com a chegada dos soldados senegaleses, passou a ser uma luta contra estrangeiros invasores, uma espécie de segunda luta de libertação, 25 anos depois. Aparentemente, Nino Vieira mandou matar o Brigadeiro Ansumane Mané para evitar a divulgação de um inquérito parlamentar sobre o tráfico de armas para a resistência de Casamança. O Brigadeiro era o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e estava politicamente pressionado por causa do escândalo que o governo senegalês estava a provocar, com a denúncia que os fornecedores de armas para os separatistas eram os próprios governantes do Estado guineense.
Primeiro, Nino Vieira tentou incriminar o Brigadeiro. Afinal de contas, era ele ou não o primeiro responsável pela segurança dos paióis das forças armadas? O Brigadeiro negou todas as acusações e desafiou o Parlamento a inquirir quem era de facto o responsável. Esse inquérito estava prestes a ser divulgado quando começaram todos aos tiros.
O assassinato deveria ter acontecido depois de Nino ter partido para o estrangeiro. O Presidente ficava, desse modo, livre de qualquer suspeita. Mas os assassinos anteciparam-se umas horas, e ainda por cima falharam o atentado.

domingo, março 26, 2006

Combates na Guiné Bissau (6)

O conflito que grassa na fronteira da Guiné Bissau com o Senegal, está a ser acompanhado de perto por Jorge Neto que, no Africanidades, nos conta as últimas sobre a situação humanitária e militar na região. Quando os jornais, rádios e televisões de Portugal permanecem num silêncio quase absoluto, o blog do Jorge Neto é uma boa fonte de informação. As fotos que publico aqui são, também, do Africanidades.

Guiné Bissau, a guerra civil - os primeiros tiros

Em 7 de Junho de 1998, no Bairro de Santa Luzia, a casa do Brigadeiro Ansumane Mané foi atacada a tiro por desconhecidos. Um número indeterminado de homens varreu todas as divisões a rajada de metralhadora. Quiseram matar o homem, dizem que a mando do Presidente Nino Vieira.
O Brigadeiro "Brick-Brack" (nome de guerra de Ansumane Mané) parece nunca ter tido dúvidas quanto a isso. Fugiu, convocou os seus fiéis homens de armas e partiu para a vingança.
Pouco depois morriam emboscados alguns dos principais colaboradores do Presidente: o Capitão Tempo da Costa, comandante da Guarda Presidencial, o Embaixador Eugénio Spain e o Capitão Rachid Saiegh. Caíram na emboscada montada na estrada para o aeroporto, morreram na sombra da árvore sagrada de Brá, o grande poilão que ainda hoje lá está. A emboscada era para o próprio Nino Vieira, mas os revoltados precipitaram-se e mataram os homens do protocolo presidencial que iam preparar as cerimónias de despedida ao Presidente que devia ter viajado nesse dia para uma cimeira africana. Nino barricou-se no Palácio, Ansumane mandou cercar a cidade. Só havia três maneiras de sair de Bissau e a estratégia do Brigadeiro Ansumane foi controlar as estradas e o aeroporto, deixando uma saída pelo mar caso o Presidente quisesse fugir.
O problema de Ansumane foi não ter percebido que por onde se sai também se entra. No dia 10, três dias depois, mil e quinhentos soldados senegaleses e mais alguns da Guiné Conakri, desembarcaram no porto de Bissau. Nino resistia, apelou à solidariedade institucional, conseguiu os soldados que não tinha e o apoio político dos governos que poderiam interferir na contenda. A França armou e municiou as tropas senegalesas, Portugal recebeu milhares de refugiados e balançou entre o apoio político ao regime e a clara percepção de que o movimento dos revoltosos crescia a cada dia.

rua de Bissau

No dia 13 de Junho, saí de Lisboa para Dakar, de onde esperava conseguir viajar para Bissau.

sábado, março 25, 2006

Combates na Guiné Bissau (5)

O abade Diamacoune está a tentar mediar o conflito entre a Guiné-Bissau e os rebeldes senegaleses de Casamança. Este padre católico (excomungado pelo Vaticano) é o chefe espiritual da resistência de Casamança, mas hoje lidera a facção que está disposta a negociar uma solução política com o governo senegalês.
A voz de Diamacoune Senghor ouviu-se hoje em Bissau, na antena da Rádio Nacional. A gravação foi feita há dois dias. O abade trata guineenses e casamancenses como “irmãos” e pede o fim das hostilidades, de modo a evitar o sacrifício inútil das populações. Diz-me a experiência que ninguém o ouviu...Hoje soube-se, ainda, que o exército guineense conta com a colaboração activa de uma das facções da resistência de Casamança. Trata-se do grupo liderado por César Badiate, que disputa a liderança da resistência com Salif Sadio, o homem que está a ser acossado, agora, pelas tropas guineenses.
Salif Sadio é um dos mais radicais senhores da guerra de Casamança e considerado, em Dakar, como um obstáculo a um compromisso político.
Estes desenvolvimentos evidenciam que existe, claramente, toda a conivência entre as acções do exército guineense e o governo do Senegal. Evidenciam o costumeiro ciclo de traições entre chefes políticos africanos...
No terreno, continuam os combates.

sexta-feira, março 24, 2006

Angola, 1986 - uma questão de soberania

Aqui há dias, li uma prosa muito saborosa, no Africandar (procurem o link na lista de blogs), assinada pelo Leston Bandeira, que começava assim: "há um povo em África, que se chama a si mesmo o Povo de Sahn (Povo de Deus)"...
bosquímanos angolanos
Houve uma série documental na RTP, exibida em 1986 (se a memória não me falha…) intitulada “Os Que Não Voltaram”. Foram 16 episódios de 30 minutos, realizados por mim e pelo Paulo Dentinho, numa viagem épica pelos países africanos de expressão oficial portuguesa. Dessa viagem, guardo muitas recordações. Umas boas, outras más, algumas inconfessáveis.
O percurso por Angola tinha começado mal. Não foi difícil perceber que não éramos bem-vindos, logo que nos colaram à pele um homem do Centro de Imprensa, alegadamente um jornalista, mas, de facto, um funcionário da Segurança de Estado, cuja missão era, apenas, evitar que falássemos com quem não devíamos, evitar que víssemos o que não era conveniente. O tipo gravava as nossas conversas e as entrevistas que fazíamos. Trabalhámos, assim, sempre sob uma enorme pressão e sempre com mil cuidados, para evitar que outras pessoas viessem a ter problemas só pelo facto de as termos abordado… só para resolver problemas burocráticos, autorizações para filmar, gastámos quase um mês em reuniões com políticos e generais, em gasosas a funcionários facilitadores, enfim... o costume.
Depois de Luanda, fomos para o Namibe, num voo militar. Quando aterrámos, cruzamo-nos com algumas dezenas de feridos, amputados, que esperavam na pista a hora de embarcarem para Luanda. Não fomos autorizados a filmar…
Da cidade do Namibe fomos integrados numa coluna militar que ia para Lubango. Era um trajecto perigoso, subindo a Serra da Leba, depois do deserto.

deserto do Namibe

A UNITA atacava com frequência naquela estrada e havia vários locais propícios a emboscadas, principalmente depois da estrada deixar o deserto e entrar na subida da montanha. Foram 200 e tal quilómetros feitos muito devagar…

Serra da Leba

A meio desse trajecto, tínhamos de fazer um desvio e seguir fora da estrada rumo à fazenda onde trabalhava um casal português que iríamos entrevistar.
Nessa picada, de repente, surgiram uns homens semi-nús, armados de lanças e arco e fechas. A coluna militar parou. Começou uma discussão de surdos. Os soldados daquela coluna militar não falavam dialecto dos bosquímanos. Estes só falavam o seu dialecto. Uns queriam continuar caminho. Outros não deixavam. Às tantas, os soldados começaram a meter a bala na câmara… o som do engatilhar a arma não é confundível.
Os bosquímanos retesaram os músculos… o desastre estava iminente quando, inesperadamente, aparece o português de quem íamos à procura. Tinha sido alertado para o que estava ali prestes a acontecer. E foi o branco, que falava o dialecto, quem serviu de intérprete e mediador do conflito. Afinal, os bosquímanos só queriam que alguém lhes pedisse autorização por estarmos a atravessar o seu território. Era uma questão de soberania…

quinta-feira, março 23, 2006

O Reptilário (3)

A nomeação do Provedor do Telespectador da RTP, fez-me recordar as circunstâncias em que conheci Paquete de Oliveira…
Tinha chegado de Sarajevo e vinha a “bater mal” da cabeça. As semanas vividas naquela cidade de loucos, deixaram-me os nervos um pouco abalados. E fisicamente cansado, também.
Quando Emídio Rangel me convidou para coordenar e apresentar o “Casos de Polícia”, pensei que uma pausa me iria saber bem. Ainda assim, ponderei as coisas… a minha experiência na apresentação de programas era quase nula, resumia-se a umas quantas co-apresentações com o Raul Durão do “Bom Dia Portugal”, na RTP, no longínquo ano de 1981 (se a memória não falha…). Desde então, na prática, nunca mais tinha entrado num estúdio… depois, sabia que não tinha sido 1ª escolha do Rangel. Antes de mim, outros jornalistas da SIC foram convidados…mas ninguém tinha aceite. À época, a temática do programa era considerada, na redacção da SIC, jornalismo de “segunda”… nenhum deles quis arriscar os pergaminhos… se fosse hoje, comiam-se vivos. Acabei por aceitar por puro “amor à camisola”. Percebi que aquele programa poderia ser uma das “armas” do canal para descolar para audiências mais elevadas. Nunca imaginei que iria ser muito mais do que isso. O programa abanou o sistema, da política à justiça. Mostrou a muita gente que a cidadania não era, necessariamente, palavra vã. Lutei contra alguns moinhos de vento… mas, o “Casos de Polícia” acabou por se tornar no programa âncora da SIC. Durante mais de 3 anos, 150 semanas, fomos líderes de audiências. Como o Dr.Balsemão me sorria, nesses dias…

Congo, 2001 - A Expedição, o fim

Os indícios que recolhemos não foram suficientes para convencer qualquer um dos cientistas da expedição. Dois meses depois, a maioria já ansiava pela hora da partida. Na hora da despedida havia um homem vencido, mas não convencido. Karl Ammann vai continuar a procurar o gorila que ele acredita que vive aqui.
Esta expedição só foi possível devido ao empenho pessoal deste fotógrafo da vida animal. Ammann, há muitos anos que persegue este sonho de encontrar o gorila perdido… o Gorila Uelensis, como foi classificado no século XIX. Um animal visto e referenciado diversas vezes, nos últimos 200 anos, mas que parece, agora, estar definitivamente desaparecido. Ainda assim, Karl Ammann deixou uma dúzia de câmeras fotográficas automáticas, montadas na floresta do Makulungo, em locais propícios à passagem de animais. Periodicamente, Tolly muda os rolos e guarda-os até que Karl consiga lá ir buscá-los. Chegar a Bili continua a ser difícil, mesmo agora que a guerra está num compasso de espera.
A expedição chegou ao fim. Foi uma grande aventura, como viram, mas a floresta guardou bem os seus segredos. Há falta de melhores provas, os cientistas protegeram-se numa negativa cautelosa... “em princípio não há nada de especial”… Mas ninguém conseguiu ver o animal que deixa aquelas pegadas tão grandes e que faz aquelas camas de folhas no chão... “Em princípio não há nada”, mas o povo continua a falar dos grandes símios que por ali vivem…
O acampamento ficou vazio. Foram-se todos embora... eu e o João Duarte fomos os últimos a abandonar o local. Deixei lá um pedaço da alma.

quarta-feira, março 22, 2006

Provedores

O sociólogo Paquete de Oliveira vai ser o Provedor da RTP e o apresentador e realizador José Nuno Martins vai ocupar cargo idêntico na RDP, anunciou hoje a agência Lusa. Os dois nomes terão sido escolhidos pela administração do grupo RTP. Falta, ainda, a aprovação do Conselho de Opinião da RTP, mas não me parece que isso venha a ser obstáculo à nomeação destes dois especialistas.
Os provedores dos serviços públicos de televisão e de rádio têm como função defender os interesses dos telespectadores e ouvintes, avaliar a programação e a informação nessas emissoras e elaborar pareceres que serão divulgados publicamente através de um programa semanal de 15 minutos, produzido para esse finalidade.
O José Nuno Martins é um mestre da rádio e fará, por certo, um bom trabalho e até um bom programa. Estou mais curioso para ver a prestação de José Paquete de Oliveira. Gostava de o ver na “regência” de um programa de televisão e desejo que se saia bem. Tenho boas recordações dos três anos que passámos juntos no estúdio do “Casos de Polícia”.

Congo, 2001 - A Expedição, Nganga

O nosso destino era Nganga, uma das muitas aldeias Azande que estão quase desabitadas. Por algum motivo que só uma investigação médica poderá determinar, o povo Azande está a desaparecer. Morrem mais do que nascem. E há muitas aldeias assim, vazias de gente viva. Os poucos brancos que por ali vivem, os missionários, falam de doenças devastadoras que arrasam em pouco tempo comunidades inteiras. Febres estranhas, violentas, letais. E sobressaltaram-nos o espírito os fantasmas dos vírus ébola ou da sida, doenças que, de resto, tiveram origem nesta região do planeta. E agora, como vão eles protegerem-se da gripe aviaria?
Nganga fica nas margens do Rio Tubu, perto da zona onde esse pequeno rio se encontra com o maior Rio Uéle. Deve ter sido por ali que Paul van Keerkevoorde passou, na sua caçada ao grande chimpanzé, devem ter sido os habitantes dessa aldeia que lhe falaram no grande macaco que atacava as pessoas.
Quando chegámos a Nganga, Tolly solicitou uma reunião com os mais velhos da aldeia. Vieram três homens, quase centenários.

Benoit

Benoit, o cego … Kumbo Yo, muito velho também. O terceiro velho da aldeia chegou com os três filhos. Mas nem Kumbo Nyeki nem qualquer um dos outros se lembravam da história do belga Keerkevoorde. Todos eles corroboraram a existência de camas de folhas, no chão, como fazem os gorilas e confirmaram já terem visto grandes pegadas marcadas na lama dos trilhos… mas não sabem distinguir um chimpanzé de um gorila.

caçadores Azande

Para eles, são a mesma coisa. A floresta mete-lhes muito medo e estes homens nunca vão além de determinados pontos. É na floresta que os Azande fazem os cemitérios, sempre longe das aldeias. E o local onde enterram os mortos é como que uma fronteira, além da qual raramente se aventuram.

terça-feira, março 21, 2006

Combates na Guiné Bissau (4)

Um dos antigos apoiantes da Junta Militar, o grupo de oficiais que se revoltou contra Nino Vieira em 1998, disse hoje, em Bissau, que não havia qualquer razão para o exército guineense lançar uma guerra contra os guerrilheiros de Casamança. Silvestre Alves lidera, hoje, um dos muitos partidos políticos guineenses, o Movimento Democrático Guineense, um partido com pouca expressão popular. No entanto, aquilo que diz reflecte o pensamento de muitos outros guineenses, que se sentem próximos dos irmãos que lutam pela secessão de Casamança do Senegal. Há cinco dias que o exército guineense desencadeou a luta e teme-se que não consiga controlar a situação. Apesar de estarem, aparentemente, entalados entre os exércitos da Guiné-Bissau e do Senegal, os guerrilheiros de Casamança têm boas possibilidades de não saírem vencidos desta batalha. Conhecem o terreno, melhor que quaisquer outros e têm o apoio da população.
Há uma estranha tendência dos chamados exércitos regulares em menosprezarem a capacidade militar dos grupos de guerrilha. A experiência já lhes devia ter ensinado que não se vence uma guerrilha… muito menos num terreno como o da Guiné-Bissau, de floresta densa, capim alto, muitos cursos de água e centenas de ilhas, quase todas desabitadas. O exército português aprendeu isso à sua própria custa, o exército senegalês já foi ali derrotado na guerra de 1998/1999, assim como o da Guiné-Conakri. A não ser que se já se tenha perdido por completo o respeito pelas populações civis e se decidam efectuar bombardeamentos aéreos…
Agora, não é este o caminho para a recuperação económica, a não ser que apenas queiram atrair vendedores de armas.

Congo, 2001 - A Expedição, os gregos

Comigo viajou Tolly Zibras, um mulato filho de um emigrante grego que viveu e acabou por morrer no Congo. Tolly foi o único da família a ficar no Congo. Todos os irmãos estão na terra do pai, a Grécia. Desde que a guerra começou e o Congo se dividiu em três, as cartas deixaram de chegar e partir. Tolly nunca mais comunicou com a família. Sobrevive, com 4 filhos e a mulher, graças às suas múltiplas capacidades, de mecânico a caçador de elefantes. Pelo caminho, Tolly não resistiu a visitar um amigo de infância, um outro mulato também filho de um emigrante grego. O amigo de Tolly chama-se Basil Vasilios, mas todos o conhecem por "muzungo", palavra que em língua kisuahili significa "homem branco". Do pai grego, Muzungo guardou a arte da pesca e o conhecimento de todas as curvas e redemoinhos do Rio Uére, um dos afluentes do Uéle. Foi com Muzungo que atravessámos o Uére, com as motas na canoa num equilíbrio instável.
Dormimos em casa de Muzungo, comemos à sua mesa. Mas foi com a sua salga de peixe que Muzungo mais me surpreendeu... quando mostrou o "cabalao", assim se chama o peixe tigre seco, numa surpreendente semelhança linguística com o bacalhau dos portugueses. O peixe-tigre é um carnívoro enorme que vive na bacia hidrográfica dos Grandes Lagos, um peixe com uns dentes enormes e que chega a medir, da cauda à boca, mais de 3 metros...
Assim, conheci tudo o que resta de uma numerosa comunidade grega que, em tempos, por ali viveu. Niko, o velho que se esqueceu de ir embora… Tolly, que ficou para guardar o património deixado pelo pai… e Vasilios, o muzungo, porque preferiu ser um homem importante na sua comunidade que um estrangeiro na terra do pai. Mas o destino não era aquela aldeia. Havia ainda muitos quilómetros para trilhar…

segunda-feira, março 20, 2006

Combates na Guiné Bissau (3)

Em Bissau, a população interroga-se sobre as verdadeiras motivações do poder político, que levaram a esta ofensiva contra as populações que apoiam os guerrilheiros independentistas de Casamança. Muito boa gente acredita que Nino Vieira está, agora, a pagar favores contraídos durante a guerra civil, quando o Senegal enviou tropas para sustentar o seu regime.
Outros, acreditam que o Senegal pagou elevadas luvas às chefias militares, para as convencer a ordenar esta ofensiva.
Quem fala assim, estranha uma luta entre irmãos… por motivos que lhes são alheios, em parte… isto é, a luta de guerrilha que se trava em Casamança contra o regime senegalês. A intervenção dos militares da Guiné-Bissau no conflito da Casamança foi criticada num programa de rádio e alguns desses críticos terão sido chamados à sede dos Serviços de Informações (a "secreta" guineense), para serem ouvidos. No programa Voz do Povo, interactivo da rádio Galáxia de Pindjiguiti, (estação privada) vários participantes afirmaram que as autoridades guineenses, governo, presidente da República e chefias do exercito, teriam recebido dinheiro do Senegal para intervirem militarmente no "conflito de Casamança". A maioria dos intervenientes no programa afirmou que os soldados guineenses estão a morrer por uma causa que não diz respeito à Guiné-Bissau.
Fontes no terreno confirmaram à Agência Lusa, no sábado, que os rebeldes não deixaram partir as populações das aldeias de Nhambalan, Djacmundo, Bufa e Suncutoto, quando estas pretendiam fugir para zonas mais seguras evitando os combates. Segundo essas fontes, os rebeldes pretendiam utilizar essas pessoas como "escudo humano" para no caso de ataques do exército guineense. Os mesmos rebeldes terão também colocado minas terrestres em redor das quatro aldeias.
Quanto a vítimas, não há números. Ou não os contam, ou não os divulgam… refiro-me aos mortos, feridos e deslocados.

Congo, 2001 - A Expedição, de mota

Ninguém conhece melhor a floresta e os animais que lá vivem do que os caçadores. Foi por isso que decidimos investigar as informações recolhidas na Bélgica, em casa de Paul van Keerkvoorde.
Paul van Keerkevoorde teve, nos anos 70, uma plantação de café a cerca de 200 quilómetros, em linha recta, para Leste do local onde estávamos. Nos tempos livres, o senhor Paul gostava de caçar nas florestas ao longo do Rio Uéle. O senhor Paul diz que, um dia, matou um símio com quase 1 metro e 80 de altura... um símio que, segundo o relato dos seus batedores, atacava os humanos.
Ora, um símio mau, que atacava pessoas, com 1 metro e 80 de altura, que defende o território contra seres humanos é… um gorila. Estas características físicas e comportamentais são próprias dos gorilas.
Para tentar verificar essa história precisámos de viajar 500 quilómetros através da floresta e da savana. A pé, seria uma viagem interminável. Na região havia duas motas. Uma era do grego Nikolaos, que vivia em Bili. A outra era a do chefe Selassié. Niko emprestou-nos a dele e aluguei a de Selassié… a 100 dólares por dia! O homem ficou rico… assim como também ressuscitei o negócio da venda de combustível de um tipo que tinha um bidão de 100 litros fechado há 10 anos. Só para abrir o bidão foi preciso muito engenho e arte. E a gasolina para as motas custou-me 7 dólares e meio o litro, depois de muita negociação. São as desvantagens de se negociar com um monopolista… Só uma parte do percurso foi feita em estradas de terra batida. Muitos quilómetros foram percorridos em trilhos feitos por animais que atravessam as florestas e as savanas do Norte do Congo. Uma viagem impossível se tivesse de ser feita na época das chuvas. Mesmo assim, atravessar pântanos e leitos lodosos de rios já quase sem água, não foi tarefa fácil...

domingo, março 19, 2006

Combates na Guiné Bissau (2)

As florestas de cajueiros continuam a ser bombardeadas, no norte da Guiné Bissau, onde se travam combates intermitentes entre o exército guineense e a guerrilha independentista de Casamança.
Os bombardeamentos já provocaram alguns milhares de deslocados. Uma ONG enviou gasolina para a cidade de Cacheu, de modo a poderem ser abastecidas as canoas dos pescadores que se disponibilizaram a ajudar na evacuação das populações. Depois de 4 dias de combates, todas as aldeias junto à fronteira senegalesa já devem ter sido abandonadas. A população vive da pesca e da agricultura de subsistência. As dispensas familiares não têm grandes reservas e, mesmo que as tivessem, como se foge a pé com uma saca de 30 ou 40 kg de arroz à cabeça? Ao fim de 4 dias, já há, de certeza, muitas crianças com fome e sede. Imagino que muitas famílias devem estar entregues ao cuidado das mulheres, já que adivinho que os homens andarão pelas matas, em fuga…

Congo, 2001 - A Expedição, mais testemunhos

Na pequena cidade de Eeklo, na Bélgica, há outro testemunho da existência de um animal estranhamente grande nas florestas do Norte do Congo. Paul van Keerkevoorde viveu muitos anos naquela região.Era proprietário de uma roça de café e matava os tempos livres a caçar animais selvagens... ainda hoje, quando fala desses anos, parece sentir os cheiros e os sons daqueles dias de grande excitação... O senhor Paul van Keerkevoorde já ultrapassou bastante os 70 anos, vive com um pace-maker, mas tem excelente memória. Relatou-mos uma célebre caçada em que avistou, nas margens do Rio Tubu, um grupo de grandes símios, em relação aos quais os seus batedores indígenas demonstraram ter medo. Paul matou um. E garante que era um animal com 1 metro de 80 de porte. Ora, não há chimpanzés desse tamanho…
Até em Lisboa, encontrei um testemunho que corrobora os depoimentos sobre a existência de gorilas nesta vasta floresta tropical.A dona Maria Alice viveu em Bondo, uma aldeia conhecida por albergar uma grande missão católica a poucas dezenas de quilómetros de distância de Bili. Durante anos, Maria Alice acompanhou o marido nas viagens pelo mato, para comprar a produção de amendoim das populações locais. Maria Alice e o marido exportavam esse amendoim e exploravam uma casa comercial onde se vendia de tudo um pouco. O filho de Maria Alice foi o primeiro descendente de portugueses a nascer na região. 50 anos depois, as memórias da Dona Maria Alice continuam frescas e precisas. Esta senhora lembra-se bem desses anos de aventura. Lembra-se dos vizinhos, das amigas, dos empregados que teve... recordações que, ainda hoje, lhe causam saudade. Acontece que esta senhora lembra-se de ver gorilas por ali. Lembra-se mesmo muito bem do momento em que o marido teve de travar a fundo na picada, porque um imenso símio estava no meio do caminho, urrava e batia com as mãos no peito. A dona Maria Alice até se lembra que o marido, com o nervosismo, rasgou os calções ao sair da cabine da camioneta e que tremia tanto que não foi capaz de disparar contra o animal. Lembra-se de que os trabalhadores que seguiam na caixa da camioneta gritavam que nem uns desalmados, aterrorizados com a cena… ao olhar, hoje, para fotografias de chimpanzés e de gorilas, a dona Maria Alice não tem a mínima dúvida em identificar o animal que se lhes atravessou à frente: era um gorila.Mas, 50 anos passados, onde estariam eles? Ter-se-iam extinguido? Viveriam ocultos na floresta densa?

sábado, março 18, 2006

Os pesos e as medidas

Li agora uma notícia, num site queniano, que um senhor da guerra congolês vai ser julgado em Haia, acusado da morte de nove soldados das Nações Unidas.
O caso sucedeu em 2005, no nordeste do país, na região de Ituri, uma zona controlada por vários grupos rebeldes, uns apoiados pelo Uganda, outros pelo Rwanda.
O acusado chama-se Thomas Lubanga e era o chefe da União dos Patriotas Congoleses, um grupo tribal da etnia Hema que combatia a etnia Lendu. Na verdade, estes pormenores étnicos têm muito pouco interesse, porque o que estes grupos disputam, realmente, é o domínio territorial sobre uma região muito rica em ouro. Já aqui contei algumas histórias, protagonizadas por missionários portugueses que andam por aquelas paragens, e que têm testemunhado inúmeros crimes de guerra perpetrados pelos senhores da guerra congoleses.
E tenho mais histórias para contar…
Agora, só quero dizer mais uma coisa. Nunca é tarde para se começar a levar criminosos de guerra a tribunal, mas é pena que isso não tenha acontecido em inúmeros actos criminosos que vitimaram centenas de milhares de habitantes civis congoleses… como, de resto, tem sido denunciado por esses missionários portugueses.

Congo, 2001 - A Expedição, testemunhos

Constant Silingbe é um antigo soldado do exército de Mobutu, que combateu em Angola ao lado da Unita, factos que não fazem dele um mentiroso, necessariamente. Fez-nos um relato de um “encontro imediato do 1ºgrau” com animais que ele diz poderem ser gorilas. Disse-nos ele que viu uma fêmea símio, muito grande, mais alta do que eu (tenho 1 metro e 74), com uma cria. Que não a matou por não saber o que fazer com ela, depois. Esse encontro passou-se, alegadamente, em Março de 1999.
Muito mais antiga é a história que nos relatou um holandês que vive no Congo há 43 anos e que foi contratado para organizar o acampamento-base da expedição. Um dia, John Valk encontrou um caçador português, ido de Angola, que também lhe disse ter morto gorilas nesta região. Esse caçador chamava-se Medina, era um mulato, filho de pai branco e mãe negra. Inclusive, Medina mostrou-lhe fotos de gorilas mortos por ele, nesta região onde estávamos.
Mais tarde, segui a pista de Medina. O caçador, já morreu. Os descendentes nada sabem sobre gorilas. Vivem na Bélgica. As fotografias que guardam desse antepassado apenas demonstram que o português sabia bem o que era um gorila e que os matava com afinco. No espólio de Medina não encontrámos a fotografia descrita por John Valk.
Mas encontrei outros testemunhos, noutros locais…

sexta-feira, março 17, 2006

Combates na Guiné Bissau

A notícia já é de ontem, mas não quero deixar de falar aqui sobre isso… já o teria feito, se o blog não tivesse estado “avariado”…
Tem havido combates na fronteira da Guiné Bissau com o Senegal. As tropas guineenses estão a combater guerrilheiros independentistas que se refugiavam no lado guineense. Portanto, agora que Nino Vieira voltou ao poder, os guerrilheiros de Casamança deixaram de ter paz e segurança na Guiné Bissau. É o pagamento por terem apoiado a rebelião de Ansumane Mane que derrubou Nino, em 1999.
Informações disponíveis dão conta de várias mortes, tanto entre os guerrilheiros como nos soldados guineenses… Nino vinga-se, mas está a vingar-se no seu próprio povo. Como já disse aqui, em textos anteriores, os guerrilheiros de Casamança pertencem a etnias que vivem dentro de território da Guiné-Bissau. O que quer dizer que, em muitos casos, são os próprios guineenses que combatem pela independência de Casamança
Só mais um pormenor… o actual Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau, Tagma Na Waie, da etnia Balanta, comandou pessoalmente muitos guerrilheiros de Casamança que o ajudaram no cerco a Bissau, durante a guerra contra Nino Vieira. Em 1999, o que Tagma mais desejava era matar Nino Vieira. Dito pelo próprio, numa conversa que tivemos…

O Poder da Arte (15 e último)

José de Guimarães instalou uma série de caixotes de madeira pintada. Título: “Retrato de Família”. Para ser sincero, acho as pinturas murais da sala muito mais interessantes.
Mas quem sou eu...
Termino aqui esta visita guiada à exposição que Serralves montou na Assembleia da República. Além de que ficou ainda muito por mostrar, ver in loco, ao vivo e a côres, é bastante mais interessante. Até 16 de Abril têm essa oportunidade...

quinta-feira, março 16, 2006

O Poder da Arte (14)

Está num dos topos da sala dos Passos Perdidos, em frente a um espelho, o que confere outra profundidade à peça artística de Juan Muñoz. É uma escultura em ferro e madeira, de quatro homens vergados. Por isso se chama “Bending”. Deve ser assim que os senhores deputados saem das longas discussões a que o ofício os obriga…

Guiné Bissau, a guerra de 89 (5)

Ao terceiro dia, fomos finalmente autorizados a permanecer num pequeno auberge da cidade, numa espécie de detenção domiciliária. Não podíamos sair dali, sob pretexto algum. Na noite desse terceiro dia, à hora do jantar, a recepção do hotel estava deserta, o telefone em cima do balcão. Em menos de 30 segundos disquei o número de telefone da redacção da RTP em Lisboa (felizmente as ligações já eram directas, sem necessidade de intervenção de uma operadora) e consegui explicar a situação em que me encontrava e onde estava. Desliguei com o coração aos pulos. Nessa noite dormi, finalmente. E enquanto dormia, a diplomacia funcionava. O Ministério dos Negócios Estrangeiros foi alertado, o governo do Senegal contactado, o governador militar de Ziguinchor avisado e, dois dias depois, estavamos livres e expulsos para o lado guineense. O sucedido foi usado pelo poder na Guiné-Bissau como arma de propaganda, como facto revelador da maldade reinante nos espíritos dos senegaleses, que até prendiam os jornalistas portugueses.
Nas semanas seguintes, os ímpetos guerreiros foram contidos e um tratado de paz acabou por ser assinado, cerca de 1 mês depois dos primeiros tiros, na cidade fronteiriça de São Domingos, na Guiné-Bissau.
A guerra de Casamança continuou. O governo guineense traficava armas para a resistência independentista, mais ou menos abertamente. Várias fontes na Guiné-Bissau garantiam-me que o próprio Presidente Nino Vieira era o "patrão" desse negócio.O esforço de guerra da resistência de Casamança era financiado, em boa parte, pelo cultivo e exportação de liamba. A droga era levada -e continua a ser, ainda hoje...- para o mar alto em canoas dos pescadores, onde era transladada para navios cargueiros que se dirigiam para portos europeus. Mas boa parte das armas que chegavam às mãos dos guerrilheiros de Casamança provinham dos paióis do exército guineense, principalmente armamento ligeiro como, por exemplo, kalashnikovs, RPG-7 e minas anti-pessoal. Dez anos depois, este tráfico de armas iria ser o detonador da guerra civil na Guiné-Bissau.

quarta-feira, março 15, 2006

Congo, 2001 - A Expedição, a escola

Na escola, que não passava de um telheiro coberto de palha, onde as crianças se sentavam em troncos e escreviam com carvão em pranchas de madeira, havia um quadro de ardósia. E, nesse quadro, estava escrita a palavra mesa. Assim mesmo, mesa. Tal e qual como se escreve e diz em português. E foi o professor Bolossa Kali quem me ensinou que mesa, copo, sapato, santo, peça, farinha, saco… são algumas das palavras portuguesas adoptadas por estes povos do interior de África. Uma herança que o tempo não destruiu, apesar de os portugueses nunca terem feito nada por isso. Aconteceu que muitos povos africanos integraram nos seus dialectos as palavras de objectos e conceitos que não existiam para eles, até à chegada dos portugueses ao coração de África. E acho espantoso que essa herança perdure em locais e com povos nunca colonizados pelos portugueses e, mais do que isso, depois de séculos de colonização inglesa, francesa, belga ou alemã. Nambala é uma pequeníssima aldeia de palhotas escondida na floresta do Makulungo, a uns 150 quilómetros da fronteira com a República Centro Africana. Bolossa Kali é o professor desta escola. Um homem viajado. Quando era novo foi até Kisangani e mesmo a Kinshasa. Aprendeu a ler e a escrever, sabe fazer contas e fala um pouco de francês. Tudo o que sabe ensina agora aos jovens da sua aldeia. E, sem querer, vai ensinando palavras de português que foram integradas no dialecto kizande.
As carências desta escola estão bem à vista, nem vale a pena falar delas. Aqui, aprende-se a contar pelos dedos e a soletrar. Não existe mais nada. A escolaridade termina assim, num bê-á-bá rudimentar. A grande maioria destes alunos nunca viu um livro, nunca leu letra impressa em papel. As crianças permanecem na escola apenas enquanto não crescem o suficiente para se tornarem mais úteis noutra actividade. Os rapazes irão aprender a caçar e a explorar o que a floresta tem para dar. As raparigas são casadas com homens mais velhos logo após a puberdade e passarão a vida a parir filhos e a cumprir os pesados rituais domésticos de uma dona-de-casa. O pouco tempo que estas crianças passam na escola é, por isso, o tempo mais feliz da vida deles, o tempo que recordarão com mais saudade…

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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